Com parte do dinheiro em caixa (R$ 17,7 milhões do total de mais de R$ 75 milhões necessários) e previsão de licitação para novembro, a obra de engorda da praia de Ponta Negra, cartão postal de Natal (RN), deve ficar pronta num prazo de três anos. Mas, será apenas após sua conclusão e a acomodação da areia, o que pode levar anos, que saberemos se o serviço deu ou não certo. Mas, além do aspecto positivo do aumento da área de lazer e incremento do turismo com uma maior faixa de areia, a obra ainda é uma incógnita quanto a outros aspectos que tem sido vistos em outros locais que passaram por processos semelhantes, como a aproximação de tubarões da área de banhistas.
“Para fazer essa obra tem que se encontrar uma jazida próxima à área de engorda, para não aumentar o custo, e a transferência tem que ser feita com areia de mesma granulometria. São feitas dragagens dessa área, que vai revolver todo o sedimento da jazida, levando areia para a área a ser engordada. Quando se revolve grandes quantidades de sedimentos, ocorre uma perturbação da biota acomodada e que já estava adaptada. Há uma transferência de um mundo de organismos. Há uma disponibilização de microrganismos e animais que são jogados nesse outro local. Isso, por si só, já atrai animais que querem se alimentar daquela fauna colocada ali. Outra coisa interessante é que quando você engorda a praia e estende aquela faixa de areia mais para dentro do mar, pode ocorrer declives abruptos da área. Estamos entrando em áreas que antes eram mais profundas. É como se aproximássemos a praia de regiões por onde as correntes passam. Tudo isso faz com que os animais consigam se aproximar e circular mais livremente. Em Fortaleza, por exemplo, tem ocorrido relato de pessoas que entram no mar da praia de Iracema com água pela cintura ou ombro e são pegas por correntes e arrastadas, com risco de afogamento”, revela Maria Christina Araújo, professora do Departamento de Oceanografia e Limnologia da UFRN que acompanha o trabalho desenvolvido em Natal.
Até hoje, não há registro de ataques de tubarão no Rio Grande do Norte, apesar das espécies que circulam aqui serem as mesmas que circulam, por exemplo, em Pernambuco, onde há registro frequente de ataques a banhistas.
“No caso de Pernambuco são vários fatores que favorecem o ataque desses animais, como o desequilíbrio ambiental causado pelo Porto de Suape, a presença de um canal profundo muito próximo à área urbana, a existência de correntes de retorno que arrastam o banhista mais pra dentro. Aqui não temos esses relatos, mas não temos como garantir que não venha a ocorrer porque a praia de Ponta Negra será totalmente engordada a um custo de mais de 50 milhões de reais. Não temos como prever, mas a probabilidade é bastante relevante”, alerta a professora do Departamento de Oceanografia e Limnologia da UFRN.
No caso da praia de Ponta Negra, a engorda será realizada desde as proximidades do Morro do Careca até a Via Costeira, na altura do Hotel Serhs, segundo a Prefeitura de Natal. Os sedimentos serão retirados de um banco identificado a oito quilômetros mar adentro da praia de Areia Preta, que teria a mesma granulometria da praia de Ponta Negra. Em Balneário Camboriú, litoral de Santa Catarina que está em fase de execução de uma obra semelhante de engorda da faixa de areia, o número de tubarões vistos por banhistas subiu de 16 para 23 desde agosto, quando começou o serviço por lá. Apesar de não haver histórico desse tipo de ocorrência no litoral potiguar, não está descartada a possibilidade de que isso venha a acontecer, depois da intervenção no ambiente marinho.
“Óbvio que há vantagens para o turismo da região com a engorda. Os usuários da praia conseguem ter um espaço maior de lazer e os comerciantes também se beneficiam. Do ponto de vista econômico e social para o município, é vantagem controlar essa erosão. Mas, por outro lado, temos os impactos negativos com a modificação extrema das duas áreas, tanto da jazida, quanto da área onde vai ser colocada essa areia”, pondera Maria Christina Araújo.
A engorda da faixa de areia de uma praia é uma obra de engenharia utilizada para controle da erosão. Esse tipo de serviço, que será realizado na praia de Ponta Negra, também já foi feito em praias famosas como a de Copacabana (RJ), na década de 70; em Iracema (CE), nos anos 2000; e em Jaboatão dos Guararapes e Piedade (PE). No caso de Ponta Negra, a erosão foi provocada pela ocupação desordenada da região que permitiu a invasão de construções na área que deveria ser de avanço do mar.
“Outra coisa é que essa é um tipo de obra que exige manutenção. Iracema teve novo acréscimo agora em 2019 e em Camboriú, recentemente, duas pessoas ficaram atoladas e tiveram que ser retiradas. Isso mostra que não é simples assim, que não é só colocar a areia e fica tudo maravilhoso. A adaptação pode levar anos, mas nós torcemos para que dê tudo certo porque essa é uma decisão que já foi tomada pelo poder público”, resume a professora do Departamento de Oceanografia e Limnologia da UFRN.
A equipe da Agência Saiba Mais entrou em contato com a Secretaria Municipal de Obras Públicas e Infraestrutura (Semov) para saber mais detalhes sobre o estudo feito no local para a realização da engorda da praia de Ponta Negra, mas nós não obtivemos resposta.
