“Completo imbecil”, diz Jessé Souza sobre Bolsonaro
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"Completo imbecil", diz Jessé Souza sobre Bolsonaro

9 de dezembro de 2018

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Difícil precisar quantas vezes a palavra “imbecil” e suas derivações aparecem no discurso do sociólogo e pesquisador potiguar Jessé Souza. Ele usa o termo para se referir principalmente às estratégias de campanha usadas pela esquerda brasileira nas eleições 2018 - "uma campanha de classe média com um discurso de antifascismo que não chega aos pobres" - mas também para adjetivar o presidente eleito, Jair Bolsonaro: “um completo imbecil”.

“Eu também já fui 200 mil vezes e ainda sou. A declaração de independência de um imbecil é quando ele se reconhece como tal”, disse Jessé Souza na sexta-feira (7) em Natal, quando veio para palestra e lançamento do livro “A Classe Média no Espelho”, no Centro de Ciências Aplicadas da UFRN (Nepsa) da UFRN. O evento foi parte do Projeto Diálogos, realizado pelo Adurn-Sindicato e Cooperativa Cultural da UFRN. O livro é resultado de uma pesquisa empírica e teórica realizada entre 2015 e 2018, que conta com centenas de entrevistas e mostra as transformações da classe média.

A narrativa democracia x fascismo como bandeira política jamais ganharia uma eleição num país como o Brasil, segundo ele. “Dá vontade de perguntar se moram na Dinamarca. Porque com fascismo prático pelo menos 50% já está acostumado desde que nasceu. Ódio, humilhação, ausência de direitos, a polícia chegando esculachando na sua casa. Está falando de fascismo pra quem, companheiro?”, desabafa.

Jessé diz que esse discurso “superficial e colonizado pela direita” foi uma das causas da derrota nas urnas. Fato que tem consequências muito graves para o país, inclusive o empobrecimento das pessoas, que deveria ter sido o foco da campanha, na visão do especialista.

“As bobagens que estão saindo da boca desse sujeito estão desempregando quantos, humilhando quantos, desempoderando quantos?”, questionou, ao dizer que a única pergunta importante na campanha deveria ter sido “Por que as pessoas ficaram mais pobres?”.

Ele explica que a única resposta dada ao povo era a corrupção política. Todos acreditaram que a miserabilidade no Brasil aumentou por causa da corrupção. Não se comenta, por exemplo, a parcela de culpa do Sistema Financeiro, que atua com “juros escorchante”.

“Só de tarifa que os bancos cobram é mais do que o país gasta em saúde e educação. Você consegue imaginar um negócio desses?”.

O cientista político mantém as críticas mesmo quando o debate é aberto no auditório e muitos lhe perguntam se a dureza com que se refere à esquerda não são reflexo do ódio ao PT, da culpabilização do PT, da cobrança ao PT que reconheça eventuais erros.

Para ele, não há como defender quem elogia a Operação Lava Jato, “núcleo da mentira que está empobrecendo e assaltando esse país”. Souza explica que a midiatização desse conjunto de investigações atraiu a atenção dos brasileiros, de modo que fecharam os olhos para um “assalto” entre 500 e 1000 vezes maior.

É um engodo que blindou o Sistema Financeiro, que é quem rouba; blindou os meios de comunicação, que é quem mente; blindou o Poder Judiciário, que todo mundo sabe que não é menos corrupto do que o sistema político. Uma bandalheira dessa e você elogia. Não existe maior mensagem conservadora no Brasil do que a Lava Jato. Se você não compreende isso é burro. Aí dois candidatos de esquerda apoiaram a Lava Jato”, reclama.

Autor de Radiografia do Golpe, A Ralé brasileira, A Elite do Atraso, Jessé é potiguar e analisa os mais recentes acontecimentos políticos sob a variável “sentimento”. Para ele, é isso que define as classes sociais e também o posicionamento político de cada um.

“Classe é formação afetiva de indivíduos. É imbecilidade [sempre isso] achar que classe é renda”, sentencia, retomando a ideia da ausência de individualidade, quando fala que o indivíduo não cria nenhuma ideia, emoção ou moralidade.

De acordo com Jessé, o que une a elite é o dinheiro e “o resto é bobagem”. Em sua compreensão, ela compra políticos, juízes que prendem adversários políticos e intelectuais para enganar o povo. A elite agrária é formada por assassinos e ladrões de terra, nas palavras de Jessé. E a classe média funciona como delegada da elite.

Outro fator considerado é o “conhecimento” e reprodução de privilégios das classes. Segundo o pesquisador, isso explica porque as pessoas saem para protestar sob o pretexto do combate à corrupção quando um partido chega ao poder e aumenta de 3 para 8 milhões o número de pessoas nas universidades.

“A exploração não é só econômica. Ela se associa com a elite no prazer patológico de humilhar o pobre. A escravidão não é só o domínio econômico sobre o escravo”, explica nomeando o fenômeno como “canalhice”, o ódio covarde ao pobre, ao que é mais frágil, desejando o mal, chegando a ter vontade que a polícia o mate. Sendo socialmente inaceitável deixar isso claro, é preciso uma desculpa: a corrupção.

Ele também explica o papel das religiões e sua importância para entender qualquer sociedade e que aspectos subjetivos e afetivos são tão importantes quanto “um prato de comida”, porque as necessidades são construídas simbolicamente.

Personalismo, patrimonialismo, populismo estão por trás de tudo que a imprensa diz sobre o Brasil e está na interpretação dominante tanto da direita quanto da esquerda atualmente.

Para Jessé, de um lado a elite age com subalternidade a elites estrangeiras como “belgas no Congo”, estrangeiros em sua terra, odiando o seu povo com a raiva de uma potência estrangeira e fazendo qualquer acordo absurdo com outros países.

Do outro lado, quando a esquerda poderia denunciar, se apropriou de parte do discurso da direita, porque também é de classe média e não conhece o povo. “A esquerda não explicou para as pessoas a ascensão social histórica que ela estava promovendo. Isso é de uma incompetência. A única coisa que ficou foi a associação com a pessoa de Lula. É o pior vínculo, porque prendem a pessoa e aí eu vou votar em quem? Bolsonaro. Quer apostar como 60% das pessoas que votariam em Lula votaram em Bolsonaro?”, aponta.

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