O governo Fátima e as heranças malditas
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O governo Fátima e as heranças malditas

15 de fevereiro de 2020

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O governo da professora Fátima Bezerra pagou neste sábado (15) a segunda das quatro folhas atrasadas do funcionalismo herdadas da administração anterior. A gestão de Robinson Faria deixou uma dívida de quase R$ 1 bilhão só com os servidores. A folha quitada agora soma R$ 95 milhões. Do débito que resta ainda faltam R$ 800 milhões.

Enquanto o deputado federal Fábio Faria esperneia na internet, Fátima e a equipe econômica do Governo vão corrigindo erros do passado e pagando a dívida criada e deixada pelo governo do pai dele. Sem prometer o que não pode, deixando claro que são necessários recursos além do caixa do tesouro para honrar o que falta.

Fátima Bezerra assumiu o governo refém da dívida com o funcionalismo. Qualquer outro governante que tivesse sucedido Robinson Faria também seria. É preciso ser justo: Robinson só não pegou situação semelhante porque Rosalba Ciarlini avançou no fundo previdenciário, no que ele deu continuidade.

É necessário reconhecer que o governo petista foi corajoso na estratégia: pagar em dia, dentro do mês trabalhado, os salários do funcionalismo a partir de 1º de janeiro de 2019 e usar o dinheiro que entrasse a mais para honrar dívidas deixadas pela administração do ex-governador. Se Fátima atrasasse um único mês de salário perderia o discurso e a confiança da sociedade.

Um ano depois, a governadora provou que a aposta definida ainda durante a transição foi acertada. A cereja do bolo veio com o anúncio do calendário fixo de pagamento para o funcionalismo até dezembro, a pauta mais reivindicada pelo Fórum Estadual de Servidores durante o governo Robinson. O último período em que os servidores saíam de casa para o trabalho sabendo as datas em que os salários cairiam na conta foi durante o governo de outra professora, Wilma de Faria.

Se a dívida com o funcionalismo pode ser chamada de herança maldita, a reforma da Previdência estadual não pode receber outro nome.

As contribuições dos servidores e do Estado para a Previdência não conseguem há vários anos cobrir a folha dos aposentados, que atualmente só recebem em dia porque o Governo faz, todos os meses, um aporte de R$ 130 milhões para completar os salários. Num universo de 110 mil servidores, há mais aposentados que ativos trabalhando hoje. Houvesse uma correlação diferente e um equilíbrio maior, a reforma era desnecessária e os recursos que pagam inativos poderiam ser usados em serviços públicos que melhorassem a vida de mais de 3 milhões de pessoas.

Ex-governadores e ex-governadoras são cúmplices da tragédia na Previdência porque viram o bolo crescer e empurraram com a barriga mudanças nas regras das contribuições e aposentadorias. Robinson ainda ensaiou quebrar esse paradigma, mas foi tragado por erros políticos e de estratégia, como enviar o projeto para a Assembleia Legislativa no final de um governo esfacelado e em ano eleitoral, tentando transferir para os deputados o ônus da reforma.

A diferença agora é que o Governo não tem saída e é obrigado a mudar a Previdência estadual até 31 de julho, sob pena de sofrer sanções econômicas da União.

A batalha da Previdência foi perdida em nível nacional no Congresso em julho de 2019.

O Rio Grande do Norte foi o último Estado do Nordeste a enviar uma proposta para o legislativo apreciar. A demora também se explica e conta a favor do Governo petista. Ao invés de elaborar o projeto e encaminhar para os deputados, Fátima chamou os servidores para negociar.

Após quase dois meses, o Governo firmou posição em implementar uma alíquota progressiva na qual a contribuição maior será sobre os salários mais altos, saindo de 12% para 16,5% e garantindo uma faixa de isenção para aposentados que recebem até R$ 2,5 mil. A título de comparação, na reforma de Robinson os servidores seriam taxados por igual em 14%, tal qual a maioria dos estados nordestinos.

O acordo do Governo Fátima foi costurado e fechado com nove sindicatos, a maioria das categorias que recebem os vencimentos maiores, além das polícias, sujos salários estão na média dos demais servidores.

Numa reforma que é obrigatória, a corrida é (ou deveria ser) para reduzir o impacto dos danos na vida do servidor, uma vez que, na prática, o que está sendo tratado é redução de salário. Mas as demais entidades que compõem o Fórum estadual de Servidores preferiram abandonar a mesa de negociação.

O debate sobre a melhor proposta foi de difícil consenso até mesmo entre os membros da equipe econômica. Nos bastidores do governo, auxiliares de Fátima costumam dizer que é mais fácil negociar com o PSTU do que com a própria governadora. Deputados da base e representantes de outros Poderes chegaram a comentar nos últimos dias que Fátima defende mais os servidores no embate interno com os secretários de Estado do que o próprio Governo.

O que mudou em relação à reforma não foi o discurso de Fátima sobre a previdência, mas a necessidade da mudança nas regras após o Congresso aprovar a reforma de Bolsonaro.

A disputa agora é mais política do que técnica na Assembleia Legislativa, onde o Governo conserva uma pequena maioria. A reforma da Previdência está nas mãos dos deputados. Como se trata de uma Proposta de Emenda à Constituição, o texto não volta mais para a governadora vetar ou aprovar eventuais mudanças.

Os sindicatos que optaram por negociar com os deputados vão dialogar com os parlamentares que apoiaram a reforma de Bolsonaro e que, historicamente, sempre quiseram transferir para o servidor o ônus sobre o desequilíbrio das contas públicas do Estado. É o mesmo grupo que defende as privatizações dos serviços públicos e um Estado cada vez menor.

A Assembleia Legislativa – especialmente os deputados conservadores de direita - sempre reivindicou dos governadores uma resposta para o caos financeiro do Estado, com uma efetiva mudança nas regras da Previdência.

Os representantes das oligarquias que sentaram na cadeira de chefe do Executivo e dominaram o Estado nos últimos anos nunca tiveram coragem de mexer nesse vespeiro e protelaram a reforma.

Em que pese as condições exigidas pelo cenário nacional, Fátima Bezerra vai entrar para a história como a primeira governadora que avançou nessa pauta.

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