De como a pandemia de Covid-19 tranquiliza por morder os pés descalços
Natal, RN 24 de abr 2024

De como a pandemia de Covid-19 tranquiliza por morder os pés descalços

12 de dezembro de 2022
6min
De como a pandemia de Covid-19 tranquiliza por morder os pés descalços

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Para entender a pandemia no momento em que ela se encontra atualmente no RN temos que considerar os seguintes elementos abaixo:

  1. A curva de demanda de leitos hospitalares (não confundir com internamentos porque há uma fila de anônimos) é a mais baixa de todos os repiques. Estamos num platô com um leve viés de baixa como podemos ver no gráficos a seguir (a fase atual é a área mais à esquerda do gráfico) e desde 15/11/2022 a média móvel de leitos demandados para internamentos gira em torno de vinte leitos.

2. O tempo de internamento por Covid-19, cuja média era de dez dias, vem caindo e hoje alcança cerca de oito dias. Ao multiplicar vinte leitos necessários por oito dias de internamento alcançamos um número de leitos necessários para internar os pacientes com Covid-19 em cerca de 160 leitos.

O gráfico acima, do Regula/RN (SESAP/LAIS), mostra que há 22 pacientes críticos na fila esperando vaga e seis leitos críticos disponíveis, dos quais três já comprometidos com os pacientes que estão aguardando avaliação do prestador (três). Esses leitos supostamente disponíveis normalmente não podem ser preenchidos porque são específicos, de pediatria, obstetrícia, ou outro e não podem atender os pacientes críticos da clínica médica que são o maior volume.

Ela mostra também que há 34 pacientes clínicos na fila, igualmente aguardando vaga.

Na soma temos 56 pacientes com Covid-19, com indicação de internamento hospitalar e na fila. Isso significa que, se tivéssemos vagas, teríamos mais 56 leitos ocupados.

Nessa imagem também do Regula RN (SESAP/LAIS) vemos que há 60 leitos ocupados com pacientes com Covid-19. Se somarmos com os 56 restantes alcançaremos 116 pacientes com indicação de internamento hospitalar dos quais quase 50% estão na fila. Vale lembrar que já tivemos quase 1.000 leitos de Covid-19 funcionando.

Esses pacientes em fila são pessoas anônimas, gente comum que não tem bons contatos, nem plano de saúde. Retratam o Brasil como ele é e denunciam com o rsico de suas vidas o que valem no nosso arremedo de democracia.

A suposta volta da Covid-19 a níveis endêmicos e a tranquilidade relativa que isso gera, vai de par com a sua banalização e com o fato de que, para a tranquilidade dos não anônimos, vai se tornando, ela também, uma doença, cuja falta de leitos, atinge os mais pobres dentre os pobres. Mas, é bom nunca esquecermos, o nosso SUS continua sendo um direito de todos e um dever do Estado.

O gráfico acima mostra o tempo de internamento médio dos pacientes clínicos e críticos, conforme a faixa etária, donde podemos concluir que o internamento médio gira em torno de oito dias, sobretudo considerando que o maior volume de pacientes advém das faixas etárias mais idosas que passam menos tempo internados (porque morrem mais).

Porém, o número de leitos necessários no período dos últimos dez dias, conforme a demanda de leitos de cerca de vinte pacientes na média móvel, deveria estar situado em torno de 160 e não nos 116 que encontramos. Há portanto, cerca de 44 pacientes potenciais que nem estão internados, nem em fila. Esse quantitativo pode ser explicado, provavelmente por: (a) óbitos, cerca de 20 no período e (b) internamentos eventualmente ocorridos em pequenos e médios hospitais municipais em todo o estado que, na falta de leitos especializados, podem também ter tratado a Covid dos seus munícipes em leitos gerais.

            3. Prognóstico

É sempre difícil em epidemiologia fazer previsões, porém estamos habituados a uma sazonalidade da Covid-19 que vem se estabelecendo para o RN com repiques que a grosso modo começam em janeiro e alcançam o seu pico em maio ou junho, para submergir, normalmente até novembro/dezembro.

O pico atual é atípico em relação a um comportamento até aqui conhecido. Vale destacar que no próximo número da Revista Diálogos em Saúde Pública da Escola de Saúde Pública do RN, teremos publicado um artigo mostrando, com números bastante significantes, a sazonalidade para a Covid-19 na região metropolitana de Natal no ano de 2021.

Ora, se essa sazonalidade for confirmada, que realidade teremos a partir de janeiro de 2023? Uma atenuação da flutuação sazonal em decorrência da "antecipação" de novembro/dezembro de 2022 que poderia ter tido papel imunizador de susceptíveis e minimizar o repique anunciado de janeiro? Ou o ciclo sazonal habitual previsível, possivelmente pior do que o "soluço" (vide o primeiro gráfico) de novembro/dezembro de 2022?

As duas hipóteses são válidas, mas a Saúde Pública deve sempre, e por dever de ofício, trabalhar com o pior cenário, o que significa estar efetivamente pronta para a necessidade, talvez surpreendente para muitos, de ter que abrir mais leitos do que os poucos e insuficientes que foram reabertos atualmente e que vem deixando dezenas de potiguares (pobres e anônimos) na fila.

Recomendaria às gestões do SUS, estado e municípios, sobretudo os maiores, (Natal, Mossoró, Parnamirim, Caicó e outros que também internaram) que se entendam e se preparem para a necessidade de ter que abrir pelo menos algo como 300 leitos para um repique mais do que anunciado e com data marcada para o primeiro trimestre de 2023. Aos negacionistas vale observar que essa estimativa é muito inferior aos mais de 1.000 leitos que tivemos em picos passados, o que se deve à vacinação Nos níveis em que a temos e que precisa ser ampliada.

- Gestores: ajudem àqueles que têm os pés descalços para que não tenham a fila da morte como destino.

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