Um poder Judiciário contra a vida 
Natal, RN 29 de mar 2024

Um poder Judiciário contra a vida 

2 de agosto de 2018
Um poder Judiciário contra a vida 

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O poder Judiciário brasileiro não se cansa de chocar a sociedade. Não bastassem inúmeros episódios de puro arbítrio, onde o conceito de Justiça é uma utopia distante, dia a dia somos chamados a acompanhar, mais e mais abusos de um poder que há muito está em descrédito na sociedade pela maneira como tem se portado, levando o cidadão comum à absoluta descrença em relação a ética e o potencial de fazer justiça de fato do nosso Judiciário. 

O momento mais dantesco foi sem dúvida a querela jurídica que expôs o judiciário brasileiro ao ridículo em escala global, por ocasião do habeas corpus do ex-presidente Lula, concedido por um Juiz de segunda instância e negado por um juiz de primeira instância, num claro ato de desrespeito não só ao próprio conceito de justiça, como à própria hierarquia do Judiciário. Poderia citar inúmeros outros episódios, como o caso no Paraná, onde um juiz se negou a julgar uma ação de um trabalhador rural  alegando que o mesmo usava sandálias estilo alpercatas que não condiziam com “dignidade do poder judiciário” (cada vez mais constatamos que o conceito de dignidade esta muito longe do judiciário brasileiro). Poderia citar os absurdos posicionamentos da desembargadora carioca Marília Castro Neves, que usa suas contas nas redes sociais para incitar crimes de ódio com a segurança de estar falando do alto de uma posição absolutamente imune de quaisquer represálias. Tal senhora já veio a publico pedir o fuzilamento de um deputado federal (Jean Willys), já ofendeu de maneira tão gratuita quanto bizarra a pedagoga e professora potiguar Débora Seabra devido ao fato desta última ser portadora da síndrome de dowm o que, no entender da magistrada, inabilitaria a moça a ser auxiliar de professora de pré-escola em renomada escola de Natal. Nas palavras de Marilia: “O que uma mulher dessa pode ensinar”? Debora, numa linda lição de cidadania, respondeu com muita dignidade em carta aberta que poderia ensinar o principal: o respeito. 

Poderia citar ainda inúmeras decisões polêmicas do próprio STF, quantas e quantas vezes soltando políticos corruptos, assassinos confessos, e mantendo presos, sem atentar para o princípio da insignificância, pessoas pobres, comuns, por roubos e furtos de menor gravidade, seja pelos valores em questão, seja ignorando que muitas vezes tratava-se de furtos onde os réus visavam basicamente se alimentar, dadas as suas terríveis condições sócio-econômicas de existência. 

Hoje, no entanto, vim falar daquele que é considerado, proporcionalmente falando, o poder judiciário mais caro e menos eficiente do Brasil: o potiguar. Inspirado nos seus congêneres de outros estados, a Justiça do RN decidiu que quem manda aqui é ela, mesmo passando por cima do bom senso, e de autorizações de outros órgão públicos do Estado como a Semsur por exemplo. De maneira criminosa se procedeu uma retirada de dez arvores (todas com mais de 50 anos de idade, nenhuma comprometida em risco de queda de acordo com relatório de engenheiros agrônomos da própria Semsur) que faziam uma maravilhosa sombra para os caminhantes aqui no bairro onde vivo (Potilândia), que abriga uma das sedes do nosso judiciário, às margens da conhecida avenida capitão Mor Gouveia. 

Para além do já citado, que as árvores de acordo com estudo do órgão publico responsável  eram todas saudáveis, além da sombra que é uma obviedade (quem não gosta de caminhar na sombra? Quem não gosta de estacionar na sombra de uma árvore e voltar e seu carro não estar uma sauna?), existem outros fatores ambientais gravíssimos em jogo aqui, e que o poder Judiciário do RN solenemente ignorou, mas que essa colunista apurou junto a moradores do bairro (indignados com a criminosa poda) e com ecólogos e biólogos da UFRN.  

Estima-se que cada uma das 10 arvores retiradas (ao todo um conjunto de três intervenções no espaço de um mês, sempre realizadas em fins de semana, por que será?) drenavam cerca de 100 litros de agua do solo por dia, (revertidos em oxigênio para a atmosfera) contribuindo portanto com a drenagem do bairro. Aos que acham que isso não tem importância, gostaria de lembrar que o nome do bairro em questão é Lagoa Nova, trata-se portanto de uma região que originalmente constituía-se de dunnas, lagoas e igarapés, uma área portanto sujeita a alagamentos, onde nem mesmo a existência de várias lagoas de captação no entorno da região podem deter as inundações quando os volumes hídricos se excedem, ou seja: além de estúpida, arbitrária, a ação de retirada dessas arvores foi uma inconsequência urbanística enorme quando se leva em consideração a geografia e a história pregressa de alagamentos num bairro que leva no próprio nome a condição de ser “alagável”. 

Se tudo isso não bastasse, pra mim o mais grave de tudo é pensar na quantidade de animais que foram brutalmente desalojados de seus lares. Sim, uso o conceito de Lar. Quantas iguanas, quantos saguis, quantos pássaros de toda ordem, tiveram suas vidas  comprometidas por tal ato irresponsável de puro arbítrio? E para os que são insensíveis ao apelo da vida  dos animais silvestres, gostaria de lembrá-los que tais animais tem importantíssima função na manutenção do equilíbrio ambiental do lugar, uma vez que predam outros pequenos animais como pernilongos, baratas, ratos e demais pragas urbanas que agora podem proliferar com mais sucesso, visto que boa parte da população dos seus predadores foi morta, desalojada e expulsa.  

Então, moradores de Potilândia, resta-nos (diante da inércia total do conselho comunitário local) denunciar tais atos arbitrários na esperança de que não prossigam com as podas (visto que de acordo com o apurado, o plano é retirar mais 18 arvores elevando o tamanho do crime para 28 arvores assassinadas), do contrário nos preparemos, pois estamos agora sujeitos  a mais alagamentos, mais pragas urbanas e menos sensação térmica agradável, pois além de tudo já citado, a retirada de tais arvores comprometeu de maneira indelével o micro clima da região, contribuindo para o aumento da sensação de calor em todo o entorno da Mor Gouveia (rota utilizada por muitos estudantes para irem caminhando para a Universidade, bem como por idosos e cidadãos em geral para realizar seus exercícios e caminhadas, que agora o façam sob sol) 

Com tanto criminoso do colarinho branco para ser julgado, com tanta injustiça grassando nesse Estado e nesse pais, o Judiciário potiguar decidiu que sua prioridade é declarar guerra à natureza. Triste retrato de um Judiciário que há muito desconhece seu próprio papel na sociedade: servir, sim, é função de todo poder público (executivo, legislativo, judiciário, federal, estadual ou municipal) servir a sociedade da melhor maneira, e não postar-se contra ela, arbitrariamente executando as vontades, muitas vezes absolutamente pessoais dos seus integrantes, bêbados de vaidade e egocentrismo do seu poder, passando por cima da vontade do povo, dos demais órgãos competentes, do bom senso, da natureza, para executar uma obra cujo único valor que agregou ao prédio do Judiciário foi estético. Fica aqui todo meu repúdio, todo meu desprezo  em relação a tal episódio e minha denúncia, em nome de dezenas de moradores do bairro sobre tão trágico e terrível acontecimento. Salvem as árvores de Potilândia, de Natal, do mundo... 

Leia outros textos da historiadora Leilane Assunção na agência Saiba Mais aqui

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