Sem Cuba no Mais Médicos quase 500 mil potiguares ficarão sem cobertura médica
Natal, RN 16 de abr 2024

Sem Cuba no Mais Médicos quase 500 mil potiguares ficarão sem cobertura médica

15 de novembro de 2018
Sem Cuba no Mais Médicos quase 500 mil potiguares ficarão sem cobertura médica

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A rede pública de Saúde no município de Bodó, interior do Rio Grande do Norte, conta apenas com uma médica. Ela é cubana e terá que deixar desassistidos os mais de 2 mil habitantes do município após o anúncio, na quarta-feira (14), da saída de Cuba do Programa Mais Médicos, criado em 2013. A estimativa é de que os 142 médicos vindos da ilha para o Estado cobrem áreas que somam 489.900 pessoas, em média.

O cálculo, sugerido pela Sesap, é resultado de uma média da população assistida por cada profissional e depende de particularidades de cada município, como a realidade socioeconômica e condições sanitárias. O Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) estimou que 29 milhões de brasileiros ficarão sem assistência médica.

Os cooperados integram a Estratégia de Saúde da Família, desenvolvendo processos de trabalho nas áreas de promoção da saúde e prevenção de doenças e agravos sensíveis à atenção básica, bem como cuidados em saúde mental (desmedicalizando, inclusive) e reabilitação com apoio dos Núcleos de Apoio ao Saúde da Família.

Procuram atuar no manejo das doenças e condições crônicas, em práticas que valorizam mudanças de estilos de vida e de autocuidado. Estão perto das comunidades e criam laços com elas.

Essas equipes contam com médico, enfermeiro, técnico de enfermagem e agentes comunitários de saúde no território. Cada grupo de profissionais atende entre 2 mil e 3.500 pessoas. Em territórios com maior vulnerabilidade social – com extrema pobreza, doenças crônicas, muitos idosos – recomenda-se uma equipe para até 2 mil pessoas.

A subcoordenadora de Ações de Saúde-SUAS/CPS/Sesap e coordenadora da Comissão do Mais Médicos no RN, Ivana Fernandes, explicou que a assistência deve estar presente em todo o território dos municípios. As maiores cidades – Natal, Mossoró e Parnamirim – ainda não têm 100% de cobertura. E outras cidades ficam com equipes incompletas por algum período, entre a saída de um profissional e nova contratação.

“Natal tem uma grande área de vazio. Tem 37% da atenção básica. Sobretudo no modelo prioritário que é Estratégia de Saúde da Família, onde o Mais Médicos atua”, disse Ivana.

Na capital, são 60 profissionais do Mais Médicos cobrindo área de 207 mil habitantes, mas apenas um deles é cubano. Ele atende na Unidade de Santarém. “É lamentável que os médicos cooperados cubanos deixem o Brasil”, comentou a coordenadora geral da Estratégia de Saúde da Família da Secretaria Municipal de Saúde, Marliete Fernandes Duarte.

Os cubanos representam 50% da equipe do Mais Médicos no Estado. Ao todo, o Rio Grande do Norte tem 323 vagas a serem preenchidas pelo programa, das quais 282 estão ocupadas. Desse número, 105 são brasileiros (CRM Brasil); 35, brasileiros formados fora do país ou estrangeiros (intercambistas individuais) e 142 cubanos (cooperados), distribuídos em 101 municípios, nas 8 regiões de saúde. De acordo com a Sesap, dos 66 municípios que não aderiram até o momento, 24 manifestaram interesse.

Veja na tabela:

A Secretaria ressalta que desde o mês de junho aguarda que o Ministério da Saúde publique edital para a reposição das 41 vagas que estão abertas.

Dados publicados na quarta-feira (14) pelo Ministério indicam que atualmente são 8.332 profissionais cubanos em todo o Brasil e que 301 deles estão em distritos indígenas, onde os brasileiros geralmente não querem trabalhar.

Saiba Mais: Médico cubano custa menos da metade que brasileiro no interior do RN

Lugares vulneráveis serão mais prejudicados

Uma das intenções do programa é levar os formados em Medicina para áreas de difícil fixação de profissionais. De acordo com a Secretaria de Saúde do RN, o impacto da retirada de médicos reforçará os vazios existentes, sobretudo nos lugares mais pobres e distantes dos grandes centros.

“Geralmente os profissionais querem trabalhar mais perto da capital. Eles não querem ir para o interior onde estarão distanciados de oportunidades de lazer e onde às vezes não podem se vincular a outros serviços nos finais de semana, em plantões”, disse Ivana Fernandes, explicando ainda que há um problema que não é inerente ao Mais Médicos.

De acordo com ela, municípios de maior porte do RN também enfrentam dificuldades quanto à fixação dos médicos.
“Em Mossoró aprovados em processo seletivo estão assinando termo abrindo mão da vaga. Essa é a realidade dos gestores. Eles não conseguem completar as equipes porque os profissionais, especialmente os médicos, não querem trabalhar 40 horas semanais na atenção básica, alegando que os salários são pouco atrativos”, disse.

Edital de junho de 2018 em Mossoró oferecia R$ 4.450, enquanto o projeto de contratação no Mais Médicos oferece bolsas de R$ 10 mil. Se o médico não tiver residência no município, o selecionado ainda recebe pecúnia para alimentação e moradia, que pode chegar a R$ 2.500. Os municípios cadastrados tiveram de criar leis para garantir o pagamento dessa indenização.

Os cubanos têm um regime de negociação diferente intermediado pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas). O Brasil nunca negociou diretamente com Cuba nesse caso.

Ivana negou a afirmação de Bolsonaro de que Cuba não quer dar o direito de que os profissionais tragam suas famílias. “Cuba não tem interesse de que seus médicos se fixem no Brasil porque o trabalho é considerado missão. Eles acumulam missões ao redor do mundo. Eles são missionários por três anos no Mais Médicos, sem poder prorrogar esse prazo”.

A representante explicou ainda que na missão brasileira eles cursam uma especialização em Medicina de Saúde da Família e não podem dar plantão em hospitais, UPAs ou Capes. Aos intercambistas individuais (brasileiros formados no exterior e estrangeiros) é dada a possibilidade de se submeterem ao Revalida (Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos por Instituições de Educação Superior Estrangeira), para poderem atuar em outros níveis de complexidade do SUS.

“Cubanos estão em quaisquer lugares do mundo onde haja necessidade de sua presença porque se trata de uma missão humanitária. Eles vieram para o Brasil, porque os prefeitos municipais foram em marcha à Brasília [campanha “Cadê o Médico?”], em 2013, pedir apoio ao Governo Federal para resolver o problema da não fixação de médicos nas equipes de atenção básica. Foi aí que nasceu o Mais Médicos que, prioritariamente, sempre abriu vagas para brasileiros. E agora? Será que os médicos formados no RN (e no Brasil) vão assumir esses vazios?”, questiona a coordenadora Ivana Fernandes.

Reação
O Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) e a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) emitiram nota lamentando a interrupção do convênio. “A rescisão repentina desses contratos aponta para um cenário desastroso em, pelo menos, 3.243 municípios”, afirmam.

A nota destaca ainda que os profissionais são amplamente aprovados pelos usuários e que 85% afirmam que a assistência em saúde melhorou com o programa.

O Conasems e a FNP pediram a revisão do posicionamento do Governo recém-eleito e alertaram para “iminentes e irreparáveis prejuízos à saúde da população”, inclusive para a parcela que não é atendida pelo Mais Médicos. “O cancelamento abrupto dos contratos em vigor representará perda cruel para toda a população, especialmente para os mais pobres”, disse.

A nota divulgada individualmente pelo Cosems/SP reivindicou que o Governo Brasileiro, através dos Ministérios da Saúde, da Educação e das Relações Exteriores, com o apoio da OPAS, “tome todas as medidas necessárias para evitar a decisão do Governo Cubano de não continuar participando do Programa”. O estado de São Paulo perderá 1.420 desses profissionais.

A interrupção do convênio

Cuba decidiu deixar o programa Mais Médicos no Brasil e citou "referências diretas, depreciativas e ameaçadoras" feitas pelo presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) à presença dos médicos cubanos no Brasil.

Após o anúncio, Bolsonaro declarou que "não temos comprovação de que eles são médicos mesmo e que estão preparados para atuar", o que não é verdade. Embora os médicos não precisem passar pelo Revalida, todos os participantes são formados cursaram Medicina em seus países de origem e precisam comprovar a formação.

O presidente eleito afirmou que daria satisfações em janeiro “para as pessoas que vão ficar desatendidas", sem detalhar como será solucionada a saída dos médicos.

Como ele ainda não está no poder, o Ministério da Saúde se antecipou e lançou nota informando que a primeira medida será a convocação nos próximos dias de um edital para os que queiram ocupar as vagas que serão deixadas pelos profissionais cubanos. Será respeitada a convocação prioritária dos candidatos brasileiros formados no Brasil seguida de brasileiros formados no exterior.

Outras medidas para ampliar a participação de brasileiros vinham sendo estudadas pelo órgão, como a negociação com os alunos formados através do FIES (Programa de Financiamento Estudantil). Admitiu que essas ações poderão ser adotadas a depender da a equipe de transição do governo.

O Ministério também informou que desde 2016 vinha trabalhando na diminuição de médicos cubanos no programa. Até aquela data, cerca de 11.400 profissionais de Cuba trabalhavam no Mais Médicos. Agora, 8.332 das 18.240 vagas do programa estão ocupadas por eles.

Isso acontece porque o programa atuava em duas frentes: a primeira, emergencial, com a vinda dos médicos estrangeiros; a segunda, como expansão da formação médica.

O Rio Grande do Norte recebeu dois: na Ufersa e na UFRN (Multicampi de Caicó). Este último com um modelo de formação que coloca os futuros profissionais em contato com a comunidade desde a graduação.

“O Mais Médicos é muito maior do que se pensa. Foi pensado para que até 2022 não precisássemos mais da cooperação. Tivéssemos novos médicos formados suficientes. O projeto não era pra vida toda era pra enquanto a gente formava nossos médicos fosse trabalhando com a cooperação.

De acordo com o Ministério da Saúde, a cobertura da saúde pública saiu de 23 milhões de brasileiros, em 2013, para 63 milhões de brasileiros no início de 2018.

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