Quando perguntado sobre a posição de Jair Bolsonaro em relação às condições de trabalho dos cubanos no Mais Médicos, José Miguel Rivaflecha, de 53 anos de idade, diz: “lógico que sou contrário. Sou cubano”. Miguel Rivaflecha cumpriu os três anos do contrato para prestar serviço no município de Caicó, Rio Grande do Norte, entre 2013 e 2016, e, para ele,são absurdas as declarações do presidente eleito sobre serem escravos os profissionais vindos da ilha.
“Acho um absurdo! Temos um contrato, com termos que lemos e aceitamos. Nunca me considerei um escravo, sou profissional, meu país me respeita”, advertiu o médico, informando que sua remuneração incluía salário e auxílio-moradia, além de motorista para levá-lo ao trabalho.
Com quase 30 anos de Medicina, José Miguel mora hoje em Natal. Voltou para o Brasil em setembro de 2017 para casar com a caicoense Dorineide.
“Eu a conheci logo que cheguei e me apaixonei perdidamente. Esse foi o motivo que me trouxe de volta pra esse país maravilhoso”, explicou o médico, que pretende passar pelo teste Revalida e exercer novamente a profissão no Brasil, talvez novamente pelo Mais Médicos, que também contrata profissionais de outras nacionalidades que passe pelo exame.
Essa foi a terceira missão de Miguel fora do seu país de origem. Antes, esteve em dois países de língua inglesa: Seychelles, na África (de 2001 a 2003), e em São Vicente das Granadinas, na região do Caribe (de 2009 a 2013).
“Tenho muito respeito pelo programa, acredito que seja um programa sério que tem como objetivo principal ajudar a população carente. Minha experiência foi de muito aprendizado, pois sempre que vamos para um país compartilhamos nossas experiências em Cuba com a do país em que atuamos”, contou, ressaltando que é também com respeito que avalia o governo de seu país.
Miguel quer continuar vivendo no Brasil, apesar de mostrar em sua fala bastante patriotismo e amor à terra natal.
“É meu país, meu povo, que passa por muitas dificuldades, mas sempre busca o melhor para nós. Ainda temos muito por fazer para que nosso povo tenha uma vida melhor, mas somos uma pátria unida, amamos até a morte”.
De acordo com o médico, o desligamento de Cuba do programa do governo brasileiro não surpreendeu os colegas, que estavam atentos à política brasileira. “Já era esperado, tendo em vista as declarações que o presidente eleito vinha dando durante a campanha”, revelou.
O Rio Grande do Norte vai perder 142 médicos cubanos após a decisão de Cuba em deixar o programa em razão das agressões e ameaças de Jair Bolsonaro, que anunciou que pretendia mudar regras do acordo entre os dois países a partir do próximo ano.
A estimativa é de que 500 mil potiguares sejam afetados de alguma forma pela ausência dos médicos cubanos. No Brasil, são aproximadamente 8.500 cubanos e cerca de 24 milhões de brasileiros atingidos.
O Ministério da Saúde lançou um edital esta semana para recompor o quadro de médicos do programa.
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Revalida
O Exame Nacional de Revalidação de Diplomas (Revalida) é uma prova criada pelos ministérios da Educação e da Saúde para reconhecimento de diplomas de medicina emitidos por instituições estrangeiras. Para atuar como médico no Brasil, o estudante formado no exterior precisa fazer o reconhecimento do seu diploma para solicitar ao conselho regional de medicina a autorização para trabalhar. A primeira edição do Revalida foi em 2010, como projeto piloto, e o exame tornou-se oficial a partir de 2011.
A prova referente a 2018 ainda não foi realizada devido a um atraso da segunda etapa do exame de 2017, que somente foi realizado nos dias 17 e 18 de novembro.
A maioria dos médicos que fazem o exame são brasileiros que fizeram a graduação em medicina fora do país. Considerando apenas os médicos estrangeiros, os cubanos representam a segunda nacionalidade com o maior número de aprovados no Revalida.
De acordo com o Inep, Cuba fica atrás apenas da Bolívia, que já teve 491 médicos aprovados no exame. Segundo os dados, a taxa de aprovação de Cuba no Revalida é de 28,8%, a sétima mais alta, superior inclusive que a de candidatos de naturalidade brasileira.
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