Editorial: Quem quer calar a voz do samba de rua?
Natal, RN 18 de abr 2024

Editorial: Quem quer calar a voz do samba de rua?

6 de agosto de 2019
Editorial: Quem quer calar a voz do samba de rua?

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A prefeitura de Natal notificou nesta semana o grupo “Batuque de um Povo” por poluição sonora e a já tradicional roda de samba realizada em frente ao bar de Nazaré, nas adjacências do Beco da Lama, está suspensa.

A decisão foi tomada pelos artistas em razão da multa que poderia ser cobrada em caso de descumprimento da ordem. Todos são músicos oriundos da periferia da cidade e têm no samba uma forma digna de completar a renda da família.

Essa não é a primeira vez que a secretaria municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Semurb) aciona o grupo. O curioso é que desde que nasceu, a roda de samba respeita, mesmo a contragosto do público, o limite do horário das 22h, exatamente para não perturbar o sono da vizinhança.

A festa realizada religiosamente às quintas-feiras na rua coronel Cascudo é atualmente uma das mais duradoura manifestações populares de Natal. Há quase 15 anos, um grupo de amigos decidiu se apresentar de graça e no meio da rua para uma plateia que inclui mulheres e homens trabalhadores, estudantes, aposentados, desempregados, ambulantes, boêmios, playboys, hippies, moradores de rua, mortadelas e coxinhas.

É a mais plural das festas urbanas periódicas da capital, realizadas no peito, na raça e sob as bênçãos da imagem do São Jorge acomodado sobre a mesa. A contrapartida dos músicos, além da alegria do povo, é tão somente o que o público deposita no chapéu que roda aquele trecho da via pública.

A suspensão do samba pelo “Batuque de um Povo” ganha contornos ainda mais humilhantes para a cidade. É que há uma semana quem circulou pela festa entre sorrisos e apertos de mão foi o prefeito da cidade Álvaro Dias, que tentará a reeleição em 2020, ao lado do secretário municipal de Cultura Dácio Galvão. Era a estreia do clip de um dos sambas do grupo anfitrião, produzido pelo projeto Som Sem Plugs.

A presença da dupla Álvaro/Dácio na roda de samba uma semana antes torna ainda mais inacreditável a notificação dos artistas pela Semurb. Das duas uma: ou foi engano de algum servidor público desinformado ou os níveis de cinismo dos gestores públicos de Natal ultrapassaram todos os limites. Natal não merece acreditar na segunda opção.

Até outro dia, a propaganda da prefeitura de Natal na televisão falava da revitalização do Beco da Lama. Artistas foram convocados para grafitar as paredes do espaço público, que ganhou novas cores, iluminação e vida.

Ao mesmo tempo, um edital recente lançado pela secretaria municipal de Cultura contemplou com apoio financeiro 23 projetos musicais para se apresentar no Centro Histórico, mas excluiu todos os grupos que atuam com choro e samba naquela região da cidade, entre eles “Encontro de sambas e choros com Debinha Ramos”, “Samba que te Quero samba”, “Choro do Caçuá” e “Batuque de um Povo”.

Nunca é demais lembrar que para pagar os cachês vultuosos às duplas sertanejas e bandas de forró que se apresentaram no São João realizado em junho, em Natal, o prefeito Álvaro Dias autorizou por decreto o remanejamento da verba do projeto de urbanização da comunidade do Maruim, periferia da Zona Leste de Natal.

A atual administração municipal pagou só de cachês para artistas nacionais que se apresentaram no carnaval e no São João de 2019 aproximadamente R$ 2,4 milhões. Todos os extratos foram publicados no Diário Oficial do Municipal e divulgados pela agência Saiba Mais. Há artistas da cidade que aguardam os cachês referente à apresentações realizadas em janeiro.

Existe um claro projeto excludente e elitista sendo colocado em prática há vários anos pela prefeitura de Natal – em sucessivas administrações - que não tem espaço as festas populares espontâneas criadas e levadas adiante por artistas que sonham com uma cidade mais inclusiva e menos injusta.

A raiva dessa gente é que o samba se fez profecia.

Porque agoniza, mas não morre jamais.

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