Gamboa do Jaguaribe: um resgate da cultura indígena na zona norte de Natal
Natal, RN 25 de abr 2024

Gamboa do Jaguaribe: um resgate da cultura indígena na zona norte de Natal

29 de janeiro de 2023
8min
Gamboa do Jaguaribe: um resgate da cultura indígena na zona norte de Natal

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Quem nasce no Rio Grande do Norte é potiguar, nome de um dos povos Tupis que habitava a região litorânea do Estado. Mas poucos potiguares entendem a origem da denominação. Resultado de um processo de apagamento da história e luta dos povos originários, a falta da Memória, da Verdade, da Justiça e da Reparação tem perpetuado um ciclo de violências às comunidades indígenas. Não à toa, o RN é o único estado do país a não ter nenhum território indígena legalmente reconhecido.

Mas este cenário de ameaça, agressão e discriminação encontra a resistência de 17 comunidades indígenas do Rio Grande do Norte, a exemplo de Gamboa do Jaguaribe. Trata-se de um sítio histórico e ecológico, localizado na Zona Norte de Natal, no bairro da Redinha. O espaço é um verdadeiro despir de estigmas, preconceitos, valores já arraigados e sentidos, num chamamento a experiências com a natureza e com a cultura indígena.

Oca feita com Capim Manimbu | Foto: Jana Sá

A comunidade se identifica como Potiguara, pois fica situada no braço do rio (gamboa) Potengi, que banha o bairro de Igapó. Antigamente chamado de Aldeia Velha, o local foi moradia dos índios potiguares, explica Iran Medeiros, idealizador do sítio histórico e ecológico. “Aqui viveu Potiguassu”, afirma.

Com intuito de manter viva e acessível aos potiguares a história dos povos nativos da região, o Gamboa do Jaguaribe era um ideia de Iran, que cresceu na região onde se localiza o sítio. Ele conta que comprou a área para preservar o bioma ameaçado pela especulação imobiliária, que causa a destruição da mata ciliar, e pela prática da carcinicultura, que coloca em risco o manguezal.

E dessa forma, há 15 anos, foi iniciado no local um processo de reflorestamento com espécies nativas da mata atlântica. No lugar de uma antiga plantação de caju, hoje são mais de 70 espécies de árvores, como pau-brasil, gobiraba e mutamba, além de 15 variedades de mamíferos, entre os quais guaxinim, raposa e cutia. Os viveiros de camarões inativos deram lugar a um lago e a cinco hectares de mangue, habitat de diversas espécies de peixes e crustáceos.

Um trabalho fruto de muito estudo, pesquisa, visita às ancestralidades, que busca preservar e divulgar a cultura dos povos indígenas, através dos seus hábitos, costumes, culinária, brincadeiras e idioma. Com ocas e trilha, a área, aberta para visitação, está incluída na oitava Zona de Proteção Ambiental de Natal, a qual corresponde a 3,1% do território da capital potiguar.

Identidade

À luta pelo reconhecimento de direitos fundamentais como direito à terra, à sua cultura, à saúde digna e educação que respeite suas especificidades, ganha espaço a busca dos povos indígenas pelo reconhecimento específico e apropriado da identidade. As violações contra os povos originários tem resquícios também na negação pelas comunidades de sua origem e levou o esquecimento a muitas gerações que hoje precisam retornar às suas ancestralidades para entender seu lugar no mundo.

Eu não sabia quem eu era, pra onde eu ia”, revela Fábio de Oliveira, coordenador de comunicação do Gamboa do Jaguaribe. Ele conta que a imersão no espaço aconteceu por meio de um documentário que produziu no sítio: “Guerreiros do Jaguaribe”. A aproximação com o lugar, os estudos e pesquisa para o filme o levaram a buscar seus antepassados. “Hoje me reconheço como indígena em contexto urbano, muito por meio desses estudos e dessa busca com os meus mais velhos”, disse Fábio, que é chamado pelo nome de guerrilha: Ta'angahara.

Pautas mais urgentes

No Rio Grande do Norte, as comunidades indígenas estão politicamente organizadas na luta por direitos garantidos na Constituição de 1988.

A demarcação de terras, estamos em 2023 e seguimos sem nenhuma terra demarcada; a cobrança por uma educação diferenciada; e por uma saúde diferenciada. Atualmente o povo do Rio Grande do Norte está desamparado no sentido de que não existe um secretaria de saúde indígena”, pontua Ta'angahara.

No caso da educação, ele revela que em todo o estado existem apenas cerca de três escolas (em Goianinha, João Câmara e Macaíba) que vão trazer dentro do seu cronograma e da sua ementa algumas particularidades em relação à educação tradicional.

São meios educativos, meios pedagógicos que vão trazer um retorno à língua, vão trazer questões envolvendo o contexto histórico de formação de um povo, de uma comunidade, de uma forma plural”, explica Ta'angahara.

A prática desses saberes tornou-se obrigatória nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio através da Lei nº 11.645, de 10 março de 2008. Mas a falta da efetividade do estudo da história e cultura indígena e afro-brasileira nas escolas brasileiras tem contribuído para a perpetuação de uma visão de mundo eurocêntrica, de preconceitos e estereótipos raciais e para uma atmosfera de intolerância cultural e religiosa, elementos nocivos para a unidade do Estado Brasileiro, que jurou combatê-los na Constituição e em tratados internacionais.

Turismo

O turismo vem ser uma ferramenta potente para dar visibilidade às nossas histórias, às nossas lutas, às nossas relações enquanto pertencente ao espaço geográfico”.

É assim que Ta'angahara define a abertura do espaço para visitação. A presença passa a ser uma maneira de oferecer à população local ou turistas um outro olhar à cultura indígena, diferente daquele que estereotipa os povos indígenas e os chamam de índio.

Braço do Rio Potengi (Gamboa) |Foto: Ana Beatriz de Sá

Ocupação da política

Nos últimos quatro anos, a violência contra os povos indígenas cresceu assustadoramente no Brasil, segundo o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), que acompanha os casos de violação de direitos. O relatório anual sobre violência contra povos indígenas aponta o aumento das invasões a terras indígenas (TIs): 305 ocorrências em 26 TIs, em 22 estados (2021), ante 263 ocorrências em 201 TIs, 19 estados (2020).

Isso porque, o governo Bolsonaro cumpriu o que prometeu: não realizou nenhuma demarcação de terra indígena, acirrou os ânimos de fazendeiros que se sentiram autorizados a empregar a violência, desmontou programas de saúde dos povos indígenas, estruturou a Funai para atender interesses privados, autorizou em discursos e políticas públicas o abandono e genocídio dos povos indígenas.

Diante dessa realidade, a participação indígena na política institucional brasileira prepara-se alcançou mais um marco histórico, após as eleições com a a ampliação da representatividade indígena no Congresso e a criação do Ministério dos Povos Originários. Antes mesmo de tomar posse, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou ter "obrigação moral, ética e política" de reparar danos causados aos povos indígenas no Brasil.

A expectativa é que nesse novo formato de gestão presidencial e desse novo ministério dos povos indígenas haja uma faísca de esperança para o reconhecimento de nossas identidades e territórios”, avalia Ta'angahara.

Denúncia

Enquanto fazíamos a reportagem da Agência Saiba Mais, presenciamos a continuiade das ameaças ao bioma com a prática da carcinicultura na oitava Zona de Proteção Ambiental de Natal. Uma área de mangue que vinha sendo recuperada com ações de plantio desde 2016 foi totalmente devastada para uma forma de negócio voltado para a criação de camarão em cativeiro. Apesar das denúncias protocoladas na plataforma do Ministério Público, as ações desmatamento realizada desde setembro do ano passado não sofreram interrupção.

Manguezal destruído para prática da carcinicultura | Foto: Jana Sá

Nossa equipe conversou com um pescador, morador da região desde 1988, que por questão de segurança terá sua identidade preservada.

“Eu pescava todo dia aqui, pegava isca, pegava ostra, pegava tudo aqui. Eles vieram e cortaram tudo, o mangue todo. Isso não existe, não é para cortar o mangue. O pescador vive disso aqui. Se cortar o mangue o pescador vai viver do quê?”, denuncia o trabalhador que vive da Camboa do Jaguaribe a décadas.

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