Guilherme Boulos: “Não faremos alianças nem governaremos com oligarquias”
Natal, RN 16 de abr 2024

Guilherme Boulos: “Não faremos alianças nem governaremos com oligarquias”

5 de julho de 2018
Guilherme Boulos: “Não faremos alianças nem governaremos com oligarquias”

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É impossível não lembrar de um certo ex-metalúrgico quando Guilherme Boulos pega o microfone e começa a defender suas ideias como pré-candidato à presidência da República. O discurso direto e didático, de linguagem simples, olhando nos olhos do público, falando de forma incisiva sem abrir mão do bom humor, lembrando às vezes um pastor, remete à figura de um Lula que ainda resiste ao tempo e no imaginário popular.

Há, no entanto, diferenças claras. Aos 36 anos de idade, o líder nacional do movimento dos trabalhadores Sem Teto e mais jovem concorrente ao Palácio do Planalto não faz concessões. Com frases de efeito, manda vários recados. Avisa, por exemplo, que, se eleito, não fará alianças nem governará com as oligarquias que ainda dominam o país, especialmente na região Nordeste, e que, pela primeira vez em 30 anos, vai colocar o PMDB na oposição.

- Esse programa (que defendemos) não pode cometer erros de repetir velhas práticas do Brasil. No nosso programa não cabe aliança com golpista nem com a direita.

O pau que bate na elite brasileira também bate em Jair Bolsonaro, segundo colocado nas pesquisas de intenção de voto até o momento:

- Bolsonaro foge de todos os debates, não quis debater comigo agora em Fortaleza. É uma amarelão, Bolsonaro é um cagão.

Guilherme Boulos passou voando por Natal. Com agenda intensa por todo o país, ficou pouco mais de seis horas na capital potiguar antes de seguir para João Pessoa. Encontrou com a militância do PSOL, do PCB e representantes indígenas das tribos Catu e Amarelão num primeiro momento, foi entrevistado em duas rádios e uma televisão local na hora do almoço e, por último, concedeu entrevista coletiva à imprensa em geral. Nem almoçou.

À militância fiel e à imprensa, o candidato do PSOL ressaltou mais de uma vez que fará uma campanha de pés no chão, sem grandes estruturas nem dinheiro de empreiteiras ou de empresas que exploram o agronegócio. De fato, enquanto esteve em Natal, o “motorista” de Boulos foi o professor, empresário e pré-candidato ao Governo do PSOL Carlos Alberto de Medeiros.

Durante a passagem de Guilherme Boulos por Natal, o PSOL aproveitou para apresentar os pré-candidatos da chapa majoritária que tem Carlos Alberto de Medeiros (governador) e Aparecida Dantas (vice), além de Laílson Almeida e Thelma Gurgel, ambos pré-candidatos ao Senado.

Primeiro encontro em Natal (RN) foi com militância do PSOL, PCB e representantes de tribos indígenas no RN

Guilherme Boulos defende uma renovação de nomes e também de sobrenomes na política brasileira. E volta a mirar em oligarquias, citando nominalmente Alves e Maias do Rio Grande do Norte, Sarney do Maranhão, Barbalho do Pará e Magalhães da Bahia.

- São pessoas que representam o atraso, gente que se acha dona da política, gente que se acha dona da consciência popular. Gente que ainda acredita que pode tratar o povo como gado, ficar negociando água em troca de voto e prática clientelista. Temos que tirar essas pessoas da política. Henrique Eduardo Alves, os Maia, toda essa turma dos vários sobrenomes oligárquicos do RN e do Brasil. Estamos falando também do Sarney no Maranhão, do Jader Barbalho no Pará, do ACM na Bahia. Estamos falando do enfrentamento do conjunto das oligarquias que ainda tem força nesse país. A política que defendemos e o que vamos fazer no Brasil é tirar essas oligarquias do poder. Não queremos aliança com eles, não queremos governar com eles. Eles são adversários nossos e do Brasil.

No encontro com a militância, Boulos falou por quase 20 minutos como um líder popular. Lembrou da diversidade de apoios que vem arregimentando nos movimentos sociais, a exemplos de setores específicos como o de negros, LGBTs, mulheres, trabalhadores que lutam por moradia e indígenas, destacou a luta em defesa da democracia, atacou o Judiciário brasileiro e, como tem feito por todo o país, defendeu a liberdade do ex-presidente Lula.

- Setores do judiciário resolveram fazer política, resolveram intervir no processo eleitoral. A prisão do Lula é política, está claro, foi feita de forma arbitrária, sem provas. As diferenças que temos com o PT e com Lula são claras. Eu mesmo já disse ao Lula pessoalmente várias vezes. Mas diferença política não pode fazer a gente ser conivente com injustiça.

Ao atacar a elite econômica brasileira e defender a democracia, Guilherme Boulos vai além do modelo democrático institucional do país. Lembra, por exemplo, que a democracia à brasileira nunca atravessou a ponte em direção à periferia. Reforça que nosso modelo sempre foi limitado ainda que conquistado por meio de lutas sociais. E destacou que essa relação passa por uma distribuição de renda mais justa:

- Não existe democracia política quando não há democracia econômica.

Sem concessões a partidos de centro-direita, o PSOL de Guilherme Boulos e da indígena Sônia Guajajara fechou aliança com o Partido Comunista Brasileiro (PCB), que em 2014 lançou o nome do professor e historiador Mauro Iasi à presidência da República, e tem o apoio do coletivo Mídia Ninja, que vem fazendo a cobertura da campanha do PSOL nas redes sociais. Até o momento, oscila entre 1% e 2% nas pesquisas de intenção de voto. Mas isso não parece preocupá-lo.

Durante coletiva de imprensa, na sede do PSOL, Boulos falou sobre propostas de Governo

Questionado sobre o modelo de comunicação empresarial do país, onde menos de 10 empresas detém o monopólio do conteúdo que chega à maioria das famílias brasileiras, Boulos afirmou que fará valer o que já está previsto na Constituição de 1988 e que as iniciativas de mídia livre no país são, na prática, a democratização do acesso à comunicação no Brasil:

- É inaceitável que meia dúzia de famílias comandem empresas e determinem o que o povo vai ouvir. Vamos fazer a Constituição ser cumprida. A Constituição de 1988 diz que não pode ter monopólio de comunicação, mas tem. A Constituição também diz que político não pode ter veiculo de comunicação, mas tem aqui no Rio Grande do Norte e em outros lugares do país. O Sarney é dono da globo no Maranhão, o Collor é dono da Globo e Alagoas, o ACM neto é dono da Globo na Bahia. Precisamos democratizar a comunicação. E as iniciativas de mídia livre são a democratização da comunicação na prática. Valorizamos todas as iniciativas, sejam em redes sociais ou em rádios comunitárias. Aliás, é um absurdo que rádios comunitárias ainda sejam perseguidas pela Polícia Federal. No meu governo, vamos regulamentar as rádios comunitárias. O acesso à comunicação não pode ser monopólio. A Mídia Ninja faz parte dessa campanha, tem feito um trabalho extraordinário é hoje é uma potência de rede para enfrentar os grupos de direitas. É possível fazer de outro jeito, uma comunicação autêntica, popular e democrática.

Propostas: plebiscito para revogar retrocessos, investimento em obras, Segurança e ministério com 50% de mulheres

Simples, didático e carismático: Guilherme Boulos se firma como liderança popular no país

Num eventual governo Boulos, a população brasileira será convocada dia 1º de janeiro de 2019 para um plebiscito. Segundo o pré-candidato pelo PSOL, o povo vai decidir sobre reforma trabalhista, PEC do Teto dos Gastos, direito de exploração do Pré-sal por empresas internacionais e até sobre uma possível reforma da Previdência.

O plebiscito popular foi o primeiro compromisso assumido por Guilherme Boulos na pré-campanha. Durante a coletiva de imprensa, o líder do movimento dos trabalhadores Sem Teto também foi questionado sobre propostas para reduzir o desemprego, a carga tributária, segurança pública e políticas em defesa das mulheres.

De pronto, avisou que em seu governo, metade do ministério será formado por mulheres. Confira um resumo do que Guilherme Boulos afirmou sobre cada tema:

Contra o desemprego, mais investimento público

"Nenhum país do mundo saiu de crise sem investimento público. Vamos fazer investimento público em infraestrutura, moradia, e criar um programa emergencial de obras públicas para a retomada do crescimento no Brasil. É o que Recupera renda e emprego dos trabalhadores. Também vamos retomar a política de valorização do salário mínimo para dar renda para o nosso povo. Se vendeu a ideia de que era preciso cortar. Mas quando o Estado corta e deixa de investir, aumenta o desemprego. (E a gente sabe que) desempregado, o povo consome menos e a arrecadação vai diminuir"

Reforma tributária progressiva

"Existe reforma tributária e deforma tributária. A que está no Congresso não mexe nos pontos fundamentais. O ponto fundamental é que temos um sistema tributário regressivo. Quem tem menos, paga mais; e quem tem mais, paga menos. Temos que simplificar o sistema tributário. Há uma série de debates nesse sentido. O centro dessa discussão é a progressividade.

O que está posto para a sociedade é quem vai pagar a conta do investimento público. Quem pagou até aqui foram os mais pobres e a classe média com imposto sobre consumo. 49,7% de toda a arrecadação tributária no Brasil é sobre consumo. Apenas 21% sobre renda. E isso é um absurdo.

No nosso programa vamos propor o aumento de alíquota de imposto sobre grandes heranças (hoje a alíquota máxima é de 8%, enquanto nos EUA é de 40%). A taxação de grandes fortunas que está na Constituição também será implementada no nosso Governo".

Segurança Pública: prevenção e inteligência

"O modelo de segurança pública no Brasil está falido: é caro, violento e ineficaz. As polícias estão entre as que mais matam e morrem no mundo. E tem um alvo: a juventude negra, 70% da letalidade policial no Brasil é de jovens negros. O sistema de segurança apostou na violência. Faz 30 anos que se faz isso, mas só aumentou a violência. O Brasil tem mais homicídio que a Síria. A população carcerária duplicou o número de presos em 10 anos e ninguém está se sentindo mais seguro. A política de prender, matar e reprimir fracassou.

Vamos mudar o modelo de segurança pública implementando o ciclo completo. A PEC 51, que está engavetada no Congresso Nacional, prevê a desmilitarização das polícias. Vamos ter uma única polícia ostensiva, preventiva, investigativa e judiciária com dois focos: prevenção e inteligência.

Não queremos construir presídios, queremos construir escolas. O governador de vocês que disse que ia resolver a Segurança Pública aprofundou o fechamento de escolas, com 91 mil jovens que deixaram a escola no último período. Desse jeito, é obvio que o problema de segurança vai se agravar.

Não vamos dar ao jovem sua primeira arma, vamos mas dar a ele o primeiro emprego". 

Mulheres: nenhum tema será tabu

"Vamos colocar na pauta nacional o debate sobre o direito ao aborto no Brasil. Hoje morrem 4 mulheres por dia em média no país em decorrência de abortos feitos de maneira precária, em geral mulheres pobres e negras porque as ricas fazem em clínica especializada. Respeitamos a crença religiosa das pessoas, mas ninguém pode impedir de colocar esse tema na pauta. Uma mulher não pode ser criminalizada por fazer aborto.

Outro ponto: o Brasil é o quinto país em violência contra a mulher. Vamos criar políticas públicas. Vamos alterar a base curricular para discutir gênero nas escolas. No nosso Governo nada será tabu. Além de toda uma rede de assistência que precisa ser financiada. É um absurdo você ter uma lei como a Maria da Penha e não ter um fundo para financiar ações. Então vamos criar um fundo para realizar ações de combate ao machismo e pelo direito de defesa das mulheres.

E faremos como o presidente eleito do México Lopes Labrador: metade do nosso ministério será composto de mulheres".

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