Ignorância e benção
Natal, RN 25 de abr 2024

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3 de janeiro de 2019
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Xangô, catimbó, macumba…

Quantas vezes na vida você, caro leitor ou cara leitora, utilizou algum termo como esses ou mesmo algum semelhante a esses quando foi falar sobre religiões de matriz africana? E quantas vezes parou para pensar que tais palavras e, principalmente, as maneiras como elas são empregadas reforçam o preconceito e a perseguição a essas religiões e seus praticantes?

Para ajudar no argumento e aproximar a história de nós, resgato aqui uma pequena nota publicada no extinto Diário de Natal no dia 15 de março de 1956 (nem faz tanto tempo assim, não é mesmo?). Com o título “Xangô e macumba nas Quintas”, o texto de quatro parágrafos registra de forma longe de ser minimamente respeitosa a ocorrência de cerimônias religiosas no bairro hoje localizado na Zona Oeste de Natal.

O jornal chama as reuniões de “ritos bárbaros”, que seriam “encenados, em meio à geral promiscuidade” e seriam atos proibidos por lei. Assim, ainda conclama - e aqui está uma das chaves dessa discussão - que a “Polícia desse uma batida na região que indicamos, afim (sic) de constatar a veracidade do caso em tela, tomando as providências exigíveis”.

O Diário de Natal era, à época e por anos a fio, o veículo de comunicação mais poderoso desta província. Consagrava e “desconsagrava”, ao seu gosto. Para os leitores pouco afeitos à história do periódico, o Diário seria hoje quase que um Whatsapp com charme, um Facebook sem a conta bancária de Zuckerberg. Consequentemente, era também um importante instrumento a reverberar todo o pensamento dominante.

Perceba aqui comigo, amigo leitor e amiga leitora, o quanto de preconceito guarda essa pequena nota em um jornal de uma cidade que tinha pouco mais de 100 mil pessoas. Uma manifestação religiosa marginal, em um bairro popular, taxada de promíscua e ilegal/fora da lei, “denunciada” pelo principal veículo de comunicação da cidade. Já se imaginou no lugar destes praticantes da religião?

Vale aqui um adendo que a acusação de “crime” levada a cabo pelo jornal é apenas mais uma dose de preconceito e reflexo ainda do sistema de perseguição montado contra o povo preto após a abolição. O Código Penal vigente em 1956, que é o mesmo até hoje, já garantia a liberdade de culto a todo e qualquer brasileiro. No entanto, a religião de matriz africana era perseguida pelo poder estatal em todo o país sob a acusação de curandeirismo, esta sim uma prática criminalizada na lei. Pois religião mesmo só a trazida pelos colonizadores, o resto é promiscuidade, “xangô”, “macumba”, “catimbó”. E aí, vamos repensar esses termos?

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