Estive doente há umas semanas. Primeiro achei que fosse infartar. Mas, como não houve ataque fulminante, confiei, não era minha vez. Ainda que persistisse a dor no peito. Depois descobri na prática outras possíveis causas de meu padecimento.
Azia, esofagite, gastrite, e outros ias e ites. Um dia você é o rei do mundo. Invencível e intocável. Outro dia você chora por não conseguir comer uma batata insossa. De repente foi assim que me vi. Chamo de consciência das entranhas. É quando você percebe que há coisas ali, dentro de si. E que às vezes elas não funcionam lá muito bem.
Só queria comer uma batata. Ou como sempre falei a vida inteira no interior: batatinha. Veja, não é uma simples batata, nem uma batata inglesa para inglês ver, mas sim uma batatinha. Eu tinha até esquecido o quão bonitinho é esse nome dito assim. No conforto das pequenezas. Só uma batatinha. Nada mais.
Mesmo inha, mesmo diminuta, dói. O fato de nada ingerir esvazia até meus mais profundos pensamentos. Esvazia o estômago, desliga a mente. Deito em desconforto, sem energia. A boca seca e amarga como desconfio estar também por dentro. Durmo na certeza de que sou nada. Enquanto esse dia torna-se noite e depois vira nada.
Outro dia. Agora você é o rei do mundo simplesmente por comer uma batatinha. As entranhas operam em silêncio. No conforto de um banquete insosso e sem graça. Já não se fazem crises de azia como antigamente. Já os conflitos existenciais seguem seu curso normal.