Covid-19: aspectos éticos e assistenciais para a volta à normalidade
Natal, RN 19 de mar 2024

Covid-19: aspectos éticos e assistenciais para a volta à normalidade

19 de março de 2022
7min
Covid-19: aspectos éticos e assistenciais para a volta à normalidade

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Às vésperas de uma possível nova onda é estratégico ter critérios epidemiológicos claros capazes de dar suporte aos Executivos estaduais ou municipais que queiram se pautar pela ciência e freiar uma liberalização geral por demagogia que corre o risco de se generalizar.

As recentes decisões relacionadas à suspensão da obrigatoriedade do uso da máscara com base na redução do número de internamentos e óbitos, (mas não do número de casos novos que continua alto no Brasil), ilustram um problema para o qual a Saúde Pública deverá ter resposta definida pois a pressão para a tomada de medidas mais liberalizantes por parte de um Poder Público descolado das questões postas pela emergência sanitária e desconexas a um plano global de volta à normalidade serão crescentes e de difícil controle.

A definição de parâmetros mínimos da volta à normalidade é a única forma de dar à inteligência epidemiológica centralidade na tomada de decisões relativamente ao manejo da pandemia.

Os parâmetros estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde relacionados à taxa de ocupação de leitos críticos de 80% para a deflagração de medidas mais duras de Isolamento Social, tiveram imensa importância para a organização da oferta de serviços e para a mobilização e controle social no início da pandemia. Hoje, entretanto, voamos às cegas sem indicadores precisos de aterrissagem.

Sem querer ser terminativo, o presente texto se propõe a iniciar esse debate crucial para o manejo da pandemia em vista de posicionar esse manejo sob a égide da razão e de exigências clínicas e epidemiológicas capazes de assegurar padrões éticos e assistenciais mínimos e níveis suficientes de segurança sanitária para os próximos passos.

Disponibilidade de leitos hospitalares, logística e profissionais

Os números da Covid-19 no que se refere ao quantitativo de internamentos que ela produz e pode produzir vêm se mantendo dentro dos limites definidos pelas pesquisas que atestaram a eficácia das vacinas, o que permite estabelecer uma “disponibilidade” de susceptíveis para o adoecimento e com isso um horizonte de leitos necessários, conforme a população e a cobertura vacinal.

A explosão de casos da variante Ômicron em diversos países, por exemplo, não se acompanhou de um aumento proporcional dos internamentos em decorrência dessa cobertura vacinal deixando importantes registros do movimento hospitalar nesse contexto.

Isso significa que a sociedade passa a poder parametrizar, com boa margem de precisão, o número de leitos clínicos e de UTI que devem existir em permanência como retaguarda para repiques da Covid-19, o que passa a poder ser calculado em função dos níveis de cobertura vacinal e dos quantitativos populacionais. Quanto maior a cobertura menor a necessidade de leitos, índice cujo limite não é zero, mas a capacidade média de proteção dessas vacinas contra as formas graves.

Acrescente-se aos leitos a necessidade (definitiva ou de longo prazo) de existência de uma escala de profissionais que possam ser rapidamente mobilizáveis para o enfrentamento da pandemia, o que deverá também ser o caso para as linhas de suporte logístico.

A oferta de leitos hospitalares, profissionais e logística deverá atender um critério claramente definido para a volta à normalidade que deve ser parametrizado pela Saúde Pública.

Cobertura vacinal

Será necessária a definição da cobertura vacinal mínima para a volta à normalidade. Entre idosos a terceira dose em níveis de 90% já está próxima. Esse poderia, por exemplo, ser um parâmetro possível de ser adotado como meta tanto para a população idosa como para a população não idosa alvo para a terceira dose.

O não atingimento desse parâmetro, num dado estado ou país, implicaria na impossibilidade formal da autorização pelo Poder Público da suspensão do uso das máscaras em locais fechados.

Testagem

Deverá ser assegurada e facilitada a testagem universal para a Covid-19, com liquidez imediata viabilizando o bom manejo da clínica de cada paciente em nível individual, viabilizando, se for o caso, o acesso aos medicamentos atualmente comprovadamente eficazes para o tratamento da Covid-19.

Medicamentos

Atualmente alguns medicamentos vêm se mostrando eficazes no tratamento clínico da Covid-19 evitando as formas graves. É desnecessário citá-los, mas, diferentemente da Cloroquina ou Ivermectina, tais medicamentos contam com a chancela da Organização Mundial da Saúde.

No Sistema Único de Saúde, as doenças infecciosas endêmicas, e é o caso por exemplo da Tuberculose, da AIDS, ou da Sífilis, oferecem acesso universal ao tratamento medicamentoso com base num direito de cidadania.

Um critério incontornável de volta a normalidade será a oferta universal e simplificada desses novos medicamentos eficazes para quem adoeça de Covid-19 no contexto da liberalização das medidas de controle o que implica na disponibilização de orçamentos públicos suficientes para tanto e na organização das ações e políticas de saúde correspondentes.

Casos novos por cem mil

Algum parâmetro de incidência da doença deverá obrigatoriamente guiar qualquer proposta de volta à normalidade e deverá servir de parâmetro para os avanços e recuos que provavelmente serão necessários até que a pandemia fique para trás.

Outros

Outros elementos certamente poderão ser acrescentados a essa lista de necessidades, cabe a autoridade sanitária oficializá-los.

Atendidos o conjunto desses critérios, medidas como o uso facultativo das máscaras em locais fechados poderá ser discutida e adotada de forma mais segura e responsável. Nunca há e não haverá risco zero, mas o que assistimos hoje é uma tomada de decisão baseada no voluntarismo de gestores públicos que correm o risco, cada vez maior de se preocupar mais com os contextos eleitorais do que com os de Saúde Pública.

Se tivermos conduta ética e responsável, assegurando a todos os mesmos níveis de acesso ao diagnóstico, ao tratamento, ao internamento, e à reabilitação, poderemos admitir a factibilidade ética e assistencial da liberalização progressiva dos mecanismos de controle, que deverão, mesmo assim, estar sempre sujeitos a possíveis revisões a qualquer tempo.

Sem atender a esse conjunto de critérios, a volta a normalidade não será sustentável no plano clínico-epidemiológico, nem admissível do ponto de vista ético.

A volta a normalidade, para ser viável e justa, deverá ser uma construção coletiva baseada no compromisso do Poder Público e da sociedade e no respeito à ordem constitucional que prevê a saúde como um direito de todos e um dever do Estado.

Sob qualquer hipótese a volta à normalidade poderá ser entendida como aquele momento em que o Estado resolveu lavar as mãos e deixar os vulneráveis ao deus-dará.

As repetidas decretações de volta à normalidade e abandono do uso das máscaras em locais fechados por parte de diversos estados e municípios não estão assentadas em medidas globais de proteção à população e obviamente produzirão novos casos, internamentos e óbitos em pessoas que não terão tido o acesso à melhor tecnologia diagnóstica e terapêutica hoje disponível.

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