Na minha linha do tempo do Instagram passa como sugestão para eu ver uma dica, digamos, gastronômica: um estabelecimento em São Paulo que serve uma deliciosa pizza de… pudim. Sim, é isso mesmo, literalmente uma massa com mussarela com mini pudins em cima. Fiz o print como “prova do crime”. E mostrando essa bizarrice a pessoas queridas, recebi como resposta que isso está longe de ser tão, digamos, estranho. Existe Por aí pelos cardápios pizzas de goiabada, brigadeiro, prestígio, chocolate batom, isso sem falar das pizzas salgadas que já se tornaram “tradicionais” como sabores strogonoff, filé com fritas e “cachorro quente” (salsicha, batata palha e ovo de codorna”).
Solidarizo-me aos italianos puristas nessas heresias quanto ao preparo tradicional da pizza. Fazendo blague da frase clichê da direita “liberal na economia e conservador nos cosumes”, posso afirmar que sou “liberal nos costumes e conservador na culniária”. Morador de São Paulo na juventude me acostumei com as cantinas com apenas cinco ou seis sabores de pizza onde “catchup é um produto que não servimos nesta casa”, como falou um garçom a um jovem amigo mais afeito à comida de fast food (ou “bagana”) e pouco adentrado nas nuances gastronômicas. Na verdade, até hoje curto mesmo apenas três ou quatro sabores de pizza (calabresa, portuguesa, marguerita e palmito) e quando arrisco experimentar novidades é dentro de uma lógica culinária. Sei que cada um tem direito a ter seu gosto, mas, que me causa arranho uma criadora pedir pizza de banana, morango e leite condensado, causa. Não vou mentir.
Aí descubro que existe pelo Brasil todo, incluindo em Natal, o “sushi burguer” na qual o pão é substituído por massa de arroz frita e os ingredientes do recheio sendo kani, camarão, peixe branco e aum. Até aí , vamos lá, tudo bem. Mas descubro que clientes podem mediante 1 ou 2 reais acrescentar no sanduíche muçarela ou bacon. E que tem gente que – argh! – ainda coloca catchup e maionese no “sushi burguer”. Parece demais para mim.
Mas aí no fim de semana comentei sobre isso tudo em uma roda de amigos e amigas queridas. Uns riram, outros defenderam as bizarrices, uns terceiros não se importaram com o tema. Fiz um mea culpa e acabei confidenciando a um amigo que eu estava com a consciência culpada por pensar e falar em coisas tão banais. O amigo respondeu:
– Nada disso. Por termos agora um presidente que governa de verdade o país e nos fins de semana fica discretamente com a família em vez de alguém que fazia motociatas com um monte de machos desocupados e diariamente conspirava contra a democracia e insinuava um golpe militar, isso quando não falava palavrões ou atacava jornalistas mulheres, nós todos voltamos o direito que nos foi negado por quatro anos de falar de trivialidades. Ontem mesmo passei horas discutindo teorias sobre OVNIs e abduções por extraterrestres, coisa que eu passei anos sem fazer.
Verdade. Nos últimos quatro anos de governo de extrema-direita, nos era vedado pensar e conversar sobre temas banais, tínhamos de ficar alertas e tensos em tempo integral. Como falar sobre o tempo, os lírios do campo ou a morte da bezerra quando presidente e ministro da saúde nos negavam vacinas contra covid e cilindros de oxigênio? Ou ministra que sabotava o auxílio aos povos indígenas? Como fazer a mente se preocupar com o trivial enquanto os aliados do presidente nos enchiam de fake news e os filhos do presidente compravam mansões em dinheiro vivo?
Não que em quatro meses de governo Lula o Brasil tenha se tornado o paraíso terrestre. Nada disso. Apenas voltamos a ter um presidente que respeita a democracia e as instituições, logo, que faz com que o governo trabalhe e seja voltado para o bem estar da população. Com esse mecanismo em funcionamento voltamos a ter possibilidade de não mais temer a realização de golpes de estado nem retirada de direitos. Retornamos a poder pensar, escrever e postar sobre bobagens. Como por exemplo minha ojeriza a pizza de pudim. Que cada vez mais possamos perder tempo com coisas tolas, que, no final de conas, também fazem parte da vida. Pelo menos em uma democracia, num mundo de bem estar social e com uma vida de qualidade.