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Para Ministério Público, ala especial para transgêneros em presídios é "privilégio"
14 de março de 2018

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O promotor de Execução Penal de Natal, Antônio Carlos Lorenzetti, reforça que a Lei de Execução Penal de 1984 garante direitos iguais para todos, mas que existe outra lei dentro do sistema prisional. “Muita gente não reconhece, mas existe. Não vamos fechar os olhos para isso: lá dentro, são as regras deles”, enfatiza. Entretanto, ele acredita que criar alas e “privilégios” específicos para a comunidade transgênero não é correto.
“O que existe de pior para o sistema é criar privilégios para uns em detrimento de outros. Quando você coloca um em uma cela só para ele, cria um desequilíbrio muito grave dentro do sistema. O preso comum vai dizer: o que eu tenho com isso que ele é transexual?”, destaca. Na visão do promotor, é preciso mudar o regulamento das penitenciárias brasileiras. “Existe muita injustiça imposta pelos agentes, alguns são enérgicos e violentos. Os transexuais e transgêneros acabam sendo mais sensíveis à essa agressividade, viram alvos mais fáceis”, emenda.
De acordo com dados do Levantamento Nacional de Informações Carcerárias (Infopen 2014), apenas 1% dos presídios brasileiros possui ala LGBT; em 86% não há qualquer espaço destinado a este público, 8% não têm informação e apenas 5% possuem cela específica. No Rio Grande do Norte, o Governo chegou a divulgar que criaria a primeira ala específica para detentos LGBTs no presídio de Ceará-mirim, em fase de conclusão. Porém, ao retomar contato com a reportagem mês passado, a secretaria de Estado de Justiça e Cidadania não garantiu o espaço.
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Promotor Lorenzetti diz que regras nos presídios são diferentes[/caption]
No último dia 24 de janeiro o promotor Antônio Carlos Lorenzetti foi a todas as penitenciárias e cadeias públicas da capital e não encontrou nenhum transgênero ou transexual cumprindo pena no sistema. Mas registra que o Pavilhão 1 de Alcaçuz, em Nísia Floresta, abriga uma cela somente para eles, assim como a penitenciária em Nova Cruz, que há anos destinou um espaço para a comunidade.
Há, entretanto, muitos homens transgêneros nos presídios femininos, mas que permanecem se identificando perante o sistema como mulheres lésbicas. O Estado iniciou o mapeamento da comunidade LGBT no sistema carcerário no final de 2017. Estima-se, porém, que mais de 50 pessoas, a maioria travestis, estejam inseridas atualmente nas carceragens potiguares.
“Muitas moram com as companheiras na cela misturadas às outras, acaba tendo briga por ciúme e temos que separar. Apesar de se considerarem homens, não temos como colocá-las junto com eles. Elas seriam estupradas ou mortas”, detalha.
O promotor diz que diariamente se depara com situações de presos que no registro civil pertencem ao sexo masculino, mas se identificam como mulheres. Na visão dele, não se pode criar uma cadeia específica para este grupo, visto que não há previsão em lei. “Estaríamos transgredindo a previsão legal”, diz.
Lorenzetti tem posicionamento firme quando fala sobre as travestis serem obrigadas a raspar a cabeça e usar uniforme masculino quando são presas. Mais uma vez, invoca a Lei de Execuções Penais. “Todos os presos são iguais perante a lei. Então não pode ter cabelo cumprido, usar aplique, nenhum elemento material que se sobreponha ao uso dos uniformes. Ninguém vai negar a opção sexual dele (a), mas não se pode criar uma situação diferenciada dentro do sistema. Constitucionalmente ele (a) tem direito, mas no sistema não funciona assim. E não é porque eles não querem, é porque o sistema não aceita isso”, destaca.
Ao longo dos anos de experiência atuando na área, o promotor destaca os crimes de tráfico de drogas, latrocínio, furto, roubo e homicídio como os mais cometidos pelos transexuais e travestis potiguares. Para ele também é difícil saber quanto dessa comunidade existe atualmente no sistema, devido ao que ele classifica como uma “nuvem” entre a Justiça de Execução Penal e a Sejuc.
“Se eu pegar a lista de presos da semana passada, não é a mesma de hoje. E o juiz não sabe onde o preso está. Nem a Sejuc sabe. Não dá para administrar o sistema desconectado da justiça, mas é isso que acontece. Ficamos aqui praticamente fazendo o serviço de despachante”, desabafa.
Apesar da falta de mapeamento, ele reconhece que a realidade mudou após a intervenção federal. Caiu assustadoramente a presença de celulares, armas, drogas, fugas e rebeliões nos presídios. Os advogados e agentes, por exemplo, não têm mais contato direto com os encarcerados segundo o promotor. Isso impediu, inclusive, a entrada de drogas no cárcere.
Direitos
Apesar de ter ouvido os relatos de abusos sofridos por presos transgêneros repassados por esta reportagem, Lorenzetti diz que o sistema prisional potiguar respeita direitos e garantias fundamentais de todos os seus apenados.
Entretanto, um caso ocorrido em Nova Cruz não lhe saiu da memória e foi destacado durante a entrevista. No ano de 2009, uma travesti chegou ao sistema condenada por tráfico de drogas: corpo delineado, cabelo comprido natural, seios implantados, teve que ficar em meio aos homens. Arrumou um companheiro acusado de latrocínio, se juntou à ele e passou a dividir a cela junto com outros oito presos.
“No meio disso ele apanhou, quebraram seus dentes, ombros, bateram a cabeça na parede. Mas foi briga de ciúme por causa do companheiro dele. Passou um tempo internado, perdeu os dentes, depois voltou para outra cela. Os homens realmente são intolerantes quanto a isso”, contou.
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