A força das artes nas políticas culturais
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A força das artes nas políticas culturais

6 de fevereiro de 2019
A força das artes nas políticas culturais

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Arte e cultura são duas coisas que se confundem ainda a cabeça de muita gente, principalmente no tocante às políticas culturais. Apesar de existir algumas divergências em relação ao significado da palavra cultura, podemos afirmar que Cultura é tudo aquilo que atua como manifestação de um povo, por meio de hábitos, crenças, saberes, costumes, gastronomia e também por meio das manifestações artísticas. Tais atitudes de homens e mulheres de um determinado povo são acumuladas ao longo de suas histórias num processo dialógico dos seres humanos com o seu meio, sendo esses diretamente influenciados por questões climáticas, solo e vegetação.

Se formos buscar no fundo do baú as primeiras políticas culturais adotadas em território brasileiro, encontraremos as bolsas para artistas estudarem na Europa que eram concedidas pelo Brasil desde o Império, e também a criação da Academia Imperial de Belas Artes, um legado deixado pela Missão Artística Francesa e que mais tarde passaria a ser chamada de Escola Nacional de Belas Artes.

Desde os tempos de Império no Brasil as políticas culturais já favoreciam as linguagens artísticas e principalmente aquela arte acadêmica e erudita, deixando de lado as manifestações populares. No século XIX houve por parte do Império brasileiro, e se seguiu na República, uma valorização das linguagens artísticas eruditas. Por mais que se tivesse um grande desejo de criar uma identidade cultural nacional, negava-se por sua vez uma série de manifestações artísticas populares, a exemplo da Capoeira. Após a partida da Missão Artística Francesa, vários artistas brasileiros começaram a produzir suas obras com olhar mais regional, porém com traços eruditos, e parte desses artistas recebiam bolsas para estudar na Europa, principalmente da música e das artes visuais. Por mais que lá atrás não se tivesse ideia de que essas políticas eram “políticas culturais”, tais investimentos eram todos voltados para as linguagens artísticas e acadêmicas. As manifestações populares resistiam e surgiam em seus territórios de sobrevivência, nos quilombos, nas comunidades indígenas, ribeirinhas, ciganas, nas feiras populares, nas praças, nas favelas, nos morros, nos terreiros de religiões de matriz africana, no sincretismo religioso, fora dos palácios da aristocracia e da monarquia.

Na primeira metade do século XX, já na República e principalmente no período que Getúlio Vargas fica na presidência do nosso país é que surgem novas tentativas de intervenção do Estado nas manifestações artísticas de seu povo. Após a chegada do Modernismo no Brasil e do enfrentamento que esse movimento fazia a arte acadêmica, novos nomes começam a despontar no cenário artístico nacional. Um deles é Mário de Andrade, peça-chave para a criação do primeiro órgão público específico voltado para a Cultura e de abrangência nacional que foi o IPHAN, responsável pela salvaguarda do Patrimônio Cultural imaterial brasileiro e do tombamento do patrimônio Cultural Material brasileiro. Podemos afirmar que foi a partir daí que o Estado brasileiro começa a olhar para a cultura de forma mais ampla, numa dimensão do campo do simbólico e não só no campo da técnica artística. É também durante as gestões de Vargas que essa ideia de uma identidade cultural brasileira ganha ainda mais força. E nesse período já não dava mais para negar a força do samba no Rio de Janeiro, que acabou caindo nas graças da burguesia e aristocracia carioca, e que estes, por sua vez, insistiam em tentar enquadrar em um determinado modelo. Getúlio tinha em suas mãos as ondas do rádio que transmitia o que ele quisesse para todo o Brasil, e ele não podia negar movimentos e manifestos importantes como os de Oswald de Andrade e Gilberto Freyre, bem como as obras de artistas importantes como José de Alencar e Carlos Gomes.

A era Vargas tinha o poder do Estado nas mãos para tentar a criação dessa tal brasilidade, mas como negar toda uma diversidade cultural brasileira e querer impor, por exemplo, o samba como um estilo musical de todo esse território continental?

Apesar do IPHAN tombar e salvaguardar o Patrimônio material e imaterial brasileiro, ele não foi criado como um órgão fomentador e financiador da cultura. Na década de 50 com a criação do Ministério da Educação e da Cultura, é que as políticas culturais passam a ganhar um espaço de destaque entre os Ministérios, mas ainda sendo secundarizado pela “importância” das políticas educacionais. A partir desse período a gente passa a acompanhar a criação de órgãos importantes ligadas ao cinema, às artes cênicas, ao folclore, às artes visuais e à música. Já nessa subdivisão de setores públicos ligados à cultura você pode observar uma super valorização das artes, e claro que tais espaços eram comandados ao bel prazer do gosto dos seus gestores e das elites que comandaram o nosso país. Principalmente em períodos de totalitarismo que o Brasil viveu, com destaque especial para a Ditadura Militar, onde tudo passava por regulação e censura e que tinha um alto teor de interferência nas produções artísticas, inclusive as independentes.

Apesar da criação do Ministério da Cultura na década de 1980, é só no período do Governo Lula e com a vinda de Gilberto Gil que as políticas culturais começam a ter um olhar mais amplo. Já escrevi sobre esse tema aqui o portal da agência Saiba Mais, é só acessar o link aqui.

Nesse período é que a gente começa a ver uma Funarte que começa a valorizar as produções artísticas fora do eixo Rio-São Paulo e que também começa a fugir daquele perfil acadêmico de produção artística. E enquanto isso o MinC passa a ter duas secretarias importantes: Diversidade e Cidadania Cultural, que passaram a tocar as políticas voltadas às diferentes etnias e aos movimentos sociais. Mas mesmo assim as linguagens artísticas sempre estiveram presentes nas ações dessas secretarias por meio das danças populares, do teatro de rua, das pinturas corporais indígenas, das sonoridades das manifestações religiosas e profanas.

A arte se confunde com a cultura pelo seu poder de comunicar e de representar os anseios de seu povo, foi por meio de técnicas artísticas que o povo sempre procurou se comunicar, desde as pinturas rupestres até a arte designer, tão presente no marketing e nas propagandas. A arte foi ferramenta importante de denúncia durante a ditadura militar no Brasil e servia também de escudo para artistas nacionais não serem mortos clandestinamente pelos militares. A arte tem mais força ainda quando ela é livre, quando ela não tem medo de falar, quando ela não é presa a padrões estéticos, quando ela não é presa ao capital financeiro e a indústria cultural. As linguagens artísticas em suas mais variadas formas e pluralidade quando são livres, também tem um povo liberto, um povo mais humano e menos máquina, menos rebanho. Por isso que quando surgem governos de características totalitárias existe logo uma tentativa de criminalização, punição e silenciamento dos artistas de seu povo. Para esses, a arte não pode ser livre. No entanto, mal sabem que quanto mais se prende o pensamento de um artista, mais esse pensamento tende à explodir e se espalhar no coração revolucionário adormecido de seu povo.

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