Lula e Gil: a descoberta de um Brasil profundo
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Lula e Gil: a descoberta de um Brasil profundo

25 de abril de 2018
Lula e Gil: a descoberta de um Brasil profundo

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Ao assumir pela primeira vez a Presidência da República em 2003, o primeiro operário eleito presidente escolhe Gilberto Gil como seu Ministro da Cultura. Para muitos soou como algo estranho, de imediato alguns sentiram um choque, talvez pela escolha de um nome do “mainstream” da cultura brasileira e de um filiado do PV (Partido Verde). Mas o que se seguiu nos próximos anos foi um verdadeiro espetáculo de gestão pública para a Cultura e para as Artes. Em seu primeiro discurso, Gil nos falou do “Do-in Antropológico” como mote para o seu modelo de gestão. O “Do-in” é um tipo de automassagem curativa chinesa e que aplica-se nessa ocasião como uma automassagem em nossos pontos energéticos/culturais como cura de nossos diversos males e mazelas presentes na sociedade.

Aos poucos, Gilberto Gil foi quebrando os preconceitos quanto a sua indicação. Aquele que foi um dos criadores da Tropicália, preso e exilado na ditadura, dono de uma das mentes mais criativas de nosso país, nordestino, negro e artista, representava muito mais do que um simples Ministro da Cultura, mas era a força de um tempo de resistência, de um homem negro que se tornou artista numa das situações mais adversas de nossa história. Ele tinha estofo e força para peitar um mercado viciado e entregue nas mãos de poucos privilegiados. Mas tinha também acima do seu posto um dos políticos brasileiros mais sensíveis às causas artísticas e culturais da nossa sociedade, e que por mais que não fosse um homem “letrado” ou diretamente ligado ao movimento cultural brasileiro, falava com muita propriedade das pautas desse setor.

Todo gestor público para Cultura precisa ter acima de si um gestor público que entenda bem das causas culturais e artísticas para que possa bancar as mudanças necessárias e encaminhar uma política pública que de fato favoreça os agentes culturais que atuam na ponta e na base da Sociedade.

E entre 2003 e 2010 vivemos os melhores momentos para as políticas culturais em nosso país.

A FUNARTE começou a desenhar um modelo de Gestão que não estivesse somente a serviço do eixo Rio-São Paulo e a política de editais começa a ser desenhada com os editais Myriam Muniz para o Teatro, Klaus Viana para a dança, Carequinha para o Circo, Artes nas Ruas, Bandas de Música, Interações estéticas com Pontos de Cultura e diversas outras ações que anualmente foram crescendo e se modificando entre erros e acertos.

A Secretaria do Audiovisual e a ANCINE possibilitam a retomada do Cinema Nacional.

A Secretaria da Diversidade começa a ter olhos para os povos indígenas, ciganos, comunidades ribeirinhas, quilombolas, negros, povos de terreiro, LGBT’s.

A Secretaria da Cidadania Cultural é responsável por tocar o mais importante e revolucionário programa do Governo Lula/Gil, o Programa Cultura Viva. E que exemplifica melhor a ideia do “Do-in Antropológico” que o Ministro da Cultura citou em seu primeiro discurso. Foram os Pontos de Cultura que aos poucos iam tirando as cobertas do abandono e do atraso e foram mostrando sua cara, em batuques, cores, ritmos, cenas, sorrisos, ancestralidade e permeados de cultura digital e softwares livres.

O Ministério da Cultura deixou de ser um Ministério das “Artes” para de fato ser da “Cultura”. Começa a abranger o seu sentido mais amplo, começa a olhar para aqueles e aquelas que viviam no anonimato, onde as verbas federais para a Cultura nunca haviam chegado. Profissionais da Arte começaram a vislumbrar a possibilidade de serem, de fato, profissionais. Esse é um dos motivos que justifica o fato de Lula ter apoio de tantos artistas brasileiros e que faz com que diversos manifestantes antipetistas e antilulistas arrotem (erroneamente) que tais artistas só fazem isso por causa da Lei Rouanet. Essas pessoas entendem muito pouco de arte, quase não frequentam ações culturais, não sabem que artista popular não acessa os recursos dessa lei e sabem muito menos que uma das críticas que muitos dos artistas brasileiros fazem aos Governos petistas é exatamente porque tais governos não conseguiram modificar a lógica mercadológica, perversa, centralizadora e segregadora dessa Lei de Incentivos Fiscais.

Os artistas e as artistas do Brasil que apoiaram o modelo tocado por Gil e posteriormente por Juca Ferreira à frente do Ministério da Cultura de Luiz Inácio Lula da Silva fizeram isso porque sentiram diretamente o reflexo dessa gestão em seus trabalhos. E foi a partir disso que começamos a conhecer o nosso Brasil profundo, um Brasil visto de baixo para cima, das margens para o centro, um Brasil pulsante, vivo, intenso e que se manifestava, brigava e criticava o mesmo Governo em Conferências e em Teias (Encontro Nacional dos Pontos de Cultura), onde os processos democráticos se faziam presentes em todas as ações do MinC.

O que vivemos hoje é um verdadeiro desmonte de tudo que foi construído. O Programa Cultura Viva virou Lei, mas o atual governo não executa nada dessa lei. A Funarte não lança mais nenhum de seus editais para as Artes. O Sistema Nacional de Cultura está sendo rasgado. A principal política cultural brasileira volta a ser a Lei Rouanet, voltamos para os anos 90, regredimos 20 anos em 2.

Não é difícil perceber porque Lula e Gil são tão respeitados no meio cultural em referência as políticas públicas para a Cultura. Em 8 anos de Lula e mais 5 anos e meio de Dilma foram feitas muitas coisas, mas não foram suficientes para resistir a um Golpe que teve como uma de suas primeiras ações a extinção do Ministério da Cultura, atitude posteriormente revogada após grande mobilização nacional, mas que até hoje para nada nos serviu a não ser para revelar para o Brasil o mau-caratismo do braço direito de Temer e que posteriormente viria a ser preso com mais de 51 milhões em dinheiro vivo dentro de um apartamento em Salvador.

Sempre que falo dos avanços das políticas públicas para a Cultura a partir de 2003 eu evito falar separadamente de Lula e de Gilberto Gil, ambos atuaram juntos, enquanto um pensava o outro dava as condições para a materialização de seus pensamentos. Lula enfrentou a burocracia para fazer com que essas ações acontecessem, ele enfrentou uma máquina pública viciada para que a Cultura do nosso país pudesse ter verbas para fazer suas ações circularem, para que elas fossem vistas além do Brasil profundo. Sempre evito tratar Lula como mito ou como herói, mas é fundamental que reconheçamos a sua capacidade de enfrentar e de tentar mudar a lógica das coisas respeitando as peculiaridades de um país que ainda não está pronto para fazer uma revolução com suas próprias mãos. Lula e Gil colocaram a imaginação a serviço do país, foram fundamentais para injetar autoestima no povo brasileiro, para que mudássemos um imaginário de complexo de vira-latas e passássemos a ter um imaginário de encantamento com o nosso fazer artístico, com nossas raízes e com nossa ancestralidade. O Brasil foi revirado, foi transgredido, foi integrado, foi interagido. Não podemos deixar que o imaginário de patos de borracha tome conta das cabeças do povo brasileiro. Precisamos sair do cambalear dos sucessivos Golpes que estamos sofrendo e retomar a luta por um projeto popular para o nosso país. E a Cultura é caminho e é também fim de uma verdadeira revolução popular no Brasil.

Sabe o que Luiz Inácio falou? Alô Alô Gilberto Gil, aquele abraço!

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