Pesquisadores de diversas áreas e outros representantes da sociedade civil lançaram, na segunda-feira (23), nota técnica em que alertam sobre impactos que o Complexo Eólico Pedra Lavrada pode causar. O projeto está previsto para ser implantado em território dos municípios de Pedra Lavrada, Nova Palmeira, Picuí e Frei Martinho, no estado da Paraíba, e Currais Novos, Acari, Parelhas e Carnaúba dos Dantas, no Rio Grande do Norte.
A responsabilidade é da empresa Ventos de São Cleófas Energias Renováveis S.A., controlada pela Casa dos Ventos Energias Renováveis S.A.
“A instalação do projeto eólico terá consequências devastadoras para o conhecimento da história, da cultura e da diversidade étnica dessa parte do Brasil que precisa ser melhor estudado”, afirma a nota.
“Por questões técnicas, as serras têm sido escolhidas pelos empreendimentos eólicos, o que tem causado o desmatamento da Caatinga preservada, coloca em risco a biodiversidade de um ecossistema único no mundo, ameaça as comunidades tradicionais, pois é exatamente nessas áreas de difícil acesso que se concentram a fauna e flora deste bioma, um patrimônio arqueológico único ainda pouco estudado e os remanescentes de quilombo”, sintetiza trecho do estudo.
O documento com 31 páginas foi remetido a Procuradoria Geral do Estado do Rio Grande do Norte, Ministério Público Federal, Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos – Semarh, Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente – Idema, Ministério Público do Estado da Paraíba, Secretaria de Meio Ambiente da Paraíba – Semam, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan e Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra.
O Complexo Pedra Lavrada é composto por 372 aerogeradores distribuídos em 27 parques eólicos. A área total diretamente afetada pelo empreendimento, conforme layout projetado, corresponde a 1.599,31 hectares (ha), inseridos nos limites das propriedades rurais arrendadas ou em processo de arrendamento pela empresa, as quais abrangem uma área equivalente a 34.054,94 ha.

Uma audiência pública foi realizada no dia 18 de janeiro, no município de Carnaúba dos Dantas, para analisar a viabilidade ambiental e os impactos socioambientais potencialmente causados pela implantação do complexo.
De acordo com o historiador e mestre em Arqueologia pela UFPE Joadson Vagner Silva, o grupo Seridó Vivo estava presente e percebeu um número alto de participantes, mas pondera: “Um empreendimento que pleiteia uma área em oito municípios deveria ter no mínimo uma audiência pública em cada cidade, para conseguir ouvir um número amostral satisfatório dos moradores. Especialmente aqueles de localidades mais isoladas”.
De acordo com o Relatório de Impacto Ambiental (Rima) apresentado pela empresa, a zona rural afetada incluir no RN: Comunidade do Sítio Marcação, Povoado de Bulhões, Povoado de Gargalheiras, Povoado do Ermo, Povoado de Joazeiro, Povoado de Santo Antônio da Cobra, Povoado de Timbaúba, Comunidade de Barra, Comunidade de Malhada Limpa, Comunidade de Mina Barra Verde e Comunidade de Mina Brejuí; na Paraíba: Povoado de Timbaúba do Meio, Povoado de Olho d´água dos Cágados, Comunidade Negra da Serra do Abreu e Povoado de Corujinha.
Danos prováveis
A nota técnica começa afirmando que a transição energética para fontes renováveis é necessária para a descarbonização do planeta terra e a consequente minimização dos efeitos negativos das mudanças climáticas decorrentes do aquecimento global. Entretanto, a implantação dos novos empreendimentos deve levar em conta os aspectos socioambientais e as formas de ocupação e uso dos territórios, com ações efetivas de preservação ambiental e do respeito à diversidade étnica e cultural, das singularidades históricas, dos patrimônios materiais e imateriais, bem como das dinâmicas produtivas locais.
O texto segue apontando que não há zoneamento ecológico e faltam estudos técnicos para avaliar os impactos negativos dos empreendimentos sobre a biodiversidade, o patrimônio histórico-cultural e a vida humana nos entornos dos parques. Ressalta ainda que a região do Seridó potiguar e paraibano é considerada um dos importantes núcleos de desertificação do Brasil.
De acordo com o historiador e mestre em Arqueologia pela UFPE Joadson Vagner Silva, uma das mais graves consequências é a ocupação da Caatinga de encosto e topo de serras, quando “preservar áreas de vegetação nativa é essencial para a saúde do planeta”. A nota se refere às serras como “verdadeiros ‘arquivos’ rochosos expostos em seu relevo”.
“Nessa Caatinga, como sabemos, há uma rica biodiversidade, incluindo espécies ameaçadas, como cervídeos (veados) e gatos do mato, cada vez mais raros em nosso bioma. Também há a preocupação em relação aos moradores das áreas afetadas, como agricultores familiares, pequenos criadores e, inclusive populações tradicionais, como os quilombolas”, alertou.
Entre as espécies identificadas pelo estudo, há a jacutinga (Penelope jacucaca), vulnerável e muito rara pelo Seridó. Os biólogos do Instituto Seridó Vivo também mostraram na nota que as rotas de aves migratórias, como arribaçã e andorinhão de coleira falha, muito sujeitas colisão com os aerogeradores, também não foram satisfatoriamente demonstradas.
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Joadson chama atenção para o grande número de sítios arqueológicos na área, havendo o risco de existirem sítios desconhecidos e que podem ser perdidos. É o caso da região dos riachos do Olho d’Água e do Bojo, em Carnaúba dos Dantas, onde existem 20 sítios e pretende-se passar um acesso da obra.
“A região pleiteada pelo empreendimento possui um rico patrimônio arqueológico, que passa a ser também ameaçada pelo empreendimento, pois embora seja levada em conta a preservação, as obras próximas a eles podem acarretar em danos, devido a explosões que são necessárias para o desmonte das rochas, poeira, sem falar na mudança brusca no entorno”, avaliou o pesquisador, que integra o Instituto Seridó Vivo.

Para os cidadãos que assinam a nota, os estudos apresentados pelo empreendedor não abordam satisfatoriamente os aspectos econômicos, sociais culturais e históricos do local. E cita as atividades turísticas, intensificadas com o Geoparque Seridó, instituído pela Unesco.
“A instalação dos aerogeradores sem um planejamento participativo e sem considerar as especificidades e relações econômicas e sociais, causará alteração paisagística dos ambientes naturais e mirantes, além de modificar o contexto no qual estão inseridos sítios arqueológicos, moradias rurais e cercas de pedra, elementos com potencial atratividade turística na região. Assim, a implementação do complexo irá impossibilitar a realização de um turismo responsável e terá consequências econômicas que não foram dimensionada”, constatam.
Confira nota técnica na íntegra.