Os tios e tias do zap atacam novamente  
Natal, RN 19 de abr 2024

Os tios e tias do zap atacam novamente  

17 de janeiro de 2023
4min
Os tios e tias do zap atacam novamente   

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Leio no Twitter uma interessante análise do pedagogo e escritor Rafael Parente (@Rafael_Parente) com base em texto do Professor de Relações Internacionais da FGV Oliver Stuenkel (@OliverStuenkel) que diz o seguinte: "Desde a posse de Lula, há duas semanas, vários amigos me procuraram para falar sobre familiares de mais de 70 anos que estão apavorados porque esperam um golpe comunista. O fato é que nem todos eles são apoiadores de Bolsonaro".

E o educador registra exemplos: "Em um caso, o pai de um amigo afirma ter ouvido do gerente de conta do banco que não deveria guardar dinheiro na conta corrente porque, supostamente, havia grande risco de o governo Lula congelar as contas. A mãe de outra amiga, uma empresária bem-sucedida de 72 anos que lê jornal e não adota posições políticas radicais (votou em branco inclusive), acredita que todo mundo com apartamento maior que 70 metros quadrados será obrigado a dividi-lo com outras pessoas". Comentando esses exemplos, uma amiga, a professora de Direito Gilmara Benevides registrou "Idoso cai demais em fake news de zap".

É verdade. Há anos jornalistas debatem o efeito "grupos de zap" nas faixas etárias entre 55 e 70 anos, tendo sido criado até as figuras jocosas (mas perigosas) do "tiozão de zap" e "tiazinha do zap", que recebem uma informação qualquer, sem fonte, sem verificação e sequer abrem o link, apenas leem o título, geralmente espalhafatoso e bombástico e passam adiante para outras pessoas de sua idade e grupo sócio-cultural nos famigerados grupos de zap. A partir daí, para esse grupo, uma mentira torna-se uma verdade. Vide o estrago que as fake news sobre "mamadeira de piroca" e "kit gay nas escolas" fizeram para a campanha de Fernando Haddad - professor sério e excelente ministro da Educação durante os governos Lula e Dilma - em 2018 (na verdade esse tipo de mentira foi decisiva para a vitória de Bolsonaro).

Mas por que e como em 2023, cinco anos e uma eleição presidencial após o surto de fake news de 2018 tantas pessoas continuam acreditando em mentiras evidentes? Parece simplista pensar que elas acreditam porque é o que desejam e a notícia se adequa com o que pensam do assunto em questão e da vida. Fiz a pergunta acima a uma amiga psicóloga e um amigo jornalista. Ela respondeu que muitas pessoas vivem um processo - global, inclusive - de descolamento da realidade, portanto para milhões de pessoas os limites entre verdade e mentira vão sendo lentamente desconstruídos. Já o jornalista respondeu de maneira mais pragmática: que não existe um trabalho efetivo dos movimentos progressista, acadêmico e de esquerda para combater e desmentir fake news na origem e de forma adequada.

Esse assunto me interessa. Analiso com atenção e preocupação a dificuldade e demora nos movimentos - institucionais, organizados ou orgânicos - de esquerda em combater as fakes news. Essa mentira de que Lula vai tomar imóveis para que os donos dividam com sem terras eu ouço desde 1989, literalmente, já que era uma preocupação de uma vizinha desesperada com essa possibilidade, que tinha que ser acalmada diariamente pelos meus pais. Dois governos de Lula depois e nenhum imóvel tomado e a fake news se mantém viva e forte. Muito preocupante. Assustador, até.

É certo que atingindo certa idade mesmo pessoas com histórico progressista na juventude tendem a ter uma visão mais conservadora da vida e da realidade. Trata-se de um fenômeno histórico e mundial. Mas esse conservadorismo não precisa ser necessariamente descolado da realidade, aí já se trata de fruto do bolsonarismo, que ganhou status de seita, bem mais do que movimento político, o que na verdade nunca foi. Neste caso, além do combate às fake news, trata-se aqui de pensar como fazer milhões de brasileiros e brasileiras voltarem à realidade/sanidade, para que não acreditem que a vacina vai implantar em seus corpos um vírus chinês ou que existe em andamento uma ditadura gay que quer doutrinar as crianças. Esse o desafio maior, pois atualmente tios e tias divulgam este tipo de conteúdo em grupos de zap. E mesmo com a vitória e posse de Lula, não se engane, estão voltando com força total e atacando novamente. Cabe a nós encontrar um antídoto contra isso. Antes que venham as eleições de 2026.

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