Brasil: País da Cristofobia?
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Brasil: País da Cristofobia?

9 de dezembro de 2019
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Por Krysna Maria Medeiros Paiva

A atualidade do debate acerca da tolerância permeia a vida daqueles e daquelas que lutam em prol de uma sociedade livre e igualitária e, por isso, também deve fazer parte da agenda de todo e qualquer governo ou instituição que preza pela pluralidade e pela democracia nos tempos atuais.

Com o crescimento do acesso da população à informação, notadamente através dos programas televisivos e das redes sociais, conviver com o diferente passou a ser cada vez mais comum. Hoje, bem mais do que anos atrás, a população passou a encarar aqueles que lhe são distintos cada vez mais recorrentemente; isso porque, através da proposta de uma nação democrática e livre, as pessoas sentem-se cada vez mais estimuladas a serem absolutamente quem são.

Essa maior liberdade observada por uns e sentida por outros, todavia, não garante a segurança e a paz necessárias para que se fale em uma sociedade – plenamente – livre. Um dos maiores exemplos disso, e que aqui será tratado de forma mais contundente, está na liberdade religiosa – ou, como intitula a nossa Carta Magna, a liberdade de consciência e crença.

As expressões religiosas e de crenças, as quais integram a própria essência do sujeito, representam talvez uma das maiores traduções da pluralidade da sociedade brasileira, muito embora poucos saibam disso. Em razão das heranças da escravidão e do colonialismo, tendemos a acreditar que poucas são as crenças e religiões que existem pelo Brasil afora. Ledo engano. Alguns acreditam que podem ser resumidas em: catolicismo, protestantismo, espiritismo e as “religiões africanas”, fazendo ainda a ressalva dos praticantes do judaísmo, do islamismo e da maçonaria – esses últimos quase invisíveis para a grande massa.

Aqui, me deterei a tratar das “religiões africanas”. Primeiro grande erro, fruto da – maior ainda – ignorância da população. Diferentemente do que muitos acham, os cultos de matriz africana realizados no Brasil são, em verdade, brasileiros. Isso quer dizer que, não obstante tenham sido crenças trazidas pelos africanos durante a escravidão, a forma como os cultos são realizados no Brasil é tradicionalmente brasileira. O Candomblé, a Umbanda, a Quimbanda, a Jurema – e tantos outros cultos – nasceram, em verdade, em nossa pátria amada.

O segundo grande erro é acreditar que todos esses cultos representam uma mesma crença ou religião. De forma alguma! Todos os cultos, terreiros e nações existentes são diferentes uns dos outros, impossíveis de serem confundidos; neste ponto, desprezar suas especificidades equivale também a uma violência.

O terceiro – e talvez maior – dos erros, entretanto, é acreditar que os adeptos das religiões de matrizes africanas praticam os seus cultos de forma livre em nossa sociedade. A ignorância, o preconceito e o racismo fazem com que essas religiões sejam os principais alvos das condutas de intolerância religiosa no nosso país; os índices calculados entre 2012 e 2015 apontam que 71% dos casos de intolerância religiosa no Brasil tem como vítimas os praticantes de religiões de matrizes africanas[1].

Ainda mais preocupante do que esse dado é saber que, de 2018 para 2019, as denúncias de casos de intolerância religiosa duplicaram. Os ataques vão desde genuínas agressões, com invasão de terreiros, depredação de objetos religiosos e até agressão de sacerdotes; até violências simbólicas, como cerimônias sendo interrompidas pela Polícia sob a alegação de que estariam fazendo “muito barulho”, enquanto diversas igrejas viram madrugadas com seus cultos, missas e vigílias, valendo-se até de carros de som e praças públicas.

O aumento no número de casos também não é coincidência. O crescimento do discurso autoritário, repressivo e intolerante tem suma relevância para o aumento da violência e da intolerância; discurso esse que vem sendo propagado orgulhosamente por aqueles apaixonados pelos ideais supremacistas importados das grandes nações brancas e colonialistas.

Pois bem. O caminho contra a intolerância é árduo. Hoje, a principal arma que se tem é o próprio conhecimento; a intolerância também se combate combatendo-se a ignorância. Conhecer e entender as religiões de matrizes africanas, raízes de nossa própria nação, são também os primeiros passos a serem tomados na luta por um país onde se possa crer e se expressar livremente.

Krysna Maria Medeiros Paiva é membro do coletivo O Contraditório.

[1] BALLOUSSIER, Anna Virginia. FOLHA DE SÃO PAULO. “Guia de intolerância aponta para disseminação de ataques de cunho religioso”. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/09/guia-de-intolerancia-aponta-para-disseminacao-de-ataques-de-cunho-religioso.shtml>. Acesso em 04 dez. 2019.

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