Um diálogo entre o baculejo e o camburão
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Um diálogo entre o baculejo e o camburão

12 de dezembro de 2019
Um diálogo entre o baculejo e o camburão

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Por Luiz Cláudio da Silva Leite

O mês de dezembro tradicionalmente é marcado pelas festividades, confraternizações e pelos inúmeros convites para amigos secretos. Todavia, o fim de 2019 persistiu com suas infelizes surpresas e assustou parte da sociedade dita progressista que ainda preza pelo mínimo de civilidade.

Ao tentar coibir um baile funk na favela de Paraisópolis, a Polícia Militar Paulistana protagonizou um evento bárbaro de repressão que culminou no assassinato de (mais) 9 jovens.

Em verdade, tão grotescas quanto às atuações dos Agentes Públicos são, apenas, as posturas prepotentes do governo paulista em perseguir uma poderosa atividade cultural que gera renda e movimenta a economia local de maneira descarada tal como ocorreu outrora com a criminalização do samba e do jazz[1].

Na prática, a bravata do empreendedorismo entoada por parte significativa da sociedade brasileira esbarra nos preconceitos de classe e não se aplica aos inúmeros trabalhadores ambulantes que sustentam suas famílias trabalhando nos bailes funks e outros eventos culturais na periferia.

Além da tragédia, o evento evidencia por si só mais uma derrota sistêmica dos setores progressistas e a ausência de uma proposta eficaz e democrática para a Segurança Pública.

Infelizmente, observa-se que a produção dos discursos tem um poder imaginário que extrapola os limites normativos e faz com que a rejeição do pacote anticrime seja assustadoramente indiferente em termos pragmáticos, já que o excludente de ilicitude já produz seus efeitos.

Nessa toada, não se ignora que o Estado brasileiro sempre optou por um viés autoritário desde a sua essência e todas as poucas exceções apenas confirmam a regra. Todavia, é inquestionável que nos últimos anos a criminalização dos Direitos Humanos favoreceu o crescimento da letalidade policial.

Hoje, os agentes de segurança pública e até mesmo os atores judiciais encarnam o heroísmo e o combate à criminalidade como uma cruzada em razão da qual as regras são relativizadas facilmente por disposições morais.

Além disso, a importação de um ethos guerreiro[2] acaba por induzir a segurança pública a atuar de maneira belicosa no combate a guerra contra as drogas, instituindo territórios de exceção e uma vitória visível do mercado ilícito de drogas.

Apesar de tudo, insistimos cegamente em ações estruturadas no extermínio da juventude que retarda ainda mais o desenvolvimento econômico do país e onera 1,5% do PIB nacional[3].

Talvez seja justamente por isso que, ainda hoje, todo camburão tem um pouco de navio negreiro[4].

Luiz Cláudio da Silva Leite é membro do coletivo O Contraditório

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[1] HOBSBAWM, Eric. História social do jazz. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2008.

[2] SANTOS JÚNIOR, Rosivaldo Toscano dos. A guerra ao crime e os crimes da guerra: Uma crítica descolonial às políticas beligerantes no sistema de justiça criminal brasileiro. 2016. Disponível em: <https://emporiododireito.com.br/leitura/entrevista-com-o-autor-rosivaldo-toscano-dos-santos-junior-saiba-sobre-a-obra-a-guerra-ao-crime-e-os-crimes-da-guerra-uma-critica-descolonial-as-politicas-beligerantes-no-sistema-de-justica-criminal-brasileiro>. Acesso em: 10 dez. 2019.

[3] Cerqueira, d.; Moura, r. l. Custo da Juventude Perdida no Brasil. in: seminário juventude e risco: perdas e ganhos sociais na crista da população jovem. Rio de Janeiro: IPEA, 2013

[4] Composição: Marcelo Yuka – O Rappa

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