R$ 75 milhões para reestruturação de Ponta Negra não resolve problema de contaminação da água e areia, diz especialista
Natal, RN 29 de mar 2024

R$ 75 milhões para reestruturação de Ponta Negra não resolve problema de contaminação da água e areia, diz especialista

29 de outubro de 2021
R$ 75 milhões para reestruturação de Ponta Negra não resolve problema de contaminação da água e areia, diz especialista

Ajude o Portal Saiba Mais a continuar produzindo jornalismo independente! Apoie com qualquer valor e faça parte dessa iniciativa.

Quero Apoiar

Além da estreita faixa de areia, que vai resultar na obra de engorda, a praia de Ponta Negra também enfrenta outros problemas que não serão resolvidos com o serviço de reestruração da orla, que custará cerca de R$ 75 milhões: a contaminação da água do mar e da areia da praia.

“A presença de coliformes fecais na água, por exemplo, não é algo visível à população. Ninguém vai à praia pensando: ‘Será que a água está própria?’ Isso tem que ser mais divulgado e cuidado. O lixo a gente visualiza, mas microrganismos na água e na areia, que tem muito mais do que na água, embora não haja um monitoramento no Brasil, são problemas que precisam ter um olhar mais cuidadoso. Fico com o pé atrás em se gastar tanto dinheiro em uma única praia enquanto as outras ficam largadas. Esse é um problema que vai continuar existindo, tenho minhas dúvidas se depois da engorda da praia haverá esse controle das descargas clandestinas existentes na praia de Ponta Negra. O que adianta engordar uma praia quando a areia vai continuar contaminada?”, questiona a professora do Departamento de Oceanografia e Limnologia da UFRN, Maria Christina Araújo.

Para a praia de Ponta Negra, estão previstas duas obras: a conclusão do enrocamento e da engorda da faixa de areia. Dessa vez, o enrocamento será feito com a utilização de blocos de concreto ao invés de pedras. Em 2014, já haviam sido instalados dois quilômetros de pedras para proteção do calçadão que passava por processo de erosão com o avanço do mar. O lixo, ratos e baratas escondidas entre as pedras também têm contribuído para aumentar os índices de contaminação. Já a segunda etapa da obra é a engorda da faixa de areia, que vai começar nas proximidades do Morro do Careca. Para fazer o aterramento, serão transferidos um milhão de metros cúbicos de areia da praia de Areia Preta.

Orientei um trabalho de uma aluna da microbiologia que identificou uma quantidade enorme de fungos patogênicos, ou seja, a areia da praia de Ponta Negra é extremamente contaminada por fungos, inclusive, fungos oportunistas que causam infecções em pessoas mais debilitadas. Quando vemos uma criança brincando na areia e ela bota a mão na boca, os pais nem sabem, mas ela está se contaminando. Além da questão visível, há uma problemática da contaminação biológica da água e mais ainda da areia, o que é gravíssimo. Em Ponta Negra, antes do enrocamento, cataloguei junto com a equipe de alunos, 22 ligações clandestinas de água servida sendo lançadas no mar.”, relata Maria Christina Araújo.

Como a professora da UFRN adiantou, a contaminação é causada, principalmente, por ligações de esgotos clandestinos, que também foram observadas em outras praias, tanto de Natal quanto de outras cidades.

Várias praias do litoral de Natal e outros municípios sofrem com a descarga de esgoto e área servida. São aquelas línguas negras, aqueles prolongamentos escuros que desaguam no mar. Pirangi do Norte tem várias. Temos uma praia de Genipabu que é linda e aos domingos recebe uma quantidade enorme de pessoas que levam de tudo para a praia e vão embora deixando absolutamente tudo também, inclusive uma quantidade de lixo assombrosa. Não existe um cuidado, um planejamento. Somos um estado que tem muita dependência do turismo costeiro e quando você deixa de cuidar das praias como espaço público que deve ser saudável, compromete a saúde da população e a economia, alerta Maria Christina Araújo.

Ao todo, serão gastos cerca de R$ 75 milhões para recuperar esse trecho da orla de Natal. Um alto volume de recursos, na avaliação da professora do Departamento de Oceanografia e Limnologia da UFRN, para resolver um problema pontual concentrado em um só lugar.

“Se prioriza uma obra desse porte, sem por outro lado, ter um cuidado com outros problemas que ocorrem. É muito dinheiro para uma única praia e que ainda podemos ter problemas depois, mas é uma opinião particular minha. Claro que teremos um ganho social, não quero que fique a impressão que sou contra. Mas, também vamos ter que pagar um pouco com os impactos que virão”, comenta a professora do Departamento de Oceanografia e Limnologia da UFRN em referência às consequências que podem resultar da obra, como alteração da dinâmica marinha. Ela ainda critica os gastos frequentes necessários para manutenção desse tipo de obra, resultante da ocupação irregular de um espaço que deveria ter sido respeitado para o movimento natural de avanço e recuo da maré.

“É dinheiro em cima de dinheiro sendo gasto para tentar conter um problema que vem desde a ocupação irregular. É aquela história do cachorro correndo atrás do rabo”, critica Maria Christina Araújo.

Obra de enrocamento feita em 2014 com pedras na praia de Ponta Negra I Foto: Alex Régis/ Prefeitura de Natal
Exemplo de enrocamento com blocos de concreto I Foto: divulgação

As mais quentes do dia

Apoiar Saiba Mais

Pra quem deseja ajudar a fortalecer o debate público

QR Code

Ajude-nos a continuar produzindo jornalismo independente! Apoie com qualquer valor e faça parte dessa iniciativa.

Quero Apoiar

Este site utiliza cookies e solicita seus dados pessoais para melhorar sua experiência de navegação.