PEC pode privatizar ‘terrenos de marinha’ em praias; entenda
A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado debate nesta segunda-feira (27) a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3/2022. A matéria transfere, por meio de pagamento, os chamados terrenos de marinha aos seus ocupantes particulares. A transferência ainda é feita de modo gratuito quando os terrenos são ocupados por estados ou municípios.
Os terrenos de marinha correspondem a uma faixa de 33 metros na costa marítima brasileira, medidos a partir da Linha do Preamar Média (LPM) — que considera as marés máximas do ano de 1831 — até o continente.
Segundo o governo federal, esse ano foi tomado como referência para dar garantia jurídica às demarcações, pois, caso contrário, o terreno de marinha poderia avançar cada vez mais para dentro do continente, ou das ilhas costeiras com município, tendo em vista o avanço das marés ao longo dos anos. Além das áreas ao longo da costa, também são demarcadas as margens de rios e lagoas que sofrem influência de marés.
Segundo a PEC 3/2022, os terrenos de marinha continuam sob o domínio da União quando utilizados por concessionárias e permissionárias de serviços públicos e unidades ambientais federais, além das áreas não ocupadas, e são transferidos gratuitamente se estiverem sob ocupação de estados ou municípios.
Por outro lado, passam ao domínio pleno dos foreiros e dos ocupantes regularmente inscritos no órgão de gestão do patrimônio da União até a data de publicação da Emenda Constitucional (caso o texto seja aprovado).
Quem tenha feito ocupação irregular também pode pagar para ter a posse do terreno, desde que a ocupação tenha ocorrido pelo menos cinco anos antes da data de publicação da Emenda Constitucional e seja “formalmente comprovada a boa-fé”. O texto da Câmara dos Deputados recebeu parecer favorável do relator Flávio Bolsonaro (PL-RJ).
No início deste mês, o Observatório do Clima — uma coalizão de organizações da sociedade civil brasileira para discutir mudanças climáticas — elencou um “pacote da destruição” que ameaça direitos socioambientais, e citou a PEC 3/2022. Para o Observatório, a proposta consolida ocupações em terrenos de marinha sem as cautelas necessárias com relação à importância dessas áreas, “que inclusive poderão ser diretamente afetadas pelo aumento do nível do mar”; pode consolidar ocupações instaladas de forma totalmente inadequada; e atende os interesses dos grandes empresários do turismo.
Já no ano passado, foi a vez do Observatório das Metrópoles manifestar sua posição contrária à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3 de 2022. Este observatório é um Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) sediado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Para o grupo de pesquisa, a PEC “cria condições para que esse patrimônio seja destruído, na medida em que pode extinguir o instituto dos terrenos de marinha, possibilitando a sua entrega gratuita ao interesse privado, sem nenhuma contrapartida ao interesse coletivo quanto ao uso e ocupação desta parte do território nacional.”
De acordo com o Observatório das Metrópoles, a existência dos terrenos de marinha vem desde as primeiras leis criadas no Brasil quando o país conquistou sua soberania como nação, momento em que esses territórios foram constituídos como domínio da União. O grupo explica que, em sua origem, essa regulação tinha fins militares, mas ao longo da história se transformou em instrumento de fundamental importância na garantia do interesse público no uso e ocupação da faixa costeira das cidades brasileiras.
“Com efeito, tem servido como ferramenta para a proteção dos territórios das comunidades caiçaras, por meio do Termo de Autorização de Uso Sustentável (TAUS), para a construção de conjuntos habitacionais populares, para a garantia da moradia de ocupações de interesse social por meio da regularização fundiária, para a salvaguarda do livre acesso às praias e para a proteção ambiental de mangues e restingas, entre outras áreas sensíveis”, aponta.
Em 2022, a proposta que retira a propriedade exclusiva da União sobre terrenos de marinha já havia sido aprovada na Câmara dos Deputados. A votação teve dois turnos e, na segunda votação, recebeu 389 votos a favor e 91 contra. Da bancada potiguar, somente Natália Bonavides (PT) foi contrária.
Walter Alves (MDB), João Maia (antes no PL, hoje no PP), Beto Rosado (PP), Carla Dickson (ex-PROS, atualmente no União Brasil), General Girão (então no PSL, hoje no PL) e Benes Leocádio (ex-Republicanos, hoje no União Brasil) apoiaram a proposta. Rafael Motta, então no PSB, não esteve na votação.
Orla de Natal
A discussão sobre a privatização dos terrenos de marinha acontece no mesmo momento em que tramita na Câmara Municipal de Natal um projeto enviado pelo prefeito Álvaro Dias (Republicanos) para regulamentar a ocupação das Áreas Especiais de Interesse Turístico Paisagístico (AEITPs).
Em Natal, são cinco dessas áreas que, com a regulamentação, vão poder ter prédios de até 65m. Para as demais áreas, que não são AEITP, o máximo permitido para toda a cidade é de 140m.
Para a AEIPT 1, referente à orla de Ponta Negra, o gabarito se mantém em 7,5m. Na Via Costeira, a altura máxima permitida será de 15m. Na Orla Central (Praias do Meio, dos Artistas e do Forte), o gabarito máximo de altura permitida é de 21m na primeira quadra, 27m na segunda quadra, e 60m na terceira quadra em diante — quanto mais próximo da praia, menor a altura. Já na Praia da Redinha, o gabarito é de 30m e, nas Dunas do Guarapes, 7,5m.
O coletivo Salve Natal ainda lançou um abaixo-assinado contra o projeto de lei. A principal justificativa que o coletivo aponta para lutar contra a verticalização da orla da capital é a preservação do meio ambiente, um debate que tem sido cada vez mais frequente após as fortes enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul. Vale lembrar que, no estado gaúcho, foram diversas as flexibilizações em normas voltadas a preservar o meio ambiente promovidas pela gestão do governador Eduardo Leite (PSDB).
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