Futuro é sonho que se faz a muitas mentes

Por que sonhamos? Para que sonhamos? Há quem diga que sonhos nos transportam para espaços paralelos, realidades e universos que confluem e interagem. Há quem diga que não passam de atividades aleatórias, e que qualquer credo associado não passa de perda de tempo. Mas pelo tempo, há muito tempo mesmo, a humanidade associa a arte de mirar sonhos ao desejo de observar o futuro, até mesmo desejar, controlar... oráculo? Será?

Mais que um oráculo determinístico, o prof. Sidarta Ribeiro tece um convincente argumento embasado por muitas décadas de pesquisas em sua obra, O Oráculo da Noite. Argumenta que os sonhos seriam sim oráculos, mas não determinísticos, revelando futuro traçado e imutável; mas sim probabilístico, ilustrando em realidade virtual personalizada futuros possíveis a serem explorados e treinados pelos sonhadores. Mais que uma adivinhação, uma análise combinatória de memórias relacionadas a temas que nos preocupam naquele dia.

Imagine uma pessoa que foi assaltada ao retornar para casa. Ela retorna em seu pesadelo naquele espaço, observa de novo o cenário, seus detalhes, em tempo, e tem ali a oportunidade de explorar novas estratégias de fuga, de luta, enfrentamento, evitação, enfim. Ali, em sono, sua mente promove a repetição segura do evento, mas com atenuação da emoção impactante que tanto desconfortou, causou na vigília. Sua mente metaboliza essa memória aversiva, excretando a emoção que paralisa e aprendendo com a memória do significado do evento, ajudando o sonhador a superar o dito trauma (palavra que por um acaso em alemão significa sonho).

No momento peculiar em que nos encontramos, estamos todos metabolizando esse trauma coletivo. Medo de contaminação, doença, morte. Tristeza e raiva. Temas para sonhos pandêmicos que nos levam a treinar novas formas de viver com maior distanciamento social, melhores estratégias de limpeza. Identificamos alguns desses sinais em voluntários saudáveis já no primeiro mês após as medidas de isolamento social, e seguimos investigando as consequências oníricas de conviver com esse novo vizinho, o COVID19, sem mencionar na crise financeira, política e moral que esfacela parcelas da sociedade que decidem negar a realidade em busca de validação da sua ultrapassada ideia de poder.

Sim, no Brasil, mais que nunca, uma pandemia trouxe à tona os traumas da sociedade. As reparações nunca feitas àqueles que construíram esse país com seu trabalho escravo, àquelas que cuidam caladas sem oportunidades de sonhar outros caminhos, expondo o preconceito que mata parcelas inteiras da juventude. Revela a cultura cruel do descaso à vida. Da naturalização da violência. Do apagamento da nossa história, dos nossos ancestrais, do nosso berço verde secular.

E como dói sangrar a Amazônia! É dor que acorda, desperta, conclama. Nosso passado sangra, nosso presente perece, mas nosso futuro revela-se nos nossos sonhos. Sonho em coletivo, sonho de futuro, projeto de país. Junto minha voz ao coro de muitos, como Eliane Brum, no Movimento Liberte o Futuro. Que essa mensagem chegue aos artistas, aos músicos, aos de bom humor. Aos que dominam a literatura e as ciências. Aos que examinam números e formas. Aos que cuidam, e aos que ainda não se encontraram. O futuro é nosso! Precisamos de todas as mentes sãs, todas as esperanças vivas, todas as canções e todas as expressões possíveis que comuniquem um futuro construído agora em nosso sonho coletivo. Não precisamos abraçar o traço marcado pelo passado de sangue, temos chance. E nossa chance é agora, de trazer ao consciente nosso futuro de nação diversa, que celebra a cultura com alegria e reverencia os nossos ancestrais, que é curiosa de toda nossa história e cuida da potência da nossa juventude.

Bons sonhos a tod@s! Encontro vocês em nosso futuro...