Carnaúba dos Dantas e Venha-Ver: como a polarização política se expressa no interior do Rio Grande do Norte
Natal, RN 11 de mai 2024

Carnaúba dos Dantas e Venha-Ver: como a polarização política se expressa no interior do Rio Grande do Norte

17 de setembro de 2022
10min
Carnaúba dos Dantas e Venha-Ver: como a polarização política se expressa no interior do Rio Grande do Norte

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Fernando Azevêdo e Karen Souza

No interior do Rio Grande do Norte, dois municípios são exemplares da tão falada polarização política e suas contradições, a partir da eleição presidencial de 2018.

De um lado, Carnaúba dos Dantas, no Seridó, único município fora da região Metropolitana que deu maioria de votos ao presidente eleito, Jair Bolsonaro (PL), pelo extinto PSL, com 50,12%, se somando apenas a Natal (52,98%) e Parnamirim (59,96%) nessa preferência.

Do outro, Venha-Ver, no Oeste Potiguar, responsável no estado pela maior porcentagem de votos para o candidato do PT, Fernando Haddad, com 92,45%. Em outros três municípios potiguares Haddad atingiu mais de 90% dos votos válidos: Marcelino Vieira (91,02%), Paraná 91,71% e Água Nova (90,75%).

Posicionamento de lideranças políticas e religiosas locais e identificação de determinadas comunidades com pautas sociais e econômicas podem ser elementos decisivos nesses resultados, apontam especialistas.

No ano em que Bolsonaro foi eleito presidente em 16 estados - nenhum deles nordestino -, 5.687 pessoas compunham o eleitorado de Carnaúba dos Dantas, enquanto 3.373 pessoas estavam aptas a votar em Venha-Ver.

Carnaúba tem uma população estimada de 8.297 habitantes e é conhecida por ter em suas terras o Castelo Di Bivar. Venha-Ver é o lar de 4.232 habitantes e também do ponto mais alto do estado, a Serra do Coqueiro.

Ambos os municípios, de acordo com o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, apresentam um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) médio: Venha-Ver, de 0,555, e Carnaúba dos Dantas, 0,659. Ainda de acordo com o Instituto, em 2020, os trabalhadores formais de Venha-Ver recebiam em média 2,3 salários mínimos mensalmente, enquanto as pessoas empregadas formalmente em Carnaúba dos Dantas recebiam 1,3 salário mínimo por mês. Em 2010, foi apurado ainda que a taxa de escolarização de pessoas entre 6 e 14 anos era de 98,8% em Venha-Ver. Já em Carnaúba dos Dantas, a taxa esteve em 97,8%.

Carnaúba dos Dantas elegeu Bolsonaro, mas também consagrou a primeira vereadora trans do RN

A cidade do interior potiguar que elegeu o presidente de extrema-direita foi a mesma que entrou para a História em 2020, fazendo a primeira vereadora trans do estado, Thabatta Pimenta (PSB), eleita pelo PROS.

Foto: Reprodução Facebook

A vereadora enxerga no fato uma grande mudança, mas alerta que ainda existe "politicagem" enraizada em Carnaúba dos Dantas, muitas vezes importando mais os interesses pessoais que os coletivos.

"Acho que desde a primeira vez que eu me coloquei como opção para mudar essa política, principalmente a do interior, a gente teve uma grande mudança. Ela se refletiu quando eu fui eleita a primeira mulher trans da história do Rio Grande do Norte, de Carnaúba dos Dantas… Mas a gente tem que avançar muito ainda porque quem comanda a cidade são os empresários, né?", avalia Thabata, que já havia se candidatado a vereadora em 2016, pelo PSDB, e em 2022 concorre a uma vaga na Câmara dos Deputados.

O município tem na cerâmica, no comércio e nas indústrias de massas sua maior fonte de economia. O atual prefeito é Gilson Dantas, do MDB.

"Quando o Bolsonaro ganhou lá, foi um absurdo. E dois anos depois, veio a eleição, tendo a primeira mulher trans [eleita] do RN, vinda de Carnaúba dos Dantas. São dois pontos totalmente diferentes, mas mostrou que nesses dois anos eu continuei fazendo o meu trabalho, conversando como realmente deve ser a política. E eu acho que isso teve um avanço, sim, mas tem muito chão ainda pela frente, e a gente precisa mudar muito isso ainda".

A vereadora carnaubense conta que, nas eleições de 2016, concorreu de forma quase independente, sob muita resistência dos partidos.

"Senti o preconceito em si da classe política. Porque na minha primeira candidatura, todos foram contra mim, não me queriam nos partidos políticos [...]. Fui das candidatas mais votadas da minha cidade, só não entrei por causa do coeficiente eleitoral", desabafa.

Thabatta avalia seu mandato no legislativo como representativo. "Acho que esse mandato tem sido, além de tudo, representativo, e mostra que a sociedade precisa avançar muito mais e dar oportunidade a essas pessoas que querem realmente fazer para todos os que precisam", defende.

Fenômeno

Foto: acervo pessoal

Doutor em Ciências Sociais e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Daniel Menezes considera que “é preciso saber o que aconteceu em Carnaúba dos Dantas, mas provavelmente ou possivelmente, isso tem alguma relação com a atuação muito forte de algum candidato local ou de alguma liderança local no sentido de atrair para o voto em Bolsonaro”.

O docente exemplifica com o que ocorreu em Parnamirim, cidade com muitos evangélicos e que deu a Bolsonaro quase 56 mil votos (59,96% dos válidos) no segundo turno. A liderança religiosa pode ter sido um fator decisivo nesse resultado, pois Bolsonaro é forte entre esse eleitorado, avalia.

A respeito da capital potiguar, que também garantiu vitória a Bolsonaro, com cerca de 220 mil votos (52,98% dos válidos), a explicação é semelhante. “Em Natal, a agenda da violência tem mais impacto; a agenda da insegurança na cidade, no espaço urbano [...]. Possivelmente, além de uma diferença na forma como essas cidades estão estruturadas do ponto de vista econômico, Bolsonaro desenvolveu agendas que têm mais apelo para esses eleitores”, pontua Daniel Menezes.

Venha-Ver: cidade apoiadora do PT elegeu prefeito do PL

A 211 quilômetros de Carnaúba dos Dantas está Venha-Ver, município que foi, entre os 164 que elegeram Fernando Haddad, o que obteve maior porcentagem no segundo turno. Apesar da expressiva votação para o candidato do PT à Presidência, dois anos depois, o município elegeu o prefeito Cleiton Jácome, do PL de Bolsonaro.

Nas eleições 2022, o prefeito apoia Fábio Dantas (Solidariedade) para governador; Rogério Marinho (PL) para o Senado; Dr. Kerginaldo (PSDB), que é candidato a deputado estadual; e João Maia (PL), na disputa de uma vaga na Câmara Federal.

Imagem: Reprodução Instagram

Na opinião do advogado Dulceny Chaves, que tem como cliente o ex-prefeito Célio Pinicapau (MDB), não reeleito em 2020, a população do município declara ter preferência entre os candidatos independente da legenda e, por isso, não houve influência direta dos representantes locais sobre o voto para a escolha do presidente.

“Nas eleições de 2018, não tinha, particularmente, nenhum político pedindo votos para presidente”, lembra o advogado.

Ele defende que a população mostra um posicionamento favorável ao PT graças aos programas sociais criados durante os governos de Luiz Inácio Lula da Silva. Dulceny Chaves diz, ainda, que muitos moradores só conseguem ter renda fixa por meio de programas assistenciais e auxílios. O relato dialoga com dados do Ministério de Desenvolvimento Social (MDS), obtidos em 2018, que apontam 1.192 famílias venha-verenses inseridas no Cadastro Único, das quais 670 recebiam auxílio do Programa Bolsa Família.

"O eleitor, de forma geral, age através de atalhos informacionais de uma forma racional. Ele procura votar naquele candidato que irá potencializar os seus interesses", afirma o professor Daniel Menezes, explicando além da preferência pelo candidato petista em Venha-Ver, o fenômeno de nenhum estado do Nordeste escolher majoritariamente Jair Bolsonaro. O docente argumenta que o presidente não construiu uma agenda voltada à população pobre do país, predominante na região Nordeste, conforme dados do IBGE divulgados em 2020.

A população de Venha-Ver é concentrada majoritariamente na área rural do município. Cerca de 1.567 pessoas são economicamente ativas, com maioria concentrada no setor de serviços, totalizando 93,2% do Produto Interno Bruto (PIB), e 4,5% relacionado às atividades de agropecuária.

A controvérsia entre as votações em Venha-Ver demonstra que as eleições não seguem uma lógica vertical, conforme explica Daniel Menezes.

Segundo o professor, as pessoas não votam, necessariamente, em candidatos do mesmo partido. “O eleitor raciocina em termos de redes de contato ou de lógica locais que vão se sobrepondo. Ele pode ter uma ligação no seu bairro com um determinado vereador que não é de esquerda e votar no candidato a presidente de esquerda”, justifica. “Então ele pode votar em alguém do PL para deputado, por exemplo, e votar para presidente em alguém de esquerda. Isso pode acontecer e comumente acontece”, comenta.

Foto: Nelson Jr./ ASICS/TSE

“Fake news” figuram entre os assuntos mais comentados das eleições

Nas eleições de 2018, as agências de checagem de fatos tiveram um trabalho ainda mais intenso. A prática se tornou essencial para o combate à desinformação. Nas redes sociais, a propagação de fake news era ainda mais comum e não mudou até 2020, como apontado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que mostra o Whatsapp como principal mídia em que circulavam informações falsas sobre covid-19.

Nas campanhas eleitorais do interior não era muito diferente, como se percebe na fala de Thabatta Pimenta: “Ah, fake news foram muitas, de vários tipos”.
Mas, de acordo com Dulceny Chaves, a disseminação de notícias falsas é menor nas cidades menores. “Às vezes se propagam notícias falsas para ver se consegue almejar alguma coisa, mas nas eleições municipais não acontece tanto quanto nas eleições gerais”, relata.

Perspectivas das eleições de 2022: as intenções de votos

No mês de agosto, o Instituto IPEC, ex-Ibope, divulgou uma pesquisa de intenção de votos que estipula que, no RN, Lula tem 59% das intenções de votos, enquanto Jair Bolsonaro tem 25%. Os demais candidatos são Ciro Gomes (PDT), com 7%, Simone Tebet (MDB), com 1% e Leo Péricles (UP), também com 1%. O restante da porcentagem é composto por 5% de votos brancos/nulos e 2% de pessoas que não responderam ou não souberam opinar. A pesquisa ouviu 800 potiguares e foi realizada em parceria com a InterTV Cabugi.

Esta reportagem é fruto do projeto "Educação e jornalismo: ocupando o vazio de notícias do RN", financiado pela Meta através do programa International Center for Journalists (ICFJ).

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