Eu não gosto de Carnaval
Natal, RN 27 de abr 2024

Eu não gosto de Carnaval

14 de fevereiro de 2023
5min
Eu não gosto de Carnaval

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Mentira. Como sentenciaria Chico Buarque no final da canção "Samba do grande amor", letra brilhante onde ele desdiz no final o que afirma inicialmente. Quem me conhece sabe que apesar de não ter samba no pé e ter recebido de deus o gingado de um bloco de granito, eu adoro a folia momesca, em (quase) todos os seus aspectos. Já passei carnaval no Rio, Recife, Olinda, até mesmo em Macau, e só me falta ir a Salvador para fechar o bingo de folião nota 1000. Mas desde 2007 passo sistematicamente o carnaval em Natal, por razões que vão desde o comodismo (às vezes liseu também) até a vontade de prestigiar blocos de amigos e atrações cada vez melhores que vem à capital potiguar. Até a pandemia obrigar os cancelamento das festas de 2021 e 2022, foram 14 anos seguidos curtindo religiosamente (ops) no sábado de carnaval o bloco Poetas, Carecas, Bruxas e Lobisomens, em Ponta Negra, e no domingo, o desfile das Kengas, no Centro. Fora as incursões aos bloquinhos de amigos, conferir os Cão na Redinha, Banda do Siri, Baiacu na Vara e alguns outros cuja memória me falta.

Esse preâmbulo todo e com um título provocativo que não condiz com meus gostos justamente para chegar em um ponto: acho sempre estranho quando pessoas usam das redes sociais ou da mídia para declararem em alto e bom som que não gostam de carnaval. Não que sejam obrigadas a amar a festa momesca, longe de mim impor minha vontade (ou a vontade coletiva) a quem quer que seja. Mas merece uma atenção tanto a necessidade de pessoas externarem que não gostam de certa coisa (fenômeno onipresente nas redes sociais) como estudar o fato de que muita gente não compreende o carnaval nos aspectos de identidade cultural e enquanto motor econômico.

Vamos por partes. Sobre o desabafo puro e simples que leio frequentemente, entendo que muita gente associe o carnaval a multidão, barulho, histeria, excesso de álcool etc. E que, por esse conjunto de razões, não tenha vontade nenhuma de sair do conforto do lar rumo à folia. O que tenho dificuldade em compreender é a necessidade atual de expor tal falta de vontade. Como fez o atual secretário de Cultura de Santa Catarina, Rafael Nogueira, bolsonarista e historiador (!!!) que escreveu no Twitter há algum tempo que o carnaval, cuja festa no estado está sob seu comando, era “uma bela merda”.. Segundo a criatura, “começa o Carnaval e vai todo mundo correndo, com igual ou maior desespero, trocar fluídos e pega herpes, gonorreia, sífilis, Aids”.

Não que as pessoas que eu conheço se manifestem com tal ódio e agressividade. Mas por que uma pessoa escreve "Eu não gosto de carnaval". Eu, particularmente, não gosto da festa de natal. Mas entendo a importância afetiva e mesmo social que ela tem para milhões de pessoas. Também não gosto de basquete, de Fórmula 1, de UFC nem do refrigerante Guaraná. Não gosto de Mc Donald´s nem de filmes da Marvel. Pronto, disse agora e em um texto que analisa justamente esse assunto. Por que eu teria que externar o que não gosto a cada corrida, a cada festa, a cada jogo da NBA, a cada lançamento dos Vingadores?

Até porque tudo isso que citei gera uma cadeia sócio econômica que movimenta muito dinheiro, gera empregos diretos e indiretos e por vezes afeita na autoestima e identidade de um povo ou um grupo de pessoas. Na verdade, como acontece com o carnaval. Para além da folia, das músicas (antigas ou atuais), dos adereços, existe todo um mecanismo em volta. Equipes de produção de técnicos para montar palcos, ambulantes que vendem cerveja, refrigerante e água, barracas de comida, rede hoteleira e de motéis, motoristas de uber e táxi, e ainda o comércio em geral, que vende muito mais, de bebida a tecido para fantasias, nos dias que antecedem a festa momesca. Ou seja, um grupo imenso de pessoas depende da festa de carnaval para equilibrar as contas ou juntar dinheiro para fazer alguma coisa. A festa gera milhões de reais para prefeituras, estados e pessoas diretamente envolvidas na folia. Por mais que o nada ilustre secretário de Santa Catarina ache a festa uma merda - o que é um direito dele - há que ter a compreensão da importância da mesma.

Todos nós, cidadãos e cidadãs, internautas, podemos também ter essa compreensão. Que quem não goste de carnaval viaje para uma praia isolada ou se tranque em casa com pizzas e Netflix. Da mesma forma que quem não curte UFC ou NBA, também não é obrigado a assistir lutas e partidas. Sei que rede social é espaço livre e democrático e que cada um tem direito de externar sua opinião - amores e ódios - na hora que quiser. Mas também podemos todos exercer a empatia para com quem gosta de algo que não gostamos, sem precisar destilar bilis no Twitter, Facebook ou Instagram. Quanto a mim, encerro esse texto como comecei, com outra citação de música de Chico Buarque: "Tô me guardando pra quando o carnaval chegar"

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