Ilegal, imoral ou engorda
Natal, RN 4 de mai 2024

Ilegal, imoral ou engorda

21 de abril de 2024
5min
Ilegal, imoral ou engorda
Imagem: Arquivo do Observatório das Metrópoles

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Cláudio Roberto de Jesus – Sociólogo, professor do Instituto de Políticas Públicas – UFRN
Sara Raquel Fernandes Queiroz de Medeiros – Geógrafa, professora do Instituto de Políticas Públicas – UFRN

Vivo condenado a fazer o que não quero
então bem-comportado às vezes eu me desespero.
Se faço alguma coisa sempre alguém vem me dizer
Que isso ou aquilo não se deve fazer.
” (Erasmo Carlos)

A economia informal é um fenômeno enraizado na cultura brasileira, decorrente de nossa formação social. Segundo o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial – ETICO, aproximadamente 17,8% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro corresponde ao que é denominado de economia subterrânea. Esse tipo de atividade engloba transações não declaradas ao poder público, abrangendo desde o comércio informal até atividades ilícitas. Conforme apontado pelo instituto, a informalidade “cria um ambiente de transgressão, estimula o comportamento econômico oportunista, com queda na qualidade do investimento e redução do potencial de crescimento da economia brasileira”. Contudo, é importante destacar que essa afirmação reflete apenas parcialmente a realidade, pois não considera a complexidade do cenário brasileiro e tende a criminalizar uma parcela significativa da população trabalhadora.

Tão importante quanto saber o tamanho da economia informal e os efeitos danosos nos cofres públicos e no livre mercado, é compreender o que empurra uma massa enorme de trabalhadores para atividades precárias, desprovida de vínculos trabalhistas e proteção social. Essas são pessoas que, deixadas à própria sorte, procuraram se virar para sobreviver em uma sociedade elitista, carente de oportunidades de trabalho digno e de justiça social.

A colonização brasileira foi marcada por um regime de escravidão bárbara e sujeição da dos trabalhadores livres aos desmandos dos senhores de engenho. A abolição da escravidão, sem uma política de compensação das injustiças causadas, só fez perpetuar e cristalizar as desigualdades sociais ao longo do processo de urbanização e industrialização do século XX. Nas grandes cidades cresceram e se desenvolveram com uma capacidade limitada de incorporar a maioria dos trabalhadores em suas atividades principais. A história da urbanização brasileira precisa ser contada sob a ótica daqueles que lutaram para sobreviver à margem dos ciclos de desenvolvimento e crises econômicas.

É importante notar que estamos constantemente transitando entre o formal e o informal, o legal e o ilegal, o regular e o irregular - desde as ações no trânsito até as transações comerciais de alimentos, insumos e vestuário, assim como na ocupação do espaço urbano. Esse padrão não se limita às populações de baixa renda. A irregularidade urbana no Brasil afeta significativamente todas as faixas de renda. Por exemplo, em 2019 o antigo Ministério das Cidades apontou que mais de 50% das construções em grandes cidades são consideradas irregulares. Encontramos irregularidades nos títulos de propriedade, nos padrões de ocupação e até mesmo nas calçadas.

Surpreendentemente, até o próprio Estado, responsável pela ordenação do território, contribui para a irregularidade, seja diretamente ou indiretamente. Um exemplo disso é a habitação social. Enquanto alguns conjuntos habitacionais construídos nas últimas décadas passam por processos de regularização, as normas de uso e ocupação dos novos empreendimentos do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) muitas vezes desconsideram as necessidades sociais e econômicas dos moradores, proibindo o uso misto (residencial e comercial) nas unidades habitacionais. Ao visitar esses empreendimentos do PMCMV, é comum encontrar estratégias de geração de renda que se baseiam na casa como um importante ativo econômico em tempos de crise.

Práticas que ignoram tais vulnerabilidades sociais e econômicas perpetuam um cenário de exclusão, baseado em normativas que são difíceis de serem cumpridas dentro da realidade da maioria dos trabalhadores assalariados no Brasil. Por exemplo, os custos para regularizar um imóvel, incluindo registro e escritura, chegam em média a 8% do valor da transação imobiliária. Esses valores podem ser verificados no Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB).

Outra ponderação importante a se fazer, é que os trabalhadores urbanos assalariados conquistaram direitos e condições de trabalho relativamente boas, principalmente em relação ao trabalho rural. No entanto, o trabalhador assalariado sempre sofreu com baixa remuneração e estabilidade precária. A informalidade, para muitos, foi e ainda é uma necessidade em termos de sobrevivência. Para outros, uma alternativa às baixas remunerações do mercado formal.

Sob essa ótica, as diversas manifestações da economia informal, podem ser compreendidas como formas de sobrevivência e resistência a economia de mercado predatória que predomina no Brasil. Também expressa o acesso desigual a bens e direitos em nossa sociedade. Importante destacar que a informalidade é um conceito impreciso e é usado para designar atividades do comércio varejista, prestação de serviços, trabalho assalariado sem registro formal e pequena produção doméstica. A informalidade abarca ainda uma série de outras atividades e relações sociais, inclusive na forma de apropriação do espaço.

A realidade revela não apenas a necessidade de políticas públicas mais inclusivas e eficazes, mas também a importância de se compreender as dinâmicas sociais e econômicas que perpetuam e criminalizam a informalidade em nosso país.

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