Pelos menos 1 em cada 10 mulheres infectadas durante a gestação pelo vírus da zika, tiveram bebês com algum tipo de anomalia, sendo 4% delas, a microcefalia. A conclusão é resultado de um estudo realizado com pesquisadores de 26 instituições brasileiras e publicado esta semana na revista The Lancet Regional Health – Americas.
O levantamento é considerado o maior e mais abrangente já realizado até aqui no Brasil, com análise de meta-dados. Para a pesquisa, foram analisadas informações de 1.548 gestantes das quatro regiões de maior incidência da doença: o Nordeste, Norte, Centro-Oeste e Sudeste.
No Rio Grande do Norte, assim como no restante do país, houve um estouro de casos de microcefalia em 2015 – ano em que o Ministério da Saúde declarou estado de emergência nacional – quando foram registradas 406 notificações no RN, sendo que apenas cinco foram confirmadas como sendo resultantes do zika vírus.
O baixo número de casos de microcefalia por zika no estado é resultado da falha no processo de investigação realizado pelas regionais de saúde, de responsabilidade tanto do estado quanto dos municípios.
“A investigação fica a cargo dos agentes notificadores. O que aconteceu é que muitos notificam e esqueceram de concluir a investigação. Todos os meses pedimos a atualização dos dados. Outra coisa é que essas crianças nascem com uma expectativa de vida muito baixa e quando elas morrem, as unidades não têm a obrigação de concluir a investigação”, explica Humberto Tavares, que integra a equipe técnica do Programa Estadual das Arboviroses da Secretaria de Estado da Saúde Pública (Sesap).
Além da zika, a microcefalia também pode ser causada por outras doenças que venham a acometer a mulher durante a gestação, como HIV, sífilis, toxoplasmose, citomegalovírus (vírus da família da Herpes) e a rubéola que, assim como a zika, causam má formação do sistema nervoso central do feto, fendas palatinas, entre outras anomalias.
O Rio Grande do Norte teve em 2014 seis casos confirmados de microcefalia por zika em recém-nascidos. Em 2015, quando houve o boom de casos em todo o Brasil, foram confirmados apenas cinco casos no RN, número contraditoriamente menor do que no ano anterior. Já entre 2016 e 2020, houve apenas notificações, mas nenhum caso foi confirmado devido à falta de conclusão das investigações. Somente em 2021 houve a confirmação de um caso, outros dois foram confirmados em 2022 e, este ano, dois casos foram notificados até agora, sendo um em São José de Mipibu e outro em Monte Alegre.
A gestante pode ser infectada pelo vírus da zika em qualquer período da gravidez, mas o risco é maior no primeiro trimestre da gestação devido à formação dos túbulos neurais, entre outras coisas. Ao todo, 2,6% das grávidas infectadas podem desenvolver fetos com alguma síndrome congênita, segundo Humberto Tavares, da equipe técnica do Programa Estadual das Arboviroses da Sesap.
CASOS DE ZIKA NOTIFICADOS E CONFIRMADOS NO RN:
Notificações de microcefalia | Casos confirmados | Microcefalia por zika | |
2014 | 06 | – | – |
2015 | 406 | – | 05 |
2016 | 172 | – | – |
2017 | 31 | – | – |
2018 | 24 | – | – |
2019 | 17 | – | – |
2020 | 16 | – | – |
2021 | 09 | – | 01 |
2022 | 19 | – | 01 |
2023 | 02 | – | – |
Dados subnotificados I Fonte: Sesap
TREINAMENTO, REPELENTE E MEMORANDOS
No último trimestre, a Sesap distribuiu quase seis mil repelentes para as unidades regionais de saúde, para que sejam entregues às gestantes dos municípios. Além disso, o setor de Arboviroses da Sesap enviou um memorando às regionais de saúde pedindo informações sobre os técnicos responsáveis por inserir os dados no sistema. Muitos deles relatam dificuldade em utilizar a ferramenta digital e, por causa disso, a Sesap planeja fazer um treinamento com esse pessoal junto ao Ministério da Saúde.
“Estamos fazendo um levantamento do perfil desses notificadores junto aos núcleos de vigilância para saber quem são e quais os perfis utilizados no Registro de Eventos em Saúde Pública, que é o programa onde é feito o registro de todas as anomalias congênitas, não só por zika, mas por outras infecções acometidas durante a gestação”, detalha Humberto Tavares, da Sesap.
O SURTO
Apesar do zika vírus já ser de conhecimento de médicos e cientistas desde a década de 1950, não havia relato de surtos até 2007. Até hoje não se sabe como o vírus se espalhou, nem como surgiram os surtos da doença. Uma das explicações para o caso brasileiro é que o vírus tenha sido trazido para o país durante a Copa de 2014.
“Não tem uma explicação para esse boom de casos. O vírus era conhecido desde a década de 1950 na África, mas até 2007 não havia relato no mundo de surto. Em 2007, observamos surtos na África, América Central e Guianas. Em 2014, ano da copa, tivemos a região com vírus, a hipótese é de que pessoas tenham trazido o vírus, que se alastrou. Não sabemos se o vírus já existia no Brasil, mas, de toda forma, ele não resultava em doença. Uma coisa que precisamos ficar atentos é que os casos caíram consideravelmente nos anos seguintes, porém, as gestantes continuam expostas à doença”, alerta Nívia Maria Rodrigues Arraes, pediatra e professora do Dep. De Pediatria Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), que criou um grupo para fazer o acompanhamento médico, com equipe multidisciplinar, das crianças com microcefalia e suas mães no RN.
As crianças que nasceram com microcefalia durante o surto da doença observado em todo o país no ano de 2015, podem chegar aos 8 ou 9 anos em 2023. Porém, do grupo inicial de 70 a 80 crianças que eram acompanhadas pela equipe da universidade, restaram apenas 50. Algumas acabaram abandonando os tratamentos durante a pandemia da covid-19 e cerca de nove teriam morrido.
Essa é a primeira de uma série de reportagens sobre os efeitos do zika vírus no Rio Grande do Norte que a Agência Saiba Mais vai publicar a partir da próxima semana.