Extrema-direita e mídias digitais
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Extrema-direita e mídias digitais

21 de abril de 2023
11min
Extrema-direita e mídias digitais

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Nos últimos anos, tem se constatado o avanço global da extrema-direita em diversos países da Europa, África, Estados Unidos e Brasil, entre outros, assim como o uso político das mídias digitais, que tem sido cada vez mais presentes e ampliados e se tornado um terreno fértil para o seu ativismo.

Também tem sido objeto de pesquisas, análises e preocupação de diversos estudos como, entre outros, do cientista político holandês Cas Mudde, autor de diversos estudos, como The Ideology of Extreme Right (A ideologia da extrema direita), de 2002 no qual analisa o crescimento da extrema-direita na Europa e A extrema direita hoje (editora da UERJ, 2022). Ele define os movimentos de extrema direita como caracterizados por ter pelo menos três dos cinco componentes: racismo, xenofobia, nacionalismo, anti-democracia, e defesa de um estado ditatorial.

E também de organizações da sociedade civil como o Institute for Strategic Dialogue (ISD) (Instituto para o Diálogo Estratégico), criado em 2006 em Londres, com o objetivo de fazer pesquisas sobre ódio, extremismo e desinformação e servir também de instrumento de intervenções de governos e organizações da sociedade civil. É uma ONG independente, sem fins lucrativos e tem por objetivo “salvaguardar os direitos humanos e a inverter a crescente onda de polarização, extremismo e desinformação em todo o mundo”.

Constituído por pesquisadores, analistas digitais, especialistas em políticas de várias partes do mundo, tem analisado as diversas formas de expressão de extremismos e desinformação em alguns países e consideram a expansão da extrema direita como “um conjunto de ameaças em rápida evolução”. E um dos seus objetivos é justamente o de “repelir as forças que ameaçam a democracia em todo o mundo”.

Um dos relatórios mais recentes do Instituto para o Diálogo Estratégico resultou na publicação do estudo ‘The Fringe Insurgency – Connectivity, convergence e mainstreaming of the extreme right’,  que mapeia a geolocalização e o ecossistema de crescimento na Europa (diversos países, como Hungria, Polônia, França, Espanha, Itália e Portugal), e também em outros países fora da Europa como os Estados Unidos e Brasil e mostram que os grupos de extrema direita não agem de forma isolada: há uma articulação, colaboração e conectividade entre eles em distintos países.

Há iniciativas importantes no Brasil, como a criação, em 2020 do Observatório da Extrema Direita (OED) vinculado à Universidade Federal de Juiz de Fora e dedicado ao estudo das “novas dinâmicas de organização e ação e as novas manifestações da extrema direita contemporânea em nível nacional e mundial” e monitoramento de lideranças e movimentos de extrema direita.

E das formas mais eficazes de sua atuação são o uso das mídias digitais e das redes sociais em particular, que foi fundamental para a vitória eleitoral da extrema direita em 2018 no Brasil.

Manteve a mesma estratégia nas eleições de 2022, mas não teve o mesmo êxito. Foi derrotado nas urnas e, no entanto, mesmo perdendo as eleições, o rastro de ódio, mentiras, fake news, continuou, com o uso das redes digitais.

Em uma palestra realizada no dia 31 de março de 2023 na fundação Fernando Henrique Cardoso, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, afirmou que a extrema-direita “capturou” as redes sociais para atacar a democracia, salientando que o ataque massivo a democracia, não é uma especificidade do Brasil e que tem havido em muitos países o que ele chamou de uma “captura” pela extrema-direita das redes sociais com o objetivo de atacar a democracia e suas instituições.

Para ele, de forma muito competente, a extrema-direita “primeiro diagnosticou e depois capturou todas as redes sociais”, citando os Estados Unidos, especialmente com Donald Trump, no qual a extrema-direita se apoderou desses mecanismos, com a finalidade de destruir a democracia e o Estado de Direito, o que veio a ocorrer também no Brasil com a vitória de Jair Bolsonaro em 2018.

Ele destacou ainda que os ataques à imprensa, que ocorrem tanto nos Estados Unidos como no Brasil, antes, durante e depois das eleições (e derrota) dos dois ex-presidentes citados, faz parte das estratégias que atentam contra o Estado Democrático de Direito.

No dia 8 de janeiro de 2023, seguidores do ex-presidente Jair Bolsonaro, invadiram a sede dos três poderes em Brasília e cometeram atos de violência, diversos crimes, como a depredação, roubos etc., e a maioria dos que foram presos não moravam em Brasília. Como foram mobilizados (e financiados)? Fundamentalmente pelas redes sociais, da mesma forma, os acampamentos golpistas em frente aos quartéis e atos como os de 12 de dezembro de 2022 quando apoiadores do então presidente deflagraram uma série de atos de vandalismos em Brasília nos quais carros e ônibus foram danificados e incendiados (e ninguém punido).

Diversos estudos constatam que as grandes plataformas ajudam a promover a extrema direita e por um motivo conhecido dos pesquisadores da área: o que mais engaja a atenção das pessoas não é o amor, a solidariedade, a amizade, a justiça, a cooperação e solidariedade, mas o ódio, o “nós contra eles”, as conspirações paranóicas, as teorias da conspiração.

No artigo “O Entrincheiramento da extrema direita nas redes sociais”, publicado no site Nexo no dia 17 de julho de 2020, Marcelo Frullani Lopes afirma que as grandes empresas de tecnologia que administram redes sociais estão se sentindo pressionadas a alterar suas políticas de combate à desinformação e ao discurso de ódio e que a pandemia de covid-19 exerceu forte influência nesse sentido “em virtude da constatação de que notícias falsas ou distorcidas envolvendo a doença causam danos à saúde e à vida das pessoas”.

E como foi visto e constatado no governo de Jair Bolsonaro, ele não apenas pregava contra as vacinas e a ciência, como recusou em 2020, em plena pandemia, à oferta de 70 milhões de vacinas pela Pfizer, do Instituto Butantã e do consórcio Covax Facility. E ainda mais: uma reportagem de 14 de março de 2023 no jornal Folha de S. Paulo, revelou forçado pelas circunstâncias a comprar, houve uma perda de 39 milhões de vacinas da Covid-19 durante a pandemia e ainda mais grave, informa que foram incinerados medicamentos de alto custo para doenças raras e em torno de um milhão de canetas de insulina.

É fato conhecido e notório que o então presidente negava a gravidade da pandemia e aparecia, em vídeos, cumprimentando pessoas na rua, sem máscara e gerando aglomerações e divulgados nas redes sociais. Não por acaso, mesmo na época, muitos desses vídeos - e contas - dele, assessores e filhos - foram excluídos do Twitter, do Facebook e do Instagram, mas que não impediu a continuidade dos comportamentos e das mentiras.

Durante a pandemia, e não apenas no Brasil, a extrema direita usou as redes sociais para difundir o negacionismo que contribuíram para agravar os problemas da propagação do vírus, quer seja em relação às vacinas, quer quanto às medidas de distanciamento social, com notícias falsas sobre a origem do vírus, a eficácia de medidas recomendadas pela OMS (Organização Mundial de Saúde) e até mesmo propagando a existência de curas milagrosas e no caso do Brasil com medicamentos sem nenhuma eficácia no combate ao vírus como invermectrina e cloroquina (que o governo mandou produzir), entre outros problemas que se desdobraram, como o referido descarte de vacinas.

Esse processo foi continuação do que havia ocorrido na eleição presidencial de 2018 na qual Jair Bolsonaro, teve uma campanha inundada de desinformação, com o uso principalmente do Whatsapp. Não por acaso, em 2020, o Facebook anunciou a derrubada de uma rede de perfis e páginas falsos que estaria sob o comando de aliados dele e de seus filhos. A acusação era de que eles apresentavam um “comportamento inautêntico coordenado”, que feria os termos de uso da plataforma.

Nos Estados Unidos o Twitter inseriu avisos contra as mentiras de Trump em algumas de suas publicações, como colocar em dúvida a confiabilidade do voto pelo correio e de questionar as recomendações da OMS de que o distanciamento social era a principal forma de controlar a disseminação do coronavírus, entre outras (o histórico de mentiras de Trump está muito bem documentado e analisado por Michiko Kakutani no livro A morte da verdade: notas sobre a mentira na era Trump (Editora Intrínseca, 2018).

Mesmo com algumas medidas tomadas a partir de 2020 pelas plataformas para (tentar) coibir o uso de mentiras, discursos de ódio etc., como os exemplos citados, o fato é que não tem sido suficientes e uma das estratégias da extrema direita é migrar para outras plataformas, como ocorreu com a criação uma rede social chamada Parler (criada em 2018 pelo norte-americano John Matzer), que ganhou relevância nos Estados Unidos quando apoiadores de Donald Trump passaram a se inscrever nela, alegando que estavam sendo “perseguidos” pelas redes sociais tradicionais como Facebook e Twuiter e no Brasil também ganharam seguidores, a começar pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (e seus filhos). No artigo “Parler: rede social adotada por Jair Bolsonaro facilita circulação de fake news”, publicada no UOL no dia 13 de julho de 2020 Felipe Oliveira, afirma que a plataforma não se compromete em verificar os fatos “o que pode torná-la em grande foco de desinformação e fake news na web”.

As novas tecnologias têm um papel de diversificar as fontes de informação. As pessoas procuram outros tipos de produtores de informação - não mais apenas jornalística, mas muitos são vítimas de fontes que produzem não informação, mas propaganda política e discursos de ódio, desqualificação dos adversários políticos etc., e levam muitos acreditarem neles e não apenas isso: tornam-se eles mesmos propagadores dos conteúdos, em seus nichos, entre amigos, familiares etc. É sabido pelos especialistas que os algoritmos das redes sociais que a extrema direita usam formam “bolhas”, nichos nos quais as pessoas apenas acompanham opiniões semelhantes às suas e dela se alimentam e ajudam a propagar e se reforçarem.

No artigo Extrema-direta, mídias digitais e estetização da política: o que deixamos de ver? apresentado e disponível nos anais do XXX Congresso do Campós- Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, realizado na PUC-SP nos dias 27 a 30 de julho de 2021, Afonso Albuquerque e Rodrigo Quinan fazem uma revisão crítica da literatura acadêmica sobre o tema e afirmam que há uma falha em detectar a emergência da extrema direita organizada em rede. O enfoque é um estudo dos memes políticos e seus usos e concluem afirmando que “a estetização da política não são, em nenhum cenário, o caminho para políticas progressistas. Ontem, como hoje, permanecem como o ambiente perfeito para prosperar o fascismo”.

Como coibir que discursos de ódio, propagação de fake news etc. e mobilizações golpistas para atos antidemocráticos se viabilizem e se propaguem em nome de uma suposta liberdade de expressão? Com leis? Como fazer isso quando parlamentares, em sua maioria, ignoram como as plataformas operam e muitos são beneficiados por elas, alimentados e alimentadores dos discursos de ódio, fake news e de atos antidemocráticos? Como regulamentar seus usos e abusos, combate as mentiras, as fake news, manipulações, a desinformação e ao mesmo tempo manter a liberdade de expressão, que eles usam como justificativa? Qual o limite da liberdade de expressão?

Como disse o ministro Alexandre de Moraes em sua palestra, as ideias fascistas, de ódio, “saíram do bueiro”, que está destampado e que “agora se tem uma rede de desinformação, na qual as pessoas acreditam tanto ou mais quanto a imprensa”. As redes sociais digitais se tornaram espaço propício para a divulgação e ampliação dos discursos de ódio, manipulações, mentiras e mobilizações da extrema direita, pavimentando o caminho para o fascismo.

A questão é: até quando?

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