Nordeste é a 2ª região do país com maior número de mulheres com saúde mental abalada
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Nordeste é a 2ª região do país com maior número de mulheres com saúde mental abalada

11 de setembro de 2023
11min
Nordeste é a 2ª região do país com maior número de mulheres com saúde mental abalada

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Empobrecimento, baixos salários e relacionamentos tóxicos, estão entre os principais motivos de adoecimento mental entre mulheres no Brasil. O maior número de casos está na região Sudeste (42%), seguida pelo Nordeste (27%), Sul (14%), Norte (9%) e Centro-Oeste (8%) do país, segundo levantamento realizado pela ONG Think Olga, que além de entrevista própria, usou estudos realizados pelo Fundação Getúlio Vargas (FGV),  pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pela revista científica Lancet e pelo IHME (The Institute for Health Metrics and Evaluation).

Fonte: Ong Think Olga
Fonte: Ong Think Olga

Ao todo, foram entrevistadas 1.078 mulheres com mais de 18 anos de todas as classes sociais e regiões do país, de maneira online, entre os dias 12 e 26 de maio de 2023. A margem de erro da pesquisa é de 3 pontos percentuais e o intervalo de confiança é de 95%.

O levantamento aponta que quase metade das entrevistadas eram brancas (51%); estavam em um relacionamento estável ou eram casadas (46%); eram heterossexuais (86%), trabalhavam no setor privado (27%) e ajudavam a manter a família, mas não eram a principal provedora (26%) ou dividiam a responsabilidade de prover a família com outras pessoas (25%).

Dentre as entrevistadas, quase metade (45%) havia sido diagnosticada com algum transtorno mental, sendo que 35% tiveram diagnóstico de ansiedade, 17% de depressão, 7% de síndrome do pânico, 3% de transtorno alimentar, 2% de transtorno bipolar, 2% de transtorno-obsessivo compulsivo e 1% de transtorno explosivo intermitente.

Entre os motivos para esse adoecimento, está a insatisfação com diferentes áreas da vida, como a situação financeira apertada (48%), dívidas (36%), a baixa remuneração (32%), as poucas amizades ou relações tóxicas (25%), a solidão ou poucas interações sociais (24%), além da sobrecarga de trabalho doméstico (22%) e dependência financeira de terceiros (22%).

Essas mulheres também revelaram que se sentiram abaladas pela perda de entes queridos (45%), por doenças físicas (33%), que sentem a pressão estética para se encaixar em padrões de beleza (26%), excesso de redes sociais (22%), se sentem pressionadas pela família ou pela comunidade a fazer algo que não querem (21%), se sentem alvo de atitudes machistas (21%) , têm medo de serem mal faladas ou mal vistas (18%) e de sofrerem algum tipo de violência (18%), dentre outras questões pontuadas.

Fonte: Ong Think Olga
Fonte: Ong Think Olga

Muitas vezes essas mulheres chegam no consultório para dizer eu estou muito triste, eu tenho vontade de tirar a própria vida. Eu não estou bem, eu só tenho vontade de chorar, eu tenho medo de tudo, eu não consigo relaxar. E aí vem o diagnóstico de ansiedade e depressão, totalmente descolado do contexto das experiências que essa mulher vive. Isso é um debate na área de saúde mental, porque a gente não consegue atomizar. É impossível. Não dá para você descolar a pessoa do seu contexto. Quando eu falo contexto e história, estou falando de contexto atual, a realidade atual, mas também essa cultura e esse cenário social e histórico no qual a gente está inserido”, explicou Juliane Callegaro Borsa, psicóloga especialista em saúde mental feminina, em fala para o levantamento da Think Olga.

ANTES DA PANDEMIA

Mesmo antes da pandemia, as mulheres já sofriam mais com transtornos mentais do que os homens. No Brasil, a cada dez casos de depressão ou ansiedade diagnosticados, sete ocorriam com mulheres.

O estudo aponta, ainda, que durante muitos anos o efeito da opressão imposta às mulheres tratados como transtornos e que até os efeitos comuns das alterações hormonais do período pré-menstrual, puerpério e menopausa, foram estigmatizados e caracterizados como problemas psíquicos.

Porém, vários estudos já identificaram como as desvantagens sociais associadas ao gênero feminino, como a maior exposição à violência doméstica e sexual, oportunidades educacionais e de emprego limitadas, associada a maior responsabilidade de cuidado, podem contribuir para o aumento do risco de transtornos mentais entre mulheres.

Você pode ter uma propensão genética. Há algo genético em alguns transtornos psíquicos. Mas é a atualização ambiental, o modo como as pessoas vivem cotidianamente que vai fazer com que esse sofrimento emerja. É algo sensível e dependente das desigualdades”, pondera a antropóloga e psicanalista Regina Facchini em entrevista à Think Olga.

Outro estudo divulgado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) em 2022, citado pelo levantamento da Think Olga, mostra que a parcela de brasileiros que não teve dinheiro para alimentar a si ou a sua família em algum momento no ano anterior à entrevista subiu de 30% em 2019 para 36% em 2021.

Porém, entre os homens este percentual permaneceu estável nesse mesmo período, variando entre 27% e 26%, enquanto entre as mulheres se intensificou, saltando de 33% em 2019, para 47% em 2021.

No caso do estudo da FGV, foi observado que a responsabilidade de garantir a comida e pagar as contas da casa é das mulheres negras (38%), que estão nas classes D e E, e que possuem mais de 55 anos.

Em 2019, 49 milhões de pessoas viviam com algum tipo de transtorno mental ou causado por uso de substâncias no Brasil, segundo relatório da organização internacional IHME (The Institute for Health Metrics and Evaluation). Do total de diagnósticos, 53% foram entre mulheres.

Tanto homens como mulheres no Brasil adoeciam mais mentalmente do que as pessoas nos demais países no mundo. Porém, entre as brasileiras, essa média era ainda maior: 1 a cada 4 mulheres já viviam com ansiedade e depressão antes mesmo da pandemia.

Transtorno de ansiedade:

Total: 17.319.782, sendo 67% entre mulheres e 33% entre homens

Transtornos depressivos:

Total: 8.931.544, sendo 67% mulheres e 33% homens

Já quando o transtorno está relacionado ao uso de substâncias, a maioria ocorre entre homens:

Total: 2.432.893, sendo 63% de homens e 37% de mulheres

Por uso de álcool:

Total: 6.841.390, sendo 76% homens e 24% mulheres

Transtorno de déficit de atenção/ hiperatividade:

Total: 3.953.653, sendo 68% entre homens e 32% mulheres.

Fonte: Think Olga
Fonte: Think Olga

PÓS PANDEMIA

A situação que já era preocupante, não pôde mais ser ignorada após a pandemia do novo coronavírus, período marcado por isolamento, incertezas, instabilidade econômica, medo, luto e um sofrimento intenso ao redor do mundo.

Outro estudo, publicado na revista científica Lancet mostrou que a prevalência global de transtornos de ansiedade e depressão aumentou significativamente já em 2020, no primeiro ano da crise sanitária.

Nesse período surgiram 68% dos novos casos de transtornos depressivos e 78% dos novos casos de transtornos de ansiedade em mulheres, com maior prevalência entre as faixas de 20 a 40 anos para depressão e de 15 aos 40 anos para ansiedade.

Dos 298 milhões de casos de Transtorno de Ansiedade registrados em 2020, 76,2 milhões são decorrentes da Covid-19. Já dos 193 milhões de transtornos depressivos, 53,2 milhões foram causados pela pandemia.

POBREZA E RACISMO

As mulheres negras e pobres são as que mais se sentem pressionadas pela difícil situação financeira, é o caso de 59% das mulheres das classes D e E, assim como de 54% das mulheres pretas e pardas.

Em 2021, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 37,7% das pessoas pretas e pardas estavam abaixo da linha de pobreza, praticamente o dobro de pessoas brancas (18,6%), que na pesquisa se mostraram mais satisfeitas com a situação econômica (61%). Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) também reforçam o quadro e mostram que mais de 70% das pessoas que vivem em situação de pobreza no mundo são mulheres.

TEMPO DEDICADO AO CUIDADO

O tempo dedicado ao cuidado com a casa e as pessoas, como educar os filhos, lavar, passar, limpar, preparar o café da manhã, almoço, jantar e cuidar de quem está doente provoca uma sobrecarga ainda pouco reconhecida.

Enquanto 92% das mulheres se dedicam a atividades domésticas, entre os homens esse percentual é de 79%. Além disso, elas passam mais tempo fazendo esse tipo de serviço, são cerca de dez horas a mais do que os homens nesse tipo de atividade semanalmente.

A sobrecarga de trabalho doméstico associada à jornada de trabalho excessiva, foram os fatores apontados pelas entrevistadas como aqueles de maior impacto na saúde emocional, ficando atrás apenas das preocupações financeiras. Essa sobrecarga recai, principalmente, sobre os ombros das mulheres de 36 a 55 anos (57% cuidam de alguém) e pretas e pardas (50% cuidam de alguém).

Fonte: Think Olga
Fonte: Think Olga

As mulheres que têm filhos ou são cuidadoras também se sentem mais sobrecarregadas do que aquelas que não cuidam de ninguém. Outro fator é que quanto mais sobrecarregada essa mulher, mais empobrecida ela é. Em relação à situação financeira, 42% das mães solo, por exemplo, se sentem insatisfeitas ou extremamente insatisfeitas. Já entre as cuidadoras esse índice é de 36% e baixa para 30% no caso das mulheres que não cuidam de ninguém.

Fonte: Think Olga
Fonte: Think Olga - IBGE

CANSADAS, MAS EM BUSCA DE SOLUÇÃO

Fonte: Think Olga
Fonte: Think Olga

Apesar do cansaço, a quase totalidade das entrevistadas busca formas de cuidar da saúde mental. Porém, apenas 22% fazem terapia, psicoterapia, análise ou alguma outra forma de acompanhamento profissional.

Já dentre os 78% restantes, 49% das mulheres disseram que procuram pesquisar e se informar sobre saúde mental por conta própria, já 29% afirmam que não tem dinheiro e acha que custa caro, 11% não tem tempo, 7% não encontrou atendimento nas proximidades, 5% não sabe como buscar profissionais e 3% acham que não vai conseguir qualquer resultado. Em 6% dos casos a entrevistada não soube explicar o motivo para não procurar ajuda profissional.

Quanto sentem que não estão bem, 40% das mulheres entrevistadas faz atividade física, 37% recorrem à religião ou espiritualidade, 35% passam mais tempo com família e amigos, 31% cuidam da aparência, 27% focam nos estudos ou trabalho, 26% passam a cuidar mais da alimentação, 25% se aproximam mais da natureza, 24% procuram atividades de lazer que tragam mais bem-estar, 16% começam a pesquisar sobre saúde mental por conta própria e 15% fazem análise ou terapia.

O Estado é visto como o maior responsável pelos cuidados com a saúde mental dos brasileiros (54%). Na sequência, vem as instituições de saúde (17%), empresas privadas (15%), alguns atribuem a si próprios essa responsabilidade (8%) e, por último, as instituições religiosas (6%).

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