Salve Natal vai apresentar denúncia por degradação da orla e violação de direitos socioambientais
Com a série de obras que começaram ou serão iniciadas em diferentes pontos da orla da capital potiguar, o coletivo Salve Natal vai apresentar ao sistema de Justiça denúncia por violação de direitos socioambientais e degradação.
O grupo elaborou uma carta inicial com uma proposta de denúncia que está sendo debatida neste sábado (2), no auditório do Museu da Rampa, durante o evento batizado de Tribunal da Orla, quando serão recolhidas contribuições de membros das comunidades locais afetadas, além de acadêmicos, representantes de Ongs e movimentos sociais.
“Ao final, faremos as correções e adições que forem sugeridas e votaremos essa carta-denúncia em assembleia. Ela será levada não só para o sistema de Justiça, como ao Executivo, Legislativo e organismos internacionais”, esclarece Érica Guimarães, que junto com Lucas Santos, Sarah Andrade e Saulo Cavalcante, representam o Salve Natal, coletivo que surgiu em 2020, no contexto de discussões para revisão do Plano Diretor de Natal.
O Tribunal não tem valor jurídico, mas simbólico, enquanto espaço no qual as comunidades originais podem se expressar e serem ouvidas.
“Mesmo com as denúncias feitas pelas comunidades afetadas, pouco é feito para garantir a participação social nesses projetos. O Tribunal não é oficial, mas traz um peso muito importante, que é o valor político e simbólico de julgar coletivamente a atuação dos órgãos que deveriam prezar pelo nosso bem-estar, principalmente, das comunidades vulneráveis da orla”, Rodrigo, arquiteto e urbanista e coordenador do Salve Natal.
A partir da carta-denúncia, o sistema de justiça formado pelo Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual, além das assessorias jurídicas populares, devem propor ações judiciais. Além disso, o debate também poderá ensejar projetos de lei protetivos, planos e políticas de mitigação.
“A ideia, inclusive, é lutar pelo reconhecimento do valor nacional e internacional da Orla, buscando o sistema de justiça internacional, para responsabilizar tanto o Estado brasileiro, como a gestão diretamente responsável, utilizando os mecanismos de proteção de direitos humanos e ambientais. Há uma falta de preocupação com a população durante as grandes obras, principalmente, com os trabalhadores da orla”, lamenta Érica Guimarães.
O debate está centrado em três pontos principais: a obra de engorda da Praia de Ponta Negra, a construção do Complexo Turístico na Praia da Redinha e a liberação para verticalização da Praia do Meio.
“Está bem representativo com pessoas das diversas localidades...da Praia do Meio, da Colônia dos Pescadores com a presidente Rosa, que está aqui, os pescadores de Ponta Negra. As pessoas estão sendo ouvidas sobre os conflitos que há na orla. É uma iniciativa muito feliz do Salve Natal porque tenta jogar um olhar sobre toda a orla... é um esforço de olhar para esses conflitos, das intervenções equivocadas que as gestões sucessivas vêm fazendo, deixando o ambiente cada vez mais degradado, violentado. Dá muita tristeza saber como era a orla de Natal nos anos 1980 e como ela está agora, como isso vem se configurando, com a especulação imobiliária e um turismo predatório que desrespeita as comunidades originárias que ao longo da história moraram aqui. A discussão é para criarmos caminhos para que a vida, a natureza e as comunidades locais sejam respeitadas”, pontua Nevinha Valentim, que faz parte do grupo Vila em Movimento.
AS OBRAS:
Redinha
A Prefeitura do Natal começou a construir na Praia da Redinha, conhecida por unir os ambientes de praia, rio e mangue, um Complexo Turístico no espaço do antigo Mercado.
Para as mudanças previstas como parte do projeto de urbanização desse trecho da orla, na Zona Norte, foi realizada a remoção de todos os quiosques do local.
O “Complexo Turístico da Redinha” prevê, entre outras coisas, a construção de um mercado remodelado, em substituição ao antigo, com dois andares com 29 boxes, seis restaurantes, praça de alimentação, mirante, píer e deck para embarcações e varanda panorâmica.
Ao todo, cerca de 60 famílias que trabalhavam em 20 quiosques, sendo a maioria pertencente a mulheres, tiravam o sustento do comércio no local. O Salve Natal alerta que a obra coloca em risco trabalhadores informais e quiosqueiros da Redinha.
Orla Central
Na região da orla central, que abrange as praias da Zona Leste da cidade, como Areia Preta, Mãe Luíza, Praia do Meio e Santos Reis, a preocupação é com a preservação da pesca artesanal e permanência dos moradores mais antigos diante do processo de verticalização liberada pela revisão do Plano Diretor da cidade, sancionado em março de 2022 pelo prefeito Álvaro Dias (Republicanos).
Até 2007, o Plano Diretor permitia a altura máxima dos prédios de 65 metros (22 pavimentos) em alguns bairros e de 90 metros (30 pavimentos) em outros. Mas, com a revisão e no novo Plano, a altura permitida passou para até 140 metros (46 pavimentos) em toda a cidade, independentemente de qual região esteja localizado o imóvel.
Ponta Negra
Com a engorda da Praia de Ponta Negra, a comunidade local e ambientalistas querem saber como vai ficar o sustento das famílias dos pescadores artesanais e das pessoas que tiram o sustento da praia, como comerciantes e ambulantes.
Além disso, o grupo questiona quais serão as consequências da obra para a flora e fauna marinha, para as praias vizinhas, como a obra afetará a visita dos golfinhos que costumam vir à região. Essas e outras questões que deveriam ter sido respondidas no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) apresentados pela Prefeitura do Natal para emitir a Licença Prévia também foram levantadas pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (Idema).
O município entregou as respostas em julho deste ano, mas pescadores e comerciantes que trabalham na praia reclamam da falta de participação popular na elaboração do projeto.
Em agosto, um grupo de pescadores artesanais fez um pedido de compensação pelo período que ficarão impedidos de trabalhar, com pagamento indenização mensal de R$ 2.640. Para executar a obra, o Idema ressaltou que a Prefeitura do Natal, por meio de suas secretarias deve, obrigatoriamente, cumprir condicionantes como informar quais as medidas alternativas temporárias que serão adotadas para mitigar os impactos durante a fase de implantação do empreendimento para as atividades de navegação, pesca artesanal, comércio ambulante e usos recreacionais da área de marinha.
A engorda da faixa de areia da Praia de Ponta Negra será feita a partir de uma jazida de areia submersa, trazida de uma área de mar na altura do Farol de Mãe Luiza, que teria areia com granulometria semelhante à da praia de Ponta Negra. Para a transposição da areia de uma praia a outra será utilizada uma draga de sucção e, após a extração, o material será transportado e depositado em Ponta Negra em trechos espaçados a cada 200 metros.