O fascismo à espreita?
Natal, RN 27 de abr 2024

O fascismo à espreita?

24 de março de 2024
12min
O fascismo à espreita?

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Quatro pesquisas recentes dos institutos Quaest, AtlasIntel, Ipec e Datafolha, divulgados respectivamente nos dias 6,7, 8 e 21 de março de 2024 apontaram uma queda na avaliação do presidente Lula. Mesmo sem entrar no mérito das metodologias utilizadas (o AtlasIntel, por exemplo, não faz entrevistas presenciais nem por telefone, e criou uma metodologia própria por meio de recrutamento digital aleatório, com a compra de anúncios online usando o que especialistas chamam de análise de dados de alta frequência,) é importante analisar alguns aspectos revelados pelas pesquisas.

A pesquisa Quaest foi divulgada no dia 6 de março, em um levantamento que ouviu dois mil pessoas entre os dias 25 e 27 de fevereiro, em 120 municípios, o governo Lula é avaliado positivamente por 35% e negativamente por 34%. Outros 28% consideram regular. Na pesquisa anterior, em dezembro de 2023, a avaliação positiva era 36% e a negativa 29% e regular, 32%.

No dia 7 de março foram divulgados os resultados de uma feita entre os dias 2 e 5 de março pela AtlasIntel que ouviu 3.154 pessoas e mostrou que 38% dos entrevistados consideram a gestão do governo como boa ou ótima. Em janeiro eram 42% e os que acham que o governo como ruim ou péssimo passaram de 39% em janeiro para 41% em março, e os que aprovam o trabalho de Lula passaram de 54% na pesquisa anterior para 51%.

 No dia 8 de março a pesquisa do IPEC (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica) divulgou a pesquisa que ouviu 2.000 pessoas entre os dias 1º e 5 de março e mostrou que os que consideram a gestão de Lula ótima ou boa caíram cinco pontos percentuais, nos últimos três meses. Em dezembro, 38% consideravam o governo  como ótimo ou bom  e diminuiu em março para  33%. Os que achavam a gestão regular somavam 30%, agora são 33% e 32% apontaram como ruim ou péssima, uma oscilação positiva de dois pontos em relação aos dados anteriores.

E no dia 21 de março foi divulgada uma pesquisa Datafolha de avaliação do governo do presidente Lula, o primeiro levantamento feito neste ano pelo instituto sobre a gestão federal. Segundo o instituto, consideram o trabalho do presidente como ótimo ou bom 35%, 33% que o avaliam como ruim ou péssimo e 30% como regular. A pesquisa foi feita nos dias 19 e 20 de março com 2.002 entrevistas em 147 cidades. No levantamento anterior, feito em dezembro de 2023, a aprovação de Lula era de  38%  e 30% consideravam seu trabalho regular, e o mesmo número, ruim ou péssimo.

Considerando os dados das pesquisas e as respectivas margens de erros (dois pontos percentuais, para mais ou menos), com poucas variações, é possível que tenha sido mantida os mesmos ou próximos percentuais das pesquisas anteriores, mas qual o motivo de preocupação do governo, que levou o presidente Lula a se reunir com seus ministros após os resultados das pesquisas? O que explica a manutenção ou diminuição dos índices de aprovação e desaprovação quando houve inegáveis avanços do governo em todas as áreas em relação ao governo anterior?

Há muitas possibilidades de análises desses dados. O psicanalista e filósofo Tales Ab’Sáber chama a atenção no artigo publicado no dia 18 de março de 2024, Não existem fake-news: só mentira em massa, para outros aspectos revelados pelas pesquisas. Trata-se do que chamou de o poder efetivo da política neofascista no país ao revelar a recusa por uma parcela significativa da população em reconhecer o trabalho do governo Lula (que pelos dados, se dão principalmente na faixa dos que ganham entre dois e cinco salários mínimos portanto,  “dos trabalhadores pobres, onde também se concentra a grande massa de evangélicos”).

Que trabalho é possível destacar do governo Lula? Embora permaneçam graves desigualdades sociais (que não se muda em curto prazo) e o orçamento de 2023 foi aprovado em 2022, portanto, ainda no governo de Bolsonaro, os dados sobre a economia brasileira comparativamente, em um ano são melhores dos que nos quatro anos do governo anterior. Vejamos alguns dados.

Crescimento do PIB em 2023 foi bem maior do que as expectativas do “mercado”, houve um aumento do salário mínimo acima da inflação, a inflação continua sob controle, houve um aumento real do emprego formal (menor taxa de desemprego desde 2015, 7,8%). Há estabilidade, retomada de programas sociais como o Bolsa Família - que atingiu o maior valor médio pago às famílias, de R$ 680,60, além de registrar o maior número de pessoas alcançadas, totalizando 55,7 milhões de beneficiários -  e o Farmácia Popular.

Neste caso, além das Unidades Básicas de Saúde as pessoas podem obter medicamentos nas farmácias e drogarias credenciadas que disponibilizam medicamentos gratuitos para o tratamento de diabetes, asma e hipertensão, também para osteoporose, distribuição de anticoncepcionais (O SUS oferece diversos tipos de anticoncepcionais gratuitamente), além de medicamentos de forma subsidiada para dislipidemia, rinite, doença de Parkinson, glaucoma e fraldas geriátricas. Ao todo, o Farmácia Popular contempla o tratamento para 11 doençasE os 55,7 milhões de beneficiários do Bolsa Família passaram a ter acesso a todos os medicamentos disponíveis no programa de forma totalmente gratuita.

Houve aumento do valor da merenda escolar (que não tinha reajuste há seis anos) em março de 2023 (39%) beneficiando em torno de 40 milhões de alunos de escolas públicas, retomada do Programa Mais Médicos (Lula relançou o programa por meio de uma medida provisória (MP) publicada em março e aprovada em junho pelo Congresso Nacional  que instituiu a Estratégia Nacional de Formação de Especialistas para a Saúde, no âmbito do Programa  e visa formar médicos especialistas em Atenção Primária à Saúde), o anúncio da construção de mais 100 Institutos Federais, execução de obras (havia 2,6 mil inacabadas e 918 paralisadas – em especial, creches e escolas) e a disponibilização de R$ 4 bilhões para estados e municípios, prevendo a construção de 1.178 creches e escolas de educação infantil,  a sanção da lei que cria o programa Escola em Tempo Integral e mais recentemente, o Pé-de-Meia um programa de incentivo financeiro-educacional, na modalidade de poupança, destinado a promover a permanência e a conclusão escolar de estudantes matriculados no ensino médio público.

No entanto, nada disso parece ter mudado à percepção do governo entre os que não votaram em Lula (e talvez sequer saibam desses dados) e continuam apoiando o ex-presidente. A que se pode atribuir? Apenas à comunicação falha do governo Lula? O que fazer? Nesse sentido, um dos aspectos relevantes talvez seja o de compreender a forma como a direita e a extrema direita usam as redes sociais e o mundo cão da internet, com mentiras, calúnias, difamação permanente (que antecede o governo Bolsonaro e continua com ele), além das sistemáticas críticas às instituições democráticas, como tem sido revelado, o apoio e a articulação de um golpe de Estado para instaurar no país mais uma ditadura.

O não reconhecimento ou a desinformação revela também a eficácia das mentiras permanentes que circulam nas redes sociais pela extrema direita e seus aliados para os quais a economia do Brasil vai mal, há aumento de desemprego (quando é o oposto que ocorre), da inflação (idem), enfim, uma situação pior do que a do governo anterior, quando o que ocorreu de fato foi o contrário: no anterior houve um processo de desmonte das políticas públicas, aumento da destruição ambiental (e dos órgãos fiscalizadores), uma das piores gestões da pandemia do planeta (negacionismo cujo resultado foi mais de 700 mil mortes e milhões de infectados, além de inicialmente não comprar vacinas, o charlatanismo de indicar medicamentos sem eficácia para a covid, etc.), além de cortes de verbas para as áreas de saúde, cultura, educação, ciência e tecnologia, entre outras.

Ao analisar os resultados da pesquisa, Ab’Sáber, mesmo considerando os problemas que o governo tem enfrentado (parte da herança maldita do governo anterior os desafios de reconstrução do país) se refere à permanência e atuação de uma máquina de mentiras (grosseiras e belicosas) dirigidas (e assimiladas) pelas “massas sob controle que gozam como determinam seus senhores" não apenas consumindo mentiras como se fossem informações, mas, pior, também produzindo e reproduzindo em suas redes sociais: “O sujeito aí é a mentira hiper ágil, construída com rigor e método, de linguagem e de política de circulação, na internet”.

A constatação para ele é a de que a queda de popularidade do governo pode ser pensada (e analisada) também como sinal de que a “máquina de propaganda e sedução bolso-conspiratória-evangélico-fascista continua funcionando a todo vapor. (...) continua amplamente livre, leve e solta, trabalhando da mesma forma que possibilitou a chegada ao poder do governo do terror e da destruição nacional, em 2018(...) uma rede de propaganda fascista no país, que se desenvolve continuamente há dez anos. E estas verdadeiras estruturas materiais da propaganda fascista – onde ódio, mistificação religiosa e recusa de história e realidade dos fatos está totalmente intocada”.

São tantas as mentiras e aceitas por muitos que parecem viver em um mundo ou uma realidade paralela que revela “uma das caras da barbárie brasileira de hoje”.

O que as pesquisas revelaram e deve ser motivo de preocupação do governo, é, portanto, a manutenção e eficácia do ecossistema da desinformação e nesse sentido não bastam apenas políticas públicas que por mais que se diferenciem do que (não) foi feito no governo anterior porque “nada significa nas redes do controle psicossocial do bolsonarismo”. Por isso, para Ab’Sáber trata-se de fascismo, ou seja, todos os avanços do governo Lula não tem sido suficiente “para dar conta da paixão alucinatória, fundida às redes do grupo nacional de ódio”. Nesse sentido, é preciso compreender que “essa subjetivação é alimentada permanentemente por uma estrutura material de produção e reprodução de memes, mentiras e violência imaginária totalmente liberada. Propaganda de massas permanente, baseada na força do sadismo, como performance psíquica humana”.

Há de se temer o fascismo? Um dos aspectos relevantes é o fato de que há um crescimento de grupos fascistas e neonazistas no país e a preocupação deve ser não apenas com a sua expansão, como a impunidade de suas consequências para a democracia no país. E dois alertas importantes nesse sentido: do jurista e professor Alysson Mascaro (autor do livro Crítica do fascismo, Boitempo Editorial, 2022) que em uma palestra no dia 16 de março de 2024 ao se referir ao fascismo disse que "É preciso identificar o momento do perigo e este momento é agora” e Umberto Eco para quem o fascismo é eterno enquanto durarem às condições que o tornaram possível e por isso “nosso dever é desmascará-lo e apontar o dedo para cada uma de suas formas – a cada dia, em cada lugar do mundo”.

Se não houver uma comunicação eficaz por parte do governo que possa se contrapor as mentiras, mas também se não houver punição aos responsáveis por essa maquina poderosa de produzir mentiras, esse processo vai continuar e pode pavimentar o caminho para o fascismo, por isso é urgente e necessário combater a lógica da mentira estrutural, incluindo inescrupulosos que usam a religião e o nome de Deus para enganar, mentir, manipular (e enriquecer) à custa da desinformação e da ignorância. Nosso verdadeiro negacionismo a este respeito, como afirma Ab’Saber faz parte da força do fascismo entre nós.

Para o jornalista Ricardo Kotscho, que foi assessor de comunicação do governo, Lula vive o momento mais difícil dos três governos até agora, e um motivo de preocupação é que Lula oscila para baixo onde era mais forte: entre mulheres, negros etc. e piorou entre os evangélicos, e disse que “sem entrar no mérito das declarações sobre Israel”, foi um fator importante, alimentada pelas distorções de sua fala, mas fundamentalmente para ele, na reunião de Lula com os ministros não houve nada de muito importante que possa mudar esse cenário de “clima de um mal-estar generalizado”.

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