Pela diplomação post mortem de Emmanuel Bezerra, vítima da ditadura
Natal, RN 27 de abr 2024

Pela diplomação post mortem de Emmanuel Bezerra, vítima da ditadura

28 de março de 2024
5min
Pela diplomação post mortem de Emmanuel Bezerra, vítima da ditadura

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Cesar Sanson[1] | Gabriel Vitullo[2] | LaylaIngridy de Melo Nascimento[3]

Um grupo de estudantes e mais de 200 professores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, tendo presentes os 60 anos do golpe militar no país, iniciaram um movimento interno na Instituição pedindo que o estudante Emmanuel Bezerra dos Santos, vítima da ditadura, seja simbolicamente rematriculado no curso de Ciências Sociais e receba diplomação post mortem.

Os estudos de Emmanuel Bezerra na UFRN foram abruptamente interrompidos em 1968 em função de sua prisão. O estudante foi denunciado e entregue à polícia pelo então reitor Onofre Lopes. A Universidade, em vez de protegê-lo, entregou-o aos algozes.

Em 2015, a Comissão Nacional da Verdade – CNV em seu relatório final reconheceu Emmanuel Bezerra dos Santos como vítima fatal da ditadura militar e atribuiu ao Estado brasileiro a responsabilidade pela morte do jovem de 26 anos de idade.

Emmanuel foi preso no dia 4 de setembro de 1973 no largo da Moema em São Paulo. Ele foi conduzido ao DOI-CODI do II Exército e, após ser brutalmente torturado e ter sofrido a extração de seu umbigo e pênis, foi morto. Seu caso foi inventariado pela Comissão da Verdade como violação de direitos humanos consubstanciada com violência sexual. Seu corpo foi ocultado pela ditadura na vala clandestina de Perus e somente localizado no ano de 1992.

Emmanuel Bezerra dos Santos era natural do pacato povoado de Caiçara do Norte, Rio Grande do Norte. Filho de uma família pobre, formada pelo pescador Luís Elias dos Santos e pela liderança social Joana Elias Bezerra.

De acordo com o relatório da Comissão da Verdade da UFRN (fl. 242)[4], foi aprovado no vestibular de 1967 para a Faculdade de Sociologia e Política da Fundação José Augusto. Neste mesmo período, tornou-se presidente da Casa do Estudante de Natal e, no âmbito universitário, se desempenhou como Diretor de Planejamento do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, na gestão de 1968 do Presidente Ivaldo Caetano Monteiro.

Em razão de sua participação política no comando da ocupação do Restaurante Universitário da UFRN, em 1968, foi denunciado pelo ex-reitor Onofre Lopes às autoridades policiais locais e indiciado no Inquérito do RU, e depois julgado pela Auditoria Militar da 7ª Região, a um ano de detenção, com base na Lei de Segurança Nacional. Foi preso na Base Naval de Natal e em Distritos Policiais de Natal entre dezembro de 1968 e outubro de 1969.

Em consequência da prisão e diante da impossibilidade de acompanhar seu curso superior, nesse mesmo ano realizou pedido de trancamento de matrícula, no contexto da perseguição política que sofria. O pedido foi subscrito por um colega seu, o aluno Rinaldo Barros, e formalizado no Processo nº 238/69.

É chamativo no processo o fato de que o pedido do trancamento da matrícula ocorreu no mesmo período em que o discente se encontrava preso. E frise-se, uma prisão que ocorreu no contexto de luta política do movimento estudantil-universitário contra o cerceamento e controle ideológico realizado pela ditadura militar nas universidades brasileiras.

É de conhecimento que a Faculdade de Sociologia e Política da Fundação José Augusto guardava vínculo de unidade agregada à UFRN, tendo como mantenedor o Governo do Estado e que o referido curso foi absorvido à UFRN, no ano de 1975, após a criação do Curso de Bacharelado em Ciências Sociais - Habilitação em Sociologia e Política, pela Resolução CONSEPE/UFRN nº. 72/1975, já no Campus Universitário. A referida resolução determinou, expressamente, a absorção dos alunos e professores da antiga faculdade, ao dispor o “recrutamento [...] dos docentes e transferências de alunos de curso congênere, pertencente à Fundação José Augusto do Governo do Estado”.

Desta maneira, federalizado o vínculo dos docentes e discentes, tem-se que se o estudante Emmanuel Bezerra tivesse tido condições de exercer seus direitos políticos e retornar aos bancos da faculdade, teria concluído seu curso de graduação na Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Considerando os fatos acima, professores e estudantes da UFRN irão protocolar na Reitoria, neste 1º de abril, dia do golpe, pedido para que o processo de trancamento de matrícula de Emmanuel Bezerra seja reaberto e seja considerada a sua readmissão simbólica e a sua certificação post mortem em Ciências Sociais.

A reparação não apagará os fatos, entretanto, trata-se de reconhecimento simbólico de correção a atrozes injustiças cometidas contra um discente. Destaca-se que durante os anos brutais da ditadura, apenas na UFRN verificou-se o fichamento de 259 membros da comunidade universitária. Muitos foram presos, expulsos da instituição e alguns, como Emmanuel Bezerra dos Santos, torturados até a morte.


[1] Professor vinculado ao Departamento de Ciências Sociais da UFRN.

[2] Professor vinculado ao Departamento de Ciências Sociais da UFRN.

[3] Coordenadora do Centro Acadêmico de Ciências Sociais da UFRN.

[4]Comissão da verdade da UFRN. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. – Natal, RN: EDUFRN, 2015.

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