Mudanças climáticas afetam saúde dos trabalhadores; veja casos locais
Natal, RN 13 de mai 2024

Mudanças climáticas afetam saúde dos trabalhadores; veja casos locais

28 de abril de 2024
9min
Mudanças climáticas afetam saúde dos trabalhadores; veja casos locais
Imagem: Tomaz Silva/Agência Brasil.

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“Certo dia eu cheguei para trabalhar normal, não estava sentindo nada não. Quando começou a esquentar, acho que na faixa de umas 9h30 pras 10h, eu comecei a suar frio, me deu aquela quentura, e umas náuseas. Eu me sentava como se fosse desmaiar mesmo, e o meu patrão pegou água e a gente foi para debaixo de um pé de árvore [sic], e nada”. A declaração é de Kelly Elibarbosa, 36, que trabalha como garçonete na praia da Redinha, zona Norte de Natal, há mais de 17 anos. Ela se encaixa nos 70% da força de trabalho global que está exposta a riscos ligados ao calor excessivo e à mudança climática. O dado é do relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) – agência da Organização das Nações Unidas (ONU) –, divulgado nesta última semana, no dia 22.

O documento afirma que a maior parte dos trabalhadores do mundo está exposta a riscos de saúde relacionados às mudanças climáticas, o que causa centenas de milhares de mortes a cada ano. Segundo a estimativa, mais de 2,4 bilhões dos trabalhadores estão expostos ao calor excessivo em algum momento da jornada de trabalho. Os números são de 2020, os mais recentes disponíveis.

De acordo com o relatório, várias doenças que acometem os trabalhadores estão associadas às mudanças climáticas, incluindo câncer, doenças cardiovasculares e respiratórias, disfunções renais e problemas de saúde mental.

Segundo a OIT, o cenário é de 1,6 bilhão de trabalhadores expostos à radiação ultravioleta (UV), com mais de 18.960 mortes anualmente, devido ao câncer da pele não melanoma. Já a poluição do ar no local de trabalho resulta em cerca de 860 mil mortes ao ano.

O estudo ainda afirma que o impacto das alterações climáticas inclui a questão dos trabalhadores agrícolas expostos a pesticidas, com mais de 300 mil mortes anuais atribuídas ao envenenamento por pesticidas. E ainda 15 mil mortes relacionadas ao trabalho por ano devido à exposição a doenças parasitárias e transmitidas por vetores.

“Os trabalhadores estão entre os mais expostos aos perigos das alterações climáticas, mas muitas vezes não têm outra escolha senão continuar a trabalhar, mesmo que as condições sejam perigosas”, afirma o relatório da OIT.

Esse é o caso de Kelly, que trabalha na praia. Ela conta que trabalhava no Mercado da Redinha, até que ele entrou em reforma, dentro do projeto de reestruturação da praia localizada na Zona Norte de Natal. “Assim que fechou o Mercado, a gente ficou pelas barracas, na praia. Ir trabalhar lá modificou a minha vida em geral”, narra.

As modificações chegaram: além da questão financeira, veio também a preocupação com a saúde, explica Kelly. 

“Antes a gente ficava em cantos ventilados: era dentro do Mercado, ou em frente, embaixo de uma palhoça. A gente ficava atendendo na sombra”, conta. As obras no local, no entanto, trouxeram consequências para os trabalhadores.“Depois que veio essa reforma que tirou tudo e até os quiosques, aí pronto”, narra. “Nas barracas a gente não tem proteção nenhuma. A proteção são os pés de árvore [sic], e mesmo assim de vez em quando são cortados e ficamos sem proteção [...] A gente fica ao ar livre mesmo, debaixo de sol quente e de frente para a pista – que é asfalto e esquenta muito. A gente passa praticamente o dia todinho desse jeito”.

Foi assim que, certo dia, Kelly chegou até mesmo a passar mal de tanto calor durante o trabalho, como ela narra:

“Certo dia eu cheguei para trabalhar normal, não estava sentindo nada não. Quando começou a esquentar, acho que na faixa de umas 9h30 pras 10h, eu comecei a suar frio, me deu aquela quentura, e umas náuseas”, conta. “Eu me sentava como se fosse desmaiar mesmo, e o meu patrão pegou água e a gente foi para debaixo de um pé de árvore [sic], e nada”

A alternativa foi ir para casa. Mas não adiantou e, na ocasião, Kelly precisou ir ao hospital. 

“A temperatura do meu corpo já estava com quase 42ºC, meus lábios já ressecados e eu já estava quase delirando de tanto calor. Sabe o tempo de São João, que você fica de frente para uma fogueira? Eu estava desse jeito, e no ar-condicionado”, relata a trabalhadora. Foi necessário que Kelly fosse colocada dentro de uma espécie de bolsa térmica.

Ela conta ainda que o recomendado pelo médico, desde o ocorrido, foi a utilização de bastante protetor solar, o uso de camisas com proteção aos raios UV e calças leggings, além de um chápeu. “Tem hora que, de tanto colocar tanta roupa, eu fico agoniada, mas eu prefiro do que passar pelo que eu passei”, diz.

Segundo Kelly, o médico ainda alertou sobre o risco de câncer de pele, citando também o aumento da temperatura no planeta. “Ele disse ‘vai chegar um tempo que se você pegar mesmo isso [câncer de pele], não vai poder nem sair no meio da rua’. Aí eu disse ‘pronto, tá difícil. Como é que vou trabalhar?”

“Extremamente insuportável”

Mas o calor não afeta somente os trabalhadores que exercem suas atividades em locais externos. Até mesmo em lugares fechados a mudança climática pode prejudicar o trabalho. É o que acontece com Danilo Cândido, que assim como Kelly, também trabalha na Redinha, em Natal, mas em uma escola, como professor.

“Extremamente insuportável” é como Danilo define a vivência entre trabalho e calor. Ele conta que, desde que chegou para lecionar na Escola Estadual Professora Dulce Wanderley, em 2021, a pauta do calor naquele espaço sempre esteve nas discussões. “Quando cheguei, tinha sala sem ventilador, umas com um, e salas com 35/40 alunos”, conta.

Segundo Danilo, uma reforma realizada na escola há uns anos fechou áreas de ventilação com a promessa de que seriam colocados ar-condicionado, o que não aconteceu. O cenário é responsável, então, por dificultar o exercício dos funcionários e o aprendizado dos alunos.

“Inevitavelmente, isso afeta a dinâmica de sala de aula em vários aspectos. Primeiro o desconforto, porque realmente é um calor insuportável dentro das salas. E isso desconcentra. Já teve vários casos ao longo desses três anos de alunos que precisam sair de sala passando mal. Ano passado tinha uma professora grávida que até antecipou a saída dela da escola pois não estava conseguindo ficar na sala”.

Alunos e funcionários da escola Dulce Wanderley, na Redinha, sofrem com o calor excessivo. Imagem: Reprodução/Adriano Abreu.

Além de outras dificuldades, como a própria estrutura da escola, a questão do calor é mais uma que contribui para o desgaste físico e psicológico das pessoas que integram o espaço, além de dificultar na tentativa de atrair o estudante e mantê-lo em sala de aula, avalia Danilo.

“Para os alunos ainda é pior, porque a gente tá numa comunidade muito carente em diversos aspectos – tanto material, quanto emocional – e esse elemento a mais acaba sendo mais um empecilho nessa tentativa de tornar a escola um ambiente minimamente agradável. Então o aluno vem para um ambiente extremamente quente e desagradável – fora as outras questões de infraestrutura e falta de material. E como é que você vai convencer aquele aluno de que estar ali é importante, é onde ele vai conseguir alguma coisa positiva para o futuro, pra ele olhar ao redor e ver que, aparentemente, não é aquilo que a gente está dizendo?”, questiona.

Para conseguir uma boa aula e um bom aprendizado, então, é necessário haver boas condições de trabalho e de estudo, e não esse desconforto permanente, defende Danilo. “O conforto da sala de aula é essencial para que, tanto professor quanto aluno, mantenham uma mínima concentração para que o trabalho flua”.

O professor ainda narra que, durante os anos de 2021 e 2022, os primeiros dele na escola, os horários de aula chegaram até mesmo a serem reduzidos. “Principalmente à tarde, porque quando chegava a partir de 13h, o calor era muito grande e a gente sem ventilador acabava reduzindo o horário”.

Ele conta, ainda, que a comunidade escolar conseguiu doação de ventiladores de uma outra escola, no ano passado, mas que eles não deram conta do problema.

Do ano passado pra cá, os funcionários e o Grêmio Estudantil Genilda Cardoso, que atua na escola, tem se mobilizado com mais força para conseguir melhorias, explica Danilo. Em vídeo publicado nesta semana, a secretária do Estado, da Educação, da Cultura, do Esporte e do Lazer do Rio Grande do Norte, Socorro Batista, publicou um vídeo nas redes sociais afirmando ter assinado uma ordem de serviço para a manutenção predial das instalações físicas da escola Dulce Wanderley – onde Danilo trabalha – no valor de 654 mil.

“Portanto é uma boa ordem, uma boa recuperação, uma boa manutenção para que a escola Dulce Wanderley continue a exercer suas atividades com qualidade e com um ambiente saudável para todos, de modo especial para os estudantes”, declarou Batista.

Relatório analisa as atuais respostas dos países

O estudo da OIT ainda mostrou como os países estão respondendo às questões das mudanças climáticas relacionadas ao trabalho.

Para a Organização, as considerações sobre saúde e segurança no trabalho devem fazer parte das respostas às mudanças climáticas.

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