Habituado a situações de confinamento em convento dominicano como frade, Frei Betto não tem encontrado dificuldade para seguir à risca as medidas de distanciamento social que a emergência da pandemia tem imposto ao mundo. Mas avalia que a doença no Brasil contribuiu para revelar o desapreço do presidente Jair Bolsonaro com a vida.
Em entrevista ao programa Balbúrdia desta quarta-feira, 19, Frei Betto falou como o período de quarentena tem sido usado por ele, como escritor, para a produção de novas obras. A mais recente, de um total de 69 livros já publicados, é “Diário de Quarentena – 90 dias em Fragmentos Evocativos”, da editora Rocco, que traz reflexões sobre os primeiros três meses do aparecimento da doença no Brasil.
De março de 2020, quando o país registrou os primeiros casos, até os dias atuais, a situação brasileira é de aprofundamento da crise sanitária. São mais de 440 mil vidas perdidas para a covid-19. Ao lembrar que esses dados representam mais que o número de mortes por guerras, desastres e atentados mundiais, a exemplo das bombas de Nagasaki e Hiroshima, e do ataque terrorista às Torres Gêmeas nos EUA, Frei Betto afirmou que “alguém tem que responder por esse genocídio. Não tem outro nome”, e que a responsabilidade recai sob o Presidente da República.
“Espero que a CPI da Covid chegue a apontar os culpados”, afirmou o frade dominicano. “Inúmeras pessoas morreram sufocadas por falta de oxigênio”.
Para Frei Betto, tudo isso poderia ter sido evitado se o governo brasileiro tivesse trabalhado uma campanha publicitária instruindo as pessoas sobre as medidas sanitárias ao tempo que desenvolvesse uma ação coordenada para evitar a disseminação da doença no país e providenciasse as vacinas assim que o mundo começou a ofertá-las. O problema, para ele, é que “o povo brasileiro não tem acesso à informação correta e sadia”.
O frade dominicano, que foi perseguido pela ditadura militar de 1964, tendo inclusive sido um dos religiosos presos por motivações políticas, falou também da violência como forma de resolução de problemas e do emprego desse método principalmente contra a população negra e periférica. Para ele, um resquício do regime militar.
“Não é à toa que temos um presidente que veio da ditadura, que sempre apoiou o regime e elogiou torturadores”, afirmou. Para ele, a justiça eleitoral “cometeu um cochilo” ao permitir que alguém que defende a tortura fosse candidato. “Ele se importa muito mais em liberar armas do que liberar alimentos mais baratos para a população”.
Isso, segundo frei Betto, se deve ao fato do Brasil, diferente de países como Argentina, Chile e Uruguai, não ter punido os torturadores que durante 21 anos de ditadura cometeram crimes inafiançáveis como tortura, prisões ilegais e banimentos.
Ao afirmar que em tudo a política interfere em nossas vidas, Frei Betto aproveitou para deixar uma mensagem de esperança: “o Brasil merece ser um país de Justiça, Equidade, Harmonia e Paz, em que toda a população tenha assegurada uma renda básica”. Para tanto, lembra que “governo é que nem feijão, só funciona na panela de pressão”, e que a esperança está no poder do voto democrático nas próximas eleições.
Frei Betto, que foi coordenador de mobilização social do programa Fome Zero em 2003 e 2004, disse que “não é a pandemia que mais mata hoje, é a fome”.
Segundo ele, 9 milhões de pessoas morrem por ano por falta do que comer, mas “não há mobilização para acabar com a fome, pois diferente do vírus que não faz distinção de classe, a fome faz”.
Confira entrevista na íntegra.