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A semana pós-ressaca do empate com a Suíça mostrou ao mundo que transformamos a tragédia da última Copa em produto tipo exportação com selo “classe média brasileira” de qualidade. Se vendemos o 7 x 1 da linha campo em 2014, na Rússia apresentamos nosso novo modelo da linha arquibancada.
Haja o que houver daqui para frente, a torcida do país que mais vezes conquistou uma Copa do Mundo ficará marcada na Rússia pelos episódios em que homens brancos endinheirados sacaram de dentro das malas o machismo, a misoginia e o racismo não identificados pelo sistema de raio-X no embarque.
Três dos brasileiros que humilharam uma mulher estrangeira fazendo referências à vagina dela para depois divulgar a baixaria num vídeo que viralizou nas redes sociais e repercutiu no mundo já foram identificados. A jurista russa Alyona Popova denunciou Diego Valença Jatobá, Eduardo Nunes e Luciano Gil e, caso fique comprovada a humilhação, o trio pode responder ação criminal.
Se o famoso e ainda dolorido 7 x 1 de quatro anos atrás ficou no campo, o 7 x 1 de 2018 tem a assinatura de todos nós. A diferença é que a tragédia desse ano carrega marcas muito mais profundas do que uma goleada no campo.
Num Brasil culturalmente racista e patriarcal é natural que nossa produção nacional viaje e ultrapasse fronteiras. Somos o país que mais mata LGBTs no mundo. Somos o país onde uma mulher é estuprada a cada 11 minutos. Somos o país onde mais de 70% da população carcerária é formada por negros, pobres e jovens moradores das periferias. Somos o país de poucos leitores e onde o principal livro lido é a bíblia.
Somos o país seletivo na hora de passar a mão na cabeça e procura desculpas ao invés de enfrentar a raiz do problema.
Na Copa de 2006, na véspera do jogo entre Brasil x França, o craque francês Thiery Henry disse em tom de crítica que os brasileiros jogavam bem porque não estudavam. E citou que, quando era criança, precisava estudar já que não tinha o mesmo tempo para jogar bola, como os nossos garotos.
Henry leu o Brasil. A imprensa brasileira divulgou ontem que o presidente postiço do país vai retirar R$ 1 bilhão da Educação para injetar na Segurança. Como se aplicar recursos na Educação não fosse o maior investimento preventivo na área de segurança pública.
Medidas como essa explicam o antropólogo Darcy Ribeiro, para quem a crise na Educação não era crise, mas um projeto. E reforçam a tese do historiador Luiz Antônio Simas, que costuma repetir que o Brasil tem dado certo porque a elite o projetou para ser do jeito que é. Sendo assim, só sairemos do buraco quando o país começar a dar errado.
Como se vê, nossas tragédias não começaram no dia em que levamos sete gols da Alemanha nem vão diminuir de tamanho se os meninos do Adenor trouxerem a sexta taça para casa.
Anestesia, mas não passa. Alivia, mas não cura.
Independente de tudo, seguiremos tratando o futebol como a coisa mais importante entre as menos importantes das nossas vidas, como profetizou o italiano Arrigo Sachi.
Eis uma bela definição para esse Brasil x Costa Rica de hoje.
Venceremos por 3 a 1, com dois gols de Neymar, faremos festa e nos acharemos tão importantes, mas tão importantes que nem vamos notar o óbvio ululante: amanhã começa tudo outra vez.