Invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022: um olhar além da superfície
Natal, RN 26 de abr 2024

Invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022: um olhar além da superfície

3 de março de 2022
7min
Invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022: um olhar além da superfície

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Por Robério Paulino

Com a invasão da Ucrânia pela Rússia há uma semana, instalou-se uma grande confusão nas fileiras da esquerda mundial. Muitas organizações herdeiras do stalinismo apoiam incondicionalmente a Rússia, sem qualquer crítica a Putin e à invasão da Ucrânia. Já nas fileiras do trotskysmo, grande parte das organizações se opõem à invasão, colocando-se contra a Rússia no conflito, chamando a oposição interna russa a derrotar seu governo e apoiando a resistência ucraniana.

O debate com as organizações stalinistas é mais simples. Pode-se até torcer pela Rússia no conflito, é compreensível, como queremos demonstrar nesse breve texto. Mas não é admissível não condenar a invasão, apoiar o governo Putin, um governo autoritário, até mesmo anticomunista, de um país já hoje igualmente capitalista. A invasão da Ucrânia por Putin dá argumentos aos imperialistas ocidentais em todo o mundo. A discussão com as organizações de origem trotskysta, no entanto, é mais complexa. Desde a década de 1930, ainda em vida de Trotsky, essa corrente não se deparava com um debate tão difícil. 

Para debater e expressar nossa posição, devemos começar com algumas perguntas:

1 - O direito à autodeterminação da Ucrânia deve pressupor que ela permita ao imperialismo ianque a instalação de mísseis nucleares a poucos minutos de Moscou e das principais cidades russas, o que não daria qualquer chance a Rússia de sequer preparar sua resposta a um futuro ataque? 2 - Quem vem se expandindo de fato nos últimos anos, com uma atitude de fato imperialista e agressora, provocativa, a Rússia ou a OTAN sobre os antigos países do extinto bloco soviético? 3 - Independentemente do seu regime político ditatorial e condenável, a Rússia tem o direito de se defender dessa ameaça nuclear, de não aceitar mísseis atômicos em suas fronteiras, a hegemonia dos EUA e a expansão da OTAN? 4 - Qual é o fato gerador de todo esse conflito, a recente invasão russa da Ucrânia ou a expansão provocativa e belicosa da OTAN em direção ao leste nos últimos anos? 5 - Os EUA aceitaram que a URSS instalasse misseis nucleares em Cuba em 1962? Aceitariam agora que a Rússia os instalasse na Venezuela? 

Grande parte da esquerda trotskysta parece confundir aparência com essência, não ver abaixo da superfície. Mesmo partindo de uma ótica trotskista, opinamos que muitas organizações desse campo estão se posicionando de forma muito equivocada no conflito sem sequer se dar conta da coincidência de terem a mesma posição do imperialismo e de toda imprensa burguesa no momento, fazendo coro com os distintos imperialismos que invadiram dezenas de países nas últimas décadas e agora posam hipócrita e angelicalmente de defensores da liberdade. Essas organizações igualam a ação defensiva russa nos últimos anos ao agressivo expansionismo imperialista no Leste Europeu, o que é um completo equívoco. É muito fácil fazer coro com toda imprensa capitalista mundial no momento, em sua demonização da Rússia. Ir na contramão do imperialismo e de sua imprensa cínica e hipócrita, nos isola do senso comum, sabemos, mas é necessário. 

Apesar de vir buscando aliados em seu processo de recuperação depois da explosão da URSS em 1991, a Rússia é uma país hoje marginal na economia mundial. Está no Conselho de Segurança da ONU por seu poder nuclear e seu papel na derrota do nazismo, ao custo de 26,5 milhões de vidas na II GM, o que lhe conferiu muita autoridade e o direito de estar naquele conselho, enquanto os EUA tiveram 450 mil mortos no conflito. A força da Rússia na ONU, portanto, reside no seu aparato militar nuclear e na sua história. Apesar disso, o imperialismo norte-americano vem tendo uma atitude essencialmente provocativa com a Rússia há anos, por esta não aceitar submeter-se, como fazem os demais países europeus e países do extinto bloco soviético. 

A expansão da OTAN em direção ao leste é diretamente uma perigosa provocação e uma ameaça à paz mundial. Essa é a posição mesmo de norte-americanos como Noam Chomsky e Bernie Sanders. Ver https://operamundi.uol.com.br/permalink/7344. Essa organização já não tem mesmo o sentido de existir.

Os distintos imperialismos capitalistas nunca perdoaram a Rússia por sua revolução de 1917, assim como, se pudessem, varreriam a China do mapa, mesmo com esses dois países já sendo hoje países capitalistas integrados ao se mercado mundial.  Essa é análise mesmo de alguns dos maiores especialistas e diplomatas norte-americanos, como Henry Kissinger e Jack F. Matlock, último embaixador dos EUA na antiga URSS. Ver entrevista em:  https://rebelion.org/la-actual-crisis-en-torno-a-ucrania-era-previsible-y-evitable/   

De forma alguma podemos apoiar a atitude expansionista da Rússia. Não apoiamos Putin, condenamos a invasão à Ucrânia e devemos exigir sua imediata paralisação e a volta das tropas russas para a fronteira, mas exigindo um recuo simultâneo também da Ucrânia em seu alinhamento militar com a OTAN e com seu compromisso de não aceitar a instalação de mísseis nucleares em seu território, como já fez a Finlândia. Que tudo seja resolvido através da negociação, da mobilização e da consulta aos povos russos e ucranianos, que com certeza não apoiam essa guerra. 

Não é só de política que se trata esse conflito, mas sim de geopolítica, de segurança de um estado que se sente cercado, de dar um freio ao expansionismo imperialista e militar dos EUA e da OTAN. A Rússia parece ter chegado ao seu limite de aceitar provocações e ameaças. Dada a invasão da Ucrânia pela Rússia, como um fato que não criamos e mesmo condenamos, faz-se necessário entender, no entanto, que uma derrota humilhante da Rússia no conflito tampouco seria boa, pois isso fortaleceria direta e imediatamente o imperialismo e a OTAN, em seu processo de expansão para o Leste. 

Faz bem ao mundo que o imperialismo norte-americano tenha contendores, como China e Rússia, especialmente no terreno militar, ainda que não concordemos em nada com os regimes políticos ditatoriais desses dois países. Ninguém escolheu os EUA como chefes do mundo. Pergunto novamente aos que discordarem de nossa posição: uma derrota russa no momento, como é defendido por algumas organizações trotskystas, deveria permitir a Ucrânia autorizar a instalação de mísseis nucleares a poucos minutos das principais cidades russas? Isso seria bom para o povo russo? Que autodeterminação é essa, que ameaça a vida de outro povo inteiro? A derrota russa no momento por acaso fortaleceria o povo russo, o povo ucraniano, ou os EUA e a OTAN em sua sanha imperialista e armamentista? 

Por tudo isso, mesmo sabendo que a realidade é muito movediça, que podemos estar errando e precisamos ir reavaliando nossa política a cada semana, a cada movimento na guerra, defendemos que nossa política não pode ser centralmente contra a Rússia nesse momento, por sua derrota, como fazem muitas organizações. Ela precisa partir primeiramente da exigência de paz, de que tudo seja resolvido através de negociação entre povos que não são inimigos e também de uma crítica dura ao expansionismo imperialista e nuclear dos EUA e da OTAN, como fez Bernie Sanders. Nossa crítica à Rússia tem que se enquadrar dentro dessa lógica. Penso que nossa política deveria incluir: 

- PELO FIM IMEDIATO DA GUERRA NA UCRÂNIA. NENHUMA VIDA PERDIDA A MAIS.

- PELA SAÍDA IMEDIATA DAS TROPAS RUSSAS DA UCRÂNIA E SEU RETORNO IMEDIATO À 

  FRONTEIRA, COM UM COMPROMISSO SIMUTÂNEO DA UCRÂNIA DE NÃO ENTRAR NA

  OTAN E NÃO PERMITIR A INSTALAÇÃO DE MÍSSEIS NUCLEARES NA FRONTEIRA COM A RÚSSIA.

- CONTRA A EXPANSÃO DA OTAN E PELO SEU FIM IMEDITATO. RETIRADA IMEDIATA DE TODOS

  SEUS MÍSSEIS NUCLEARES DO LESTE EUROPEU E PELO BANIMENTO DESSAS ARMAS EM TODO

  O MUNDO.

- POR UMA COMUNIDADE INTERNACIONAL E FRATERNA DOS POVOS. CHEGA DE ARMAS,

  IMPERIALISMOS E GUERRAS. POR UM MUNDO DE PAZ E AMIZADE ENTRE TODOS OS POVOS.

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