Mesmo com pioneirismo de mulheres na política, RN tem Assembleia Legislativa composta por maioria de homens
Natal, RN 28 de mar 2024

Mesmo com pioneirismo de mulheres na política, RN tem Assembleia Legislativa composta por maioria de homens

24 de setembro de 2022
13min
Mesmo com pioneirismo de mulheres na política, RN tem Assembleia Legislativa composta por maioria de homens

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Por Rebecca Falcão e Stephany Souza

O Rio Grande do Norte foi pioneiro na participação de mulheres na política e é ainda referência. Tendo sido o único estado brasileiro a eleger em 2018 uma mulher governadora, Fátima Bezerra (PT), também é o que teve o maior número de governantes do sexo feminino. Antes ocuparam o cargo Wilma de Faria, eleita em 2002 e reeleita em 2006, e Rosalba Ciarlini, que governou o estado entre 2011 e 2015.

Mas apesar de estar na dianteira da garantia dos direitos políticos das mulheres, no RN, as mulheres ainda estão sub-representadas na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, lugar onde acontecem negociações e são tomadas as decisões que norteiam os direitos das cidadãs do estado. Chama atenção que das 24 cadeiras da Casa, só três estejam ocupadas por mulheres. Ainda mais quando se observa que no estado, quase 53% do eleitorado é composto por elas, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Nesse pleito, 31 mulheres concorrem à deputada estadual no RN, o equivalente a 34,83% das candidaturas - pouco mais que os 30% garantidos pela lei nº 9.504/1997.

Em meio à presença majoritariamente masculina, três mulheres potiguares resistem em suas cadeiras: Cristiane Dantas (Solidariedade), Eudiane Macedo (Partido Verde) e Isolda Dantas (Partido dos Trabalhadores). Todas são candidatas à reeleição em 2022, quando foram registradas 320 candidaturas para o cargo. Desse total, 132 são mulheres, o que corresponde a 35,3%.

A equipe de reportagem tentou contato com as três deputadas estaduais, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.

Para a professora Cyntia Carolina Beserra Brasileiro, do departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (Uern), não existe apenas uma razão que explique o motivo do percentual de eleitoras no estado não se refletir em representatividade, mas existe um fato: as desigualdades de gênero precedem os ambientes de tomada de decisão.

“Muito temos a investigar. As teorias políticas feministas revelam que especialmente no Brasil, temos uma estrutura que consolida a figura do masculino como referencial privilegiado no ambiente político. Logo, muitas das barreiras seculares que excluem as mulheres destes espaços estão relacionadas a estas ficarem relegadas ao trabalho e vivência do lar, enquanto o homem aspira e vive a rua”, explicou.

A professora ainda aponta a importância das cotas eleitorais para que as mulheres possam participar da política. “O aporte jurídico tem sido um forte aliado para recrutar e consolidar a presença de mulheres em espaços políticos, sejam em movimentos, representações e/ou cargos”, coloca, ao acrescentar que, apesar de ser uma iniciativa relevante, as cotas por si só não garantem a consolidação da candidatura das mulheres.

Para ela, é necessário conhecer personalidades que marcaram a história potiguar e incentivar mulheres à vida pública. “É mais uma possibilidade de ter pautas e agendas discutidas que versem sobre políticas de incentivo, de oportunidades [para mulheres]”, finaliza.

Com mais da metade do povo brasileiro sendo composto pelo gênero feminino - de acordo com dados do IBGE, as mulheres correspondiam em 2019 a 52,2% da população - a escolha de votar em mulheres é também uma questão de representação democrática. É necessário que a maioria populacional esteja refletida também nos espaços políticos, para que o enfrentamento às tantas desigualdades e violências possa ser feito por pessoas sensíveis à causa.

A jornalista Jamilly Nogueira, 36 anos, decidiu em 2018 votar preferencialmente em mulheres para ocupar cargos públicos. “A mim, incomoda muito o pouco espaço que as mulheres possuem dentro da política brasileira e resolvi que, como mulher, o mínimo que posso fazer é colocar mulheres para me representarem nesses espaços”, relatou.

Mulheres fortes e de grande destaque nacional deixaram escrito no histórico do Rio Grande do Norte um importante e significativo legado político, mas o caminho para alcançar equilíbrio dentro da Assembleia Legislativa ainda é longo e a caminhada até a igualdade possui obstáculos.

Andorinha só não faz verão. Para Jamilly, a ausência de mais deputadas estaduais dificulta a criação de políticas públicas voltadas para as potiguares. “As políticas para as mulheres, as políticas de gênero, de promoção da igualdade só se tornam efetivas quando as próprias mulheres atuam como protagonistas durante todo o processo, porque só nós sabemos as dificuldades que passamos por sermos mulheres e as lutas que ainda temos que enfrentar”, reforça.

A presença feminina na política brasileira é a garantia de reverberar as lutas, dores, necessidades e presença das mulheres. A professora Cyntia Carolina Beserra Brasileiro também reafirma que “enquanto isso não ocorre, não só a AL-RN, mas no Brasil como um todo, a nossa voz continuará tal como as mulheres, sub-representadas”.

Celina Guimarães, primeira eleitora brasileira. Foto: Reprodução

Relembre as conquistas políticas de mulheres no RN

A lei estadual nº 660, de 25 de outubro de 1927, garantiu às potiguares votarem e serem votadas quando nenhuma outra mulher no Brasil exercia esse direito.

O movimento pelo sufrágio feminino surgiu em países como Estados Unidos e tomou força também no Brasil, sendo encabeçado por figuras importantes como Bertha Lutz, conhecida como a maior líder na luta pelos direitos políticos das mulheres brasileiras. Outro importante personagem para essa conquista foi Juvenal Lamartine - à época senador da República e candidato ao cargo de presidente do estado do RN.

A partir da promulgação da lei, mulheres puderam se alistar nas eleições. Celina Guimarães, professora, aos 29 anos, se tornou a primeira eleitora do Brasil, registrada na cidade de Mossoró em 1927.

Além disso, é do Rio Grande do Norte que vem a primeira mulher eleita prefeita de uma cidade brasileira. Em 1928, Alzira Soriano alcançou o cargo administrativo da cidade de Lajes, e a conquista histórica teve repercussão internacional. No dia 8 de setembro daquele ano, o jornal The New York Times publicou que “uma mulher foi eleita prefeita de um município do interior do estado do Rio Grande do Norte”.

Confira entrevista com a professora da UERN Cyntia Carolina Beserra Brasileiro, doutora em Ciências Sociais:

Como você enxerga as cotas? É uma iniciativa que realmente insere mulheres no poder público?

No Brasil, o aporte jurídico tem sido um forte aliado para recrutar e consolidar a presença de mulheres em espaços políticos, sejam em movimentos, representações e/ou cargos. Um marco importante é o ano de 1995, com a criação de uma legislação que se debruça sobre as cotas eleitorais, mas nada ainda específico sobre um percentual de vagas. Contudo, o Congresso Nacional aprova em 1997 o artigo 10, parágrafo 3º da Lei nº 9.504, onde afirma que: “cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo”. É importante trazer a compreensão de que as cotas no Brasil são voluntárias/indicativa. Ela adentra enquanto uma política pública redistributiva, sem penalidade para o não cumprimento. Diferente de outros países da América Latina, tais como: Bolívia, Argentina, Costa Rica. São medidas importantes, valorosas. Entretanto, a cota isoladamente não consegue garantir que as mulheres no Brasil consigam consolidar de maneira efetiva as suas candidaturas, é possível perceber que há o aumento no número de candidatas, mas ainda a sub-representação de mulheres que são eleitas, conjunto de uma miscelânea de fatores que são investigados cada vez mais em pesquisas acadêmicas.

Por que as mulheres, mesmo sendo maioria no eleitorado potiguar, ainda têm tão baixa representação na AL-RN?

Muito se tem divulgado e enfatizado sobre o número apto de mulheres votantes para a presente eleição, um percentil aproximado de 53%, entretanto, não podemos falar de uma paridade na representação das mesmas nas assembleias. Esse é um dado sistêmico, eles são ampliados e verificados quando adentramos aos cenários dentro de suas particularidades. Não se trata somente do Rio Grande do Norte, mas do Brasil. É um fato. Atualmente, temos apenas três representantes em exercício na AL-RN, dentre um universo de 24 representantes, o que representa menos de 13% da participação feminina.

Cyntia Carolina Beserra Brasileiro | Foto: acervo pessoal

Se o dado é sistêmico, não podemos elencar apenas um motivo. Mas, sobretudo atentar para o fato de que as desigualdades de gênero precedem os ambientes de tomada de decisões. E, se precedem, certamente a não representação se consolidaria como um fato. Muito temos a investigar, as teorias políticas feministas desvelam que especialmente no Brasil, temos uma estrutura que consolida a figura do masculino como referencial privilegiado no ambiente político. Logo, muitas das barreiras seculares que excluem as mulheres destes espaços estão relacionadas à estas ficarem relegadas ao trabalho e vivência do lar, enquanto o homem aspira e vive a rua.

Falar, portanto, da igualdade de gênero é tensionar a maneira pela qual a própria estrutura se assenta: compreender o complexo sistema de lista aberta que figura nos candidatos primazia, pensar a política como um campo de representação de profissionais e assim sendo, que exige de mulheres recursos e hiperqualificação, porque para ser mulher e entrar na política é preciso trabalhar e provar uma, duas, três vezes mais... As mulheres são saqueadas de seus direitos quando assistimos escândalos e uma ausência de uma fiscalização na redistribuição de recursos nas disputas internas dos partidos. Para além do machismo diários, dos estereótipos e violência política à que são alvos diariamente.

Ao fim, podemos afirmar que ter mulheres querendo adentrar na vida política já é um feito, diante de tantas baixas que as mesmas sofrem. E temos! Ainda que não seja tão significativo como gostaríamos, temos visto movimentos, divulgações, a própria lei de cotas como mecanismos importantes para esta presença ser eficaz. Enquanto isso não ocorre, não só a AL-RN, mas no Brasil como um todo, a nossa voz continuará tal como as mulheres, sub-representadas.

Como você analisa o comportamento eleitoral das mulheres potiguares?

Como é possível ver em pesquisa realizada no Instituto Alziras (2018), a região Nordeste possui o maior percentual de mulheres eleitas ao cargo do executivo municipal, sendo o Rio Grande do Norte o segundo estado com maior número de prefeitas eleitas, ficando atrás apenas de Roraima. O Nordeste, em especial o estado potiguar, nunca deixou de se mostrar efetivo quando se tratava de candidaturas femininas, sendo, também, o único estado do Brasil a eleger uma governadora mulher em 2018, a Fátima Bezerra, o que revela essa tenacidade da mulher potiguar.

Para esta vitória, 46,17 % dos votos recebidos pela governadora foi de mulheres o que não dista do percentual masculino que também votou na mesma. Entretanto, o mesmo não podemos sinalizar para a participação feminina nos votos para os cargos de Deputados Estaduais (18,21%) e Federais (19,18 %), Senador(a) (27,72 %) e Presidente (0,65 %). O que nos faz refletir sobre como a disputa em níveis locais/regionais podem ou não gerar mais engajamento das mulheres. Chama-nos também especial atenção no caso das eleições para a AL-RN e as implicações que tem a ausência dessa participação feminina nos votos na composição de uma Câmara majoritariamente masculina. São dados que necessitam mais análises, mas que sinalizam ambiguidades dessa presença feminina: se por um lado temos o RN como estado que mais projeta mulheres em cargos ao governo, temos um quantitativo ainda pequeno no que se refere a presença e comparecimento destas mulheres nas eleições.

A história de pioneirismo eleitoral do RN influencia no voto das mulheres potiguares? Se não, você pode apontar um porquê?

Certamente que influencia. Não podemos falar de democracia, quando pessoas e grupos continuam sendo excluídos de pautas e direitos. E, poderá ainda mais, quando conseguirmos fazer com que a cultura política seja tema debatido e incentivado nos ambientes escolares. O Rio Grande do Norte do primeiro voto feminino da América Latina, da primeira prefeita do país, da primeira deputada estadual diplomada no Brasil e da militante Nísia Floresta possui um protagonismo político feminino nos dias atuais. Conhecer a história de mulheres é incentivar que outras desejem e façam a diferença. Cada mulher que conseguimos recrutar e eleger é a voz e chance de poder falar de equidade. É mais uma possibilidade de ter pautas e agendas discutidas que versem sobre políticas de incentivo, de oportunidades.

*Esta reportagem é fruto do projeto “Educação e jornalismo: ocupando o vazio de notícias do RN”, financiado pela Meta através do programa International Center for Journalists (ICFJ).

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