Vereadores concluem votação de emendas a Plano Diretor de Natal; nova versão permite construções mais altas sem estudos de impacto
Natal, RN 26 de abr 2024

Vereadores concluem votação de emendas a Plano Diretor de Natal; nova versão permite construções mais altas sem estudos de impacto

1 de setembro de 2022
11min
Vereadores concluem votação de emendas a Plano Diretor de Natal; nova versão permite construções mais altas sem estudos de impacto

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A Zona de Proteção Ambiental nº 9 (ZPA-9), que abrange parte dos bairros de Lagoa Azul, Pajuçara e Redinha, na zona norte da cidade, foi a última, dentro do Plano Diretor de Natal, a ser votada pelos vereadores da Câmara Municipal de Natal, na manhã desta quinta (01).

Ao todo, foram encartadas 31 emendas que alteram o projeto original 04/2022, de autoria da Prefeitura de Natal, sendo 29 de autoria do vereador Klaus Araújo (Sem Partido). As alterações mudam a delimitação da ZPA, das subzonas de proteção e Áreas Especiais de Interesse Social (AEI's) do Gramorezinho, Eldorado e Cavaco Chinês. Com a regulamentação, ficam permitidas construções em áreas de uso restrito para habitações sociais, construções urbanas de pequeno porte ou para equipamentos públicos de turismo, lazer, cultura e esporte.

As alterações foram criticadas pelos vereadores da oposição, que ficaram preocupados com a redução da área verde, diminuição do tamanho da ZPA e com a menor exigência de instrumentos de controle. Nesta quarta (31), os vereadores já tinham votado em segunda discussão (quer dizer que é a última votação antes do documento ser encaminhado para sanção do prefeito), os Projetos de Lei Complementar 003/2022, 004/2022 e 005/2022, que regulamentam as Zonas de Proteção Ambiental 8, 9 e 10 do Plano Diretor. A votação foi iniciada pela ZPA 10, que foi aprovada com 14 emendas encartadas. As emendas nº 17, nº 34, nº 39, nº 18, nº 19 e nº 113 foram consensuais entre as bancadas do governo, da oposição e independente, enquanto as demais foram aprovadas após discussão em plenário.

Vereadores em votação nesta quinta (01) I Foto: Francisco de Assis
Vereadores em votação nesta quinta (01) I Foto: Francisco de Assis

DESENVOLVIMENTO NAS ALTURAS

De acordo com o Novo Plano Diretor de Natal, apresentado pelo prefeito Álvaro Dias (PSDB), durante um evento realizado nesta quarta (31), as áreas sobre as quais será possível construir passou de 27% para 70%. A mudança brusca foi possível porque a cidade, que antes era dividida em Zonas de Proteção Ambiental (ZPA’s) com 33% zonas de adensamento básico (40) e áreas adensáveis (27%); passou para apenas duas divisões: zonas adensáveis (68%) e ZPA’s (32%).

Para a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (Semurb), o aumento das zonas adensáveis - aquelas áreas consideradas com estrutura adequada para receber construções e moradores, como esgotamento sanitário, rede elétrica e fornecimento de água, por exemplo - representa um melhor aproveitamento do solo.

Visão bem diferente de quem avalia que a ampliação das áreas adensáveis da capital deve vir acompanhada de estudos de impacto, o que não ocorreu no caso do atual Plano Diretor de Natal.

O Plano é um mostrengo jurídico que cai na mesma armadilha que caiu o anterior, de 2007, e do qual eles reclamavam porque era enorme com 121 artigos. Porém, esse atual tem 292! O que eles farão com esse de agora que é maior, mais complexo e complicado? Eles não têm sequer um departamento dentro da Semurb para acompanhar o Plano Diretor, nem na Secretaria de Planejamento. Vão conseguir fazer funcionar? Duvido muito, se tivessem estrutura, já teriam feito os Planos anteriores darem certo”, questiona o ambientalista Francisco Iglesias, que também é arquiteto e corretor de imóveis.

Para efeito comparativo, Iglesias cita que, recentemente, foi concluída a construção do prédio mais alto de São Paulo, o edifício Platina 220, com 172 metros de altura. Pelo novo Plano Diretor de Natal, será permitida a construção de edifícios com até 140 metros de altura (cerca de 50 andares).

São Paulo é uma cidade que tem 12 milhões de habitantes e com um desenho imobiliário que não tem nem como comparar com Natal. Isso não cabe numa cidade de 800 mil habitantes! Para o desenho urbano de Natal, não tem lógica”, argumenta Iglesias.

Prédio mais alto de São Paulo I Foto: Porte Engenharia/Divulgação
Prédio mais alto de São Paulo I Foto: Porte Engenharia/Divulgação

A QUEM INTERESSA?

Aumentar gabaritos de construção, tornar as regras de controle ambiental mais flexíveis, sem exigência de estudos de impacto ambiental, por mais contraditório que possa parecer, interessa não apenas ao setor imobiliário. Com mais gente e imóveis, a prefeitura também acaba lucrando, por causa do aumento na arrecadação de impostos.

O grande especulador também é a prefeitura, que está interessada em recolher mais IPTU. Para você ter ideia, uma lei que foi aprovada de 2017 para 2018, sem consultar o povo, aumentou em torno de 400% a 500% o IPTU de um ano para o outro! Então, quanto mais ela adensa a cidade, mais ela tem arrecadação. Qual gestor não quer? A prefeitura virou uma grande especuladora imobiliária. Em 2017, a previsão de arrecadação de IPTU era de R$ 71 milhões, em 2022, cinco anos depois, esse valor passou para R$ 212 milhões, são 300% a mais! Nenhum indicador econômico tem reajuste de 300%. É uma violência econômica”, critica Francisco Iglesias

A CULPA DA CRISE IMOBILIÁRIA

Entre os argumentos apresentados pela Prefeitura de Natal para ampliar o potencial de construção na capital, estava o de que o setor imobiliário estava em crise por causa das “amarras” impostas pelo Plano Diretor, cuja nova versão traria investimentos e desenvolvimento.

No entanto, o ambientalista, que também trabalha com questões imobiliárias, contextualiza questão e aponta que o problema passa bem longe de questões ligadas à permissibilidade para construção de prédios mais altos.

A crise imobiliária começou em 2008, nos Estados Unidos, e até demorou a chegar no Brasil. Se alastrou pela Europa e eclodiu aqui, onde tínhamos a presença massiva de espanhóis e portugueses, que depois desapareceram! A pergunta que fica é se temos compradores para isso [para esses novos imóveis que serão construídos em prédios mais altos]? Teria, se Natal fosse a cidade dos sonhos, se fosse bem administrada. Natal tem todas as qualidades para ser uma cidade maravilhosa, com um urbanismo maravilhoso, mas a cidade está em decadência. Tudo é mal cuidado, não tem programa de recuperação de calçadas, o lixo está em toda cidade. A área da orla de Ponta negra, por exemplo, que é uma das mais valorizadas com mais de dez mil leitos, há lixo pra tudo quanto é lado, a praia é uma verdadeira favela”, denuncia Iglesias.

CIDADES VERDES SÃO MAIS VALORIZADAS

Parque das Dunas I Foto: Caroline Macedo

Ruas e calçadas esburacadas, lixo pelo chão, jardins abandonados e a falta de arborização, são indícios de uma cidadania ausente, que também se reflete na desvalorização do lugar. Somado isso à política de verticalização da cidade, sem qualquer acompanhamento de seus impactos como está previsto no atual Plano Diretor, leva a um caminho já percorrido por grandes capitais que hoje sofrem com a impermeabilização do solo, que resultam nos alagamentos e enchentes em época de chuva, e num desconforto térmico difícil de ser revertido.

Quando você aumenta o adensamento, aumenta também o número de veículos e o desconforto sem nenhum estudo da infraestrutura. Não se faz isso! Não estamos preocupados com as consequências, com a qualidade do ar... isso não entra! O Plano fala em princípios, mas antes, havia uma conexão entre os princípios e o que ele permitia. Hoje, não há conexão nenhuma! Um exemplo, eles permitiram a redução da área permeável de 20% para 10%, desde que apresente um projeto de drenagem dentro do imóvel. Entretanto, alguém fiscaliza isto? Acabam a maioria impermeabilizando todo o terreno e drenando esta água para via pública, criando esta situação calamitosa. Natal é uma das cidades do Nordeste em situação mais confortável em termos de fornecimento de água, graças ao lençol freático. Mas, quando você reduz a área permeável dos imóveis, você está dizendo que pode impermeabilizar tudo! Num dia de chuva fica impossível caminhar pela cidade e o trânsito emperra”, alerta Iglesias.

Na avaliação d0 ambientalista, Natal certamente estaria entre as 100 cidades mais lindas do mundo, se tivesse seu aspecto urbano bem cuidado, respeitando sua natureza. A capital potiguar tem déficit de cerca de 300 mil árvores e, apesar de algumas iniciativas, ainda não há um plano de arborização capaz de resolver essa questão.

"Quanto mais arborizada é uma cidade, com mais conforto e qualidade de vida, mais valorizada ela é economicamente, inclusive, imobiliariamente. A qualidade de vida é um valor econômico. No entorno de praças e espaços bem cuidados, o valor dos imóveis é maior. A natureza de Natal é belíssima, põe ela entre as 100 cidades mais bonitas do mundo! Mas, a parte urbana é feia. Nos anos 50, Natal era uma cidade muito bem arborizada com seus 50 ou 60 mil habitantes. Vamos tentar integrar nossa natureza, integrar, criar corredores de arborização", sugere o ambientalista.

MOBILIDADE

O problema da mobilidade urbana também é uma questão antiga e que vem passando por diversas administrações sem que seja resolvida. A Prefeitura de Natal não conseguiu realizar, até hoje, a licitação do transporte público. Pelo menos 34 linhas foram devolvidas por empresários de ônibus, desde o início da pandemia da covid-19, sob o argumento de baixa demanda de passageiros.

Já as intervenções e obras realizadas no trânsito demonstram que, ao contrário dos lugares mais civilizados, a prioridade na capital são os carros, e não as pessoas.

Calçada padronizada na avenida Salgado Filho I Foto: Mirella Lopes
Calçada padronizada na avenida Salgado Filho I Foto: Mirella Lopes

Essa questão da mobilidade vem desde quando a cidade tinha 160 mil habitantes até hoje, quando está com quase 900 mil, e não resolveram! Nós lutamos por um plano de mobilidade obrigatório que tinha que ser feito até 2009, mas acabou! Nem preocupação com isso eles têm! Nós pressionamos e nada foi feito! Quer um exemplo de como não cuidam da cidade? Quantos pontos de ônibus cobertos nós temos em Natal? São pouquíssimos diante da necessidade da população. Lata de lixo, onde temos? Até aquelas mal feitas, alternativas, que colocaram na avenida Engenheiro Roberto Freire sumiram. Uma vez um secretário disse que tinha comprado 400 latas de lixo. Onde elas foram parar? Onde está o investimento em cidadania, educação ambiental? As políticas são incompletas, falhas e ineficientes. O cidadão não vê o dinheiro que ele paga de imposto chegando até ele”, lamenta Iglesias.

A cidade precisa ser administrada com carinho. Falta arborização, calçadas jardins, limpeza pública eficiente e investimento em equipamentos urbanos, como foi feito na avenida Ponta Negra, porém, privilegiando os pedestres, e não os carros, como nas obras executadas em Ponta Negra”, conclui.

Parada de ônibus na Avenida Salgado Filho, em Natal (RN) I Foto: Mirella Lopes
Parada de ônibus na Avenida Salgado Filho, em Natal (RN) I Foto: Mirella Lopes

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