Bolsonarismo é “ferida” na história das igrejas evangélicas; veja o que pensam pastores do RN
Natal, RN 3 de mai 2024

Bolsonarismo é “ferida” na história das igrejas evangélicas; veja o que pensam pastores do RN

17 de outubro de 2022
10min
Bolsonarismo é “ferida” na história das igrejas evangélicas; veja o que pensam pastores do RN

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O Estado ainda é laico, mas o cristianismo está entre os temas centrais da campanha presidencial neste segundo turno, graças aos apelos da extrema direita. Nos últimos dias, bolsonaristas têm atacado a Igreja Católica e até o papa, enquanto alguns líderes religiosos, sobretudo evangélicos, usam e são usados pelo partidarismo de Jair Bolsonaro (PL). Mas ainda que aparentemente se beneficiem do discurso ora conservador, podem também não sair ilesos dessa relação.

O bolsonarismo será um golpe para igrejas, com perda de credibilidade de líderes que o apoiam. Essa é a avaliação do pastor da Igreja Batista Orivaldo Lopes Júnior, coordenador da Frente de Evangélicos Pelo Estado de Direito. Teólogo, doutor em Ciências Sociais e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), ele acredita que os religiosos têm sido uma espécie de intermediários/bloqueio entre o povo e um pensamento diverso.

A interferência é desleal e ampliada pela onipresença, não a divina, mas aquela promovida pela conectividade. “Antes era no culto dominical, hoje é toda hora a todo momento através do WhatsApp e outras redes sociais. É realmente uma captura de subjetividade muito forte. A um custo violento, não só para a democracia, para justiça social no Brasil, para superação das crises ambientais,etc, mas um golpe para a igreja”.

Ele explica que a categoria se sustenta pela credibilidade, que está ameaçada com o atual apoio político.

“Essas pessoas vão perder cada vez mais a sua credibilidade, elas vão derrubar uma coluna central de sustentação da lógica evangélica. Bem diferente de outros grupos, isso vai ser uma ferida muito grande na história”.

Pastor da Igreja Batista, Orivaldo Lopes Júnior é teólogo e professor da UFRN. | Foto: cedida

Redes

O pastor detalha porque esse grupo se diferencia dos demais: “As pessoas evangélicas são cidadãs como outras quaisquer, iguaizinhas, e passam pelas mesmas necessidades, em alguns casos, fome e violência das periferias. O diferencial é que elas se agregam. E esses agrupamentos são coordenados por lideranças, que têm muita credibilidade na transmissão daquilo que dizem”.

Se é verdade que o diabo é o pai da mentira (João 8:44), é pelas lideranças que o mal entra nas igrejas.

“Os gabinetes do ódio se encarregam de suprir essas lideranças com uma massa enorme de fake news, de uma campanha acirrada contra Lula e exaltação ao Bolsonaro. Essas lideranças passam para os seus liderados as mensagens que chegam com um peso de credibilidade. E aí aquela mentira passa a ser verdade”, avalia o pastor.

“Porque que esses líderes recebem essas fake news e acreditam nelas é que é a grande questão. Certamente porque eles têm algum tipo de interesse na ascensão dentro da própria instituição, algum outro tipo de promessa, alguma coisa que que capturou essas pessoas”, fala, ao analisar que o discurso utilizado pela extrema direita que move os evangélicos, aponta que ele confirma todo tipo de preconceito, conservadorismo que marca a população brasileira, de aceitação da ditadura, por exemplo, de pautas moralizantes.

“Acaba sendo um campo muito fértil para proliferação de fake news e para adesão a um projeto conservador genocida como é o do Bolsonaro. É uma situação realmente terrível porque esse processo, ao se demonstrar a sua falsidade, vai desmontar toda a estrutura de credibilidade que dá sustentação interna ao funcionamento dessas igrejas”, reitera. “Isso vai provavelmente causar algum tipo de crise interna nessas igrejas após a derrota de Bolsonaro que nós esperamos acontecer agora dia 30 de outubro”.

A pastora da Igreja Betesda Marilac de Castro lembra que “líderes inescrupulosos” há muito tempo usam o nome de Deus para garantir que a solução para todos os problemas do país está em um governo supostamente “cristão”.

“Na década de 1980, 1990, eu participava de muitos congressos evangélicos nacionais. E desde aquela época tinha essa ideia do Brasil para Jesus, que nós temos que eleger um homem que que faça diferença, que os Estados Unidos são uma potência porque tem o nome de Deus na cédula de 1 dólar,…”, contextualiza Marilac.

Na percepção da pastora, Bolsonaro apareceu dizendo ser alguém capaz de ocupar esse vácuo. Primeiro, religiosos se candidataram ao Legislativo, outros interferiram apenas com apoio, a partir de Malafaia, trabalhando para eleger Anthony Garotinho no Rio de Janeiro.

Marilac de Castro diz que evangélicos relação entre religião e política tem sido leviana. Foto: cedida

“Jair Bolsonaro é a junção desse desejo latente de ter um líder que os represente. Eles que foram muitas vezes discriminados porque a religião católica tinha supremacia. É como se quisessem dizer ‘agora é a nossa vez’”.

“Tudo isso nos arrastou para esse momento que a gente tá vivendo, onde a religião e o Estado estão mais do que misturados e de uma forma bem irresponsável e leviana”, diz a pastora Marilac de Castro.

“Religião sempre foi espaço de disputa por poder, desde a Idade Média. Evangélico, generalizando, se acha dono da verdade e do céu. Os fundamentalistas torcem pelo fogo do inferno para os ‘ímpios’. Aí junta a tudo isso, a visão messiânica de serem responsáveis por salvar a humanidade”, completa.

Nível de interferência

De acordo com o professor Orivaldo Lopes Júnior, o bolsonarismo era muito mais forte há quatro anos entre os evangélicos. Em 2018, aproximadamente 68% deles declaravam voto no atual presidente. Foi quando personagens influentes desse meio declararam apoio à candidatura de Jair, como o pastor Silas Malafaia, da Igreja Assembleia de Deus, e Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus.

Orivaldo acredita que desta vez não passam de 50% os evangélicos com Bolsonaro, parcela ainda bastante expressiva, mas que demonstra redução.

Uma pesquisa realizada em 2020 pelo Instituto DataFolha apontou que 50% da população brasileira é católica e os que evangélicos representam 31% da população (mais de 65 milhões de pessoas). Já as pesquisas de intenção de voto para o segundo turno das Eleições 2022 mostram que Luis Inácio Lula da Silva (PT) é o candidato da maioria dos católicos, enquanto Bolsonaro permanece sendo preferência dos evangélicos.

“Eu acho que se quebrou aquele monobloco que tinha se formado. A liderança ainda está muito presa aos gabinetes do ódio por conta de tradição antiga, porque tem interesse envolvido”, comenta.

Bolsonaro ganha no apelo: usa o nome de Deus a todo instante. E perde na prática: pouco afeito aos valores verdadeiramente cristãos, enaltece a violência, as armas; agiu com impiedade diante dos mortos, doentes e enlutados da pandemia; é acusado de envolvimento em diversos esquemas de corrupção; tem conduta sabidamente imoral e criminosa, ao confessar ter entrado em uma casa porque achou que havia exploração sexual de adolescentes de 14 e 15 anos de idade. Anos antes disso, disse que usava dinheiro público pra “comer gente”. Nesse caso, referindo-se ao ato sexual, mas chegou a mencionar que não participou de ritual de canibalismo por falta de companhia.

Evangélicos antifascistas e com Lula

Ao saberem o erro que é associar a figura de Bolsonaro a qualquer religião, muitos evangélicos optam pelo voto em Lula. No dia 10 de outubro, um grupo se reuniu no Comitê de Lula em Natal e o principal tema debatido foi o combate às fakes.

“São muitas as notícias falsas criadas contra Lula usando religião e fé como argumento. Mentiras criadas com o único objetivo de assustar evangélicos, promover discurso de ódio e preconceito religioso. Tudo para tentar afastar os cristãos de Lula”, diz publicação do PT no RN, lembrando que Lula é cristão e acredita que a liberdade religiosa é fundamental para a democracia e a liberdade de crença e culto é um direito assegurado a todos os brasileiros.

Foi o ex-presidente que sancionou a Lei 10.825/2003, reconhecendo as organizações religiosas como instituições privadas e garantindo liberdade para que igrejas sejam criadas. Foi também o responsável pela Lei 12025/2009, que instituiu o Dia Nacional da Marcha para Jesus, sempre o primeiro sábado subsequente aos 60 (sessenta) dias após o Domingo de Páscoa.

De acordo com o dirigente do PT e co-pastor Rildo Santos cerca de 80 pessoas se reuniram entre integrantes das igrejas Adventista, Batista, Presbiteriana, Assembleia, Presbiteriana, Luterana, Anglicana, Pentecostal, Católica. “Foi um grupo bem eclético, uma atividade muito democrática e agendamos algumas atividades de caminhada e outros eventos”.

Evangélicos se unem em campanha de Lula. | Foto: divulgação

O Missionário Moshé, da Congregação Batista Peregrina de Natal, que também faz parte da Frente de Evangélicos Pelo Estado de Direito, diz que a postura bolsonarista de líderes tem afastado fiéis, mas outros que discordam não pretendem sair de suas igrejas. E assim, travam embates acalorados.

"Alguns desistiram, pois não suportam mais tanta idolatria dispensada aos seus candidatos prediletos, em especial, à Presidência da República. Esses irmãos compartilham as posturas de muitos de seus líderes, a perseguição que eles vêm exercendo nos púlpitos de suas igrejas, sobretudo de presidentes de convenções maiores, com aglomerados de igrejas. São inúmeras as formas de opressão e tentativas de assédio político-religioso”, observa o missionário, ao destacar o papel do coletivo.

“Aqui no RN, temos recebido dezenas de irmãos e irmãs. A maioria é da Assembleia de Deus, seguida de Batistas, mas também tem advindos de outras denominações. Todos horrorizados com o que tem ocorrido dentro das igrejas evangélicas, no apoio irrestrito e irresponsável por parte das lideranças a Jair Bolsonaro, usando o nome de Deus para catalisar votos nele. Muitas pessoas estão sendo oprimidas dentro das igrejas por causa disso. A grande maioria tem cedido, mas tem muita gente dentro delas resistindo, mesmo com seu voto ‘envergonhado’”.

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