Gasolina tem forte impacto no poder de compra dos brasileiros
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Gasolina tem forte impacto no poder de compra dos brasileiros

22 de outubro de 2022
7min
Gasolina tem forte impacto no poder de compra dos brasileiros

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Por Rodolpho Vasconcelos*

A situação dos preços dos combustíveis tem sido um dos temas mais corriqueiros nessa campanha presidencial. Primeiro devido à política de preços aplicada pela Petrobras a partir de 2016, que atrela o valor da gasolina, diesel, gás veicular e de cozinha ao preço internacional do petróleo (preço de paridade de importação – PPI), acrescido ainda de custos de importação (como transportes, custos portuários, seguros e armazenagem). Na prática, o modelo considera como se a estatal fosse uma importadora de combustíveis. Mas é sabido que a Petrobras produz e refina no Brasil, tendo boa parte dos custos atrelados à moeda brasileira, o Real.

À título de comparação, em seis anos de PPI, o gás de cozinha subiu 281% nas refinarias. O gás liquefeito de petróleo (GLP) foi o combustível que mais aumentou desde que a Petrobrás criou o modelo, que permitiu inclusive multiplicar o lucro dos acionistas. Já nos 13 anos anteriores, o reajuste do gás nas refinarias foi de apenas 15,5%.

Entretanto, segundo analistas políticos, em um apelo eleitoreiro, desde o dia 01 de setembro deste ano a Petrobras vem mantendo o preço da gasolina congelado. Mas a pressão sobre a petroleira vem crescendo devido às novas altas no preço internacional do petróleo. O do tipo Brent teve alta de mais de 14% entre o final de setembro e meados de outubro. Isso relacionado, principalmente à situação ainda instável da Guerra na Ucrânia e dos novos cortes de produção internacional de petróleo anunciados no começo deste mês pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep+). A entidade acordou uma redução de 2 milhões de barris por dia (bpd) a partir de novembro. Esse é o maior corte desde abril de 2020, quando a pandemia de Covid começou.

O movimento inflacionário no país vem sendo fortemente impactado pela variação do preço dos combustíveis e também dos demais derivados de petróleo aqui no Brasil. Os insumos são relevantes para o funcionamento de várias cadeias, e consequentemente, na condição de vida e sustento dos brasileiros.

Dessa forma, em uma tentativa de redução do valor final dos combustíveis sem mexer no lucro da petroleira brasileira, o governo federal tem aplicado medidas tributárias. Em março deste ano Bolsonaro sancionou lei que zerou até o fim de 2022 as alíquotas do PIS/Cofins incidentes sobre diesel, biodiesel, gás de cozinha e querosene de aviação. Em junho, foi a vez da lei que zerou esses impostos sobre gasolina, álcool e Gás Natural Veicular (GNV).

De fato, o reflexo foi uma certa redução no preço final dos combustíveis. Mas, segundo cálculos da Receita Federal e do Tesouro Nacional, estima-se que com as duas medidas somadas, o governo deixou de arrecadar R$ 31,2 bilhões para os cofres públicos.

Para 2023, o projeto do Orçamento enviado em agosto pelo governo ao Congresso Nacional renova a redução de impostos federais. A proposta apresentada tem impacto calculado de R$ 52,9 bilhões para o ano que vem.

Em clima de campanha, Bolsonaro tem dito que o Brasil tem a gasolina que é uma das mais baratas do mundo. Quando esteve na Inglaterra para o funeral da rainha Elizabett II, comparou o preço do litro do combustível de lá convertendo a Libra em Real e se vangloriou que o valor de lá estaria bem mais baixo que aqui.

Acontece que não é assim que a banda toca. Não basta realizar a comparação do litro convertendo o valor da moeda. Deve-se fazer uma análise mais completa entre os países, comparando-se o impacto do preço médio do litro da gasolina na renda do cidadão de cada país.

Assim, fizemos uma análise comparativa utilizando-se dos dados da Global Petrol Prices, que cota os preços dos combustíveis, e da plataforma do Country Economy, que apresenta o salário-mínimo nacional. Em ambos os casos se converteu o valor de referência, que era o Dólar americano, para o Real, de forma a verificar quanto um cidadão gastava do seu salário-mínimo para abastecer o tanque de um veículo com 40 litros de gasolina.

A amostra contou com 14 países de referência, tentando abarcar as diversidades de conjunturas. Considerou-se países ditos desenvolvidos (Alemanha, Estados Unidos, França, Reino Unido...), subdesenvolvidos (Argentina, Chile, Turquia...), produtores de petróleo e gás (Brasil, Estados Unidos, México, Rússia...) e não produtores (Austrália, Espanha...).

Vê-se que dentre todos os países pesquisados, o Brasil fica em segundo lugar, perdendo apenas para o México, como o que tem a maior proporção de gasto do salário-mínimo nacional convertido em Real, para abastecer um veículo com gasolina. Em terceiro fica a Rússia, país que tem sido fortemente impactada com a guerra que tem travado com a Ucrânia. Na Inglaterra, país que Bolsonaro utilizou como referência, gasta-se apenas 3,10% do salário-mínimo para abastecer um tanque de 40 litros. Assim, considerando o baixo poder de compra do brasileiro, percebe-se que gastamos bem mais do nosso salário do que os cidadãos dos demais países.

Vendo o exemplo da Refinaria da Bahia, a segunda maior em capacidade de processamento, que foi vendida pela Petrobras, tem apresentado preço médio da gasolina que tem ficado quase sempre acima do aplicado nas refinarias da estatal brasileira.

Assim, constata-se que o caminho para a redução adequada dos preços dos combustíveis não é o corte de tributos sobre os combustíveis, pois quem paga a conta acaba sendo o cidadão que tem reduzido os recursos para educação, saúde e políticas públicas; nem muito menor a privatização da Petrobras, que deixa definitivamente na mão da cotação internacional do petróleo, mesmo o país sendo grande produtor e refinador.

Assim, o caminho apontado é o contrário da privatização. Deve-se fortalecer a empresa, com a reincorporação e reintegração das múltiplas cadeias de energias, conhecido como “do poço ao poste”, e reavaliação do destino do lucro gerado. Neste último caso, seria a retomada na preferência da aplicação dos recursos como investimentos e menos para enriquecer os acionistas. Para se ter ideia, no segundo trimestre de 2022, a Petrobras tornou-se a maior pagadora de dividendos do mundo com US$ 9,7 bilhões. No mesmo período de 2021 a distribuição aos seus acionistas foi de US$ 1 bilhão. Enquanto os recursos para investimento vem sendo fortemente reduzidos, saindo de mais de US$ 48 bilhões para menos de US$ 9 em 2021.

Segundo especialistas, ao distribuir grande parte do lucro obtido aos acionistas, a petroleira enfraquece sua permanência sustentável no futuro, dificultando a busca de novas reservas petrolíferas ou implementação de projetos de inovação, importantes em um setor que tende a reduzir no longo prazo, como o de combustíveis fósseis. O investimento permite também fomentar todo um conjunto de empresas e pessoas vinculadas às atividades de energia, considerando o seu forte caráter multiplicador na economia.

Além disso, focar os recursos para os acionistas pode dificultar a realização de atividades que dependem de custeio de caixa. Inclusive em agosto a Petrobras precisou emitir R$ 3 bilhões em notas comerciais escriturais que, conforme anunciou, a captação desses recursos seria para “reforço de caixa para utilização no curso ordinário dos negócios da Companhia”.

Na contramão desta aparente contradição, em uma acirrada disputa presidencial neste segundo turno, o brasileiro, serenamente, deveria cobrar dos candidatos a futuro mandatário o fortalecimento do complexo industrial de energia (historicamente liderado pela Petrobras que já teve participação de 13% do PIB nacional, hoje fica em tono de 4%), que é basilar para o desenvolvimento e soberania nacional de qualquer país moderno e civilizado.

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*Rodolpho Vasconcelos é petroleiro.

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