Enrocamento da praia de Ponta Negra com blocos de concreto começa em fevereiro 
Natal, RN 26 de abr 2024

Enrocamento da praia de Ponta Negra com blocos de concreto começa em fevereiro 

23 de janeiro de 2023
11min
Enrocamento da praia de Ponta Negra com blocos de concreto começa em fevereiro 

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O enrocamento da praia de Ponta Negra está programado para começar em meados de fevereiro, de acordo com a Secretaria de Infraestrutura de Natal. Dessa vez, ao invés de pedras, como as que já foram colocadas em alguns pontos da praia, serão utilizados blocos de concreto para criar a estrutura que faz parte do projeto de engorda e aumento da faixa de areia da praia, que é cartão postal da capital potiguar.

O maquinário para produção dos blocos de concreto pré-moldados será instalado em um terreno localizado na Via Costeira, nas proximidades do Hotel Serhs. Desde outubro do ano passado, o Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (Idema) aprovou a Licença de Instalação e Operação (LIO) do enrocamento.

Apesar do cronograma de obras já pronto, o projeto de engorda da praia de Ponta Negra, criado com o propósito de conter a erosão marinha e ampliar a faixa de areia, passa longe de ser uma unanimidade, principalmente, pela questão paisagística e sanitária. No atual modelo, as pedras acabaram acumulando lixo e atraindo bichos e insetos, como ratos e baratas.

Já foram feitas experiências de enrocamento com pedras em várias praias do Brasil. Uma das mais famosas é a de Olinda e todos já sabiam dessa questão dos ratos e todas as consequências negativas que esse tipo de proteção à erosão marinha traz”, critica Francisco Iglesias, ambientalista que acompanha as dinâmicas e projetos ligados a meio ambiente na cidade.

Mais do que uma questão ligada à natureza, ele explica que o avanço do mar sobre o calçadão, no caso da praia de Ponta Negra, é resultado da ação do homem, que levantou construções sobre a área que deveria ser de expansão do mar em certos períodos do ano, associada à inação da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo de Natal (Semurb), que falhou na fiscalização e permitiu o avanço do comércio sobre áreas de dunas.

Nós, do Amigos da Natureza [uma Organização não governamental - Ong], já tínhamos feito um estudo com o professor José Maria Landim sobre a erosão, que começou em 2008 e se acentuou bastante em 2012. Além da experiência negativa com o enrocamento, tivemos ainda uma questão que, por incompetência de fiscalização da prefeitura de Natal, que assumiu convênio com o governo federal de fiscalizar, nunca fez isso com eficiência. Em 2000 foram aprovados 38 quiosques, mas além de deixar os quiosques se proliferarem, também permitiu a ação de cadeireiros, que destruíram as dunas que protegiam o calçadão. Essa ação antrópica destruiu o que havia de proteção no calçadão, que aumentou o risco de erosão. Na Ong recebemos várias denúncias, inclusive de quiosqueiros, da destruição das dunas de proteção que permitiam que mesmo na maré alta, fosse possível caminhar na praia. Dos 38 quiosques aprovados, hoje temos cerca de 120, entre cadeireiros e quiosqueiros na praia, isso também destruiu o visual do lugar. O enrocamento também piorou e enfeiou a paisagem de Ponta Negra. Teríamos alternativa? Sim, que seria ter mantido uma fiscalização rigorosa para evitar a destruição das dunas. Se isso tivesse sido feito, não teríamos chegado à situação tão grave que estamos agora”, lamenta o ambientalista.

Pelo projeto anunciado pela prefeitura de Natal, a montagem dos blocos de concreto começará da Via Costeira em direção à praia de Ponta Negra, indo ao encontro do enrocamento já construído nas proximidades do Morro do Careca. Ao todo, a estrutura terá mais de 1.173 metros de extensão.

Praia de Ponta Negra, em Natal (RN), com curta faixa de areia na tarde desta domingo (22) I Foto: Mirella Lopes
Praia de Ponta Negra, em Natal (RN), com curta faixa de areia na tarde deste domingo (22) I Foto: Mirella Lopes

Ocupações

Iglesias explica que o problema começou com o avanço dos imóveis sobre a área costeira, ponto que nunca chegou a ser discutido.

O enrocamento começou com Carlos Eduardo, logo depois da gestão de Micarla [de Sousa]. Outras alternativas estavam sendo discutidas na época com a população, mas assim que assumiu, ele fez o enrocamento sem discutir com a sociedade. Essa solução já estava amarrada por alguém de dentro da prefeitura e não houve nenhum processo mais profundo de análise sobre quais soluções poderiam ser aplicadas. Por exemplo, nunca se discutiu o uso de espaços públicos do calçadão por parte dos imóveis da área costeira. O que aconteceu foi que quando construíram a [avenida] Erivan França, deixaram dois metros de calçada e o resto virou propriedade particular. Ninguém tomou uma atitude contra isso apesar das denúncias que fizemos na época.

Umas das questões que não se discute é a urbana, com imóveis à beira mar, do tipo de ocupação que se permitiu. O código florestal na época mantinha, e mantém ainda, a proteção da parte de encostas e área marinha. Isso nunca foi discutido nem analisado. Os erros de fiscalização e ocupação de áreas públicas acabam favorecendo o processo de destruição ambiental”, expõe Iglesias.

Quanto vai custar?

Pelo projeto, que segundo divulgação da prefeitura de Natal vai custar R$ 95 milhões, a faixa de areia será ampliada em 50 metros na maré cheia e 100 metros na maré seca.

Na realidade a prefeitura não tem os recursos pra fazer a engorda, tinham para fazer o enrocamento. Eu fiz um cálculo pra eles e foi a partir dele que admitiram que não tinham os valores. Fiz um cálculo simples baseado nos estudos do professor José Maria Landim, geólogo da Universidade Federal da Bahia, o maior especialista do Nordeste, doutor nesse assunto. Ele esteve em Natal em 2006/ 2007 por causa da engorda na praia de Areia Preta. Na época, o valor para uma área de 500 metros, na época, era de R$ 11 milhões, o equivalente hoje a R$ 32 milhões. Eles fizeram os pontões de pedra, mas não fizeram a engorda por falta de dinheiro. Se projetarmos aqui para Ponta Negra, que são quatro quilômetros, o que quer dizer que são oito vezes os 500 metros, então você vai ter R$ 262 milhões para fazer a engorda de Ponta Negra, obra que terá um período de validade de quatro a dez anos, dependendo do tamanho do grão de areia que será utilizado, segundo o estudo de impacto ambiental. Em sete anos você vai ter que fazer uma nova engorda por um valor mais caro ainda, porque o processo de erosão marinha vai continuar. É grave essa abordagem. Além de caro, o processo de engorda não é permanente. Haverá recurso para manter todo esse processo ad infinitum?” questiona o ambientalista.

Praia de Ponta Negra, em Natal (RN), com a estreita faixa de areia ocupada por barracas I Foto: Mirella Lopes
Praia de Ponta Negra, em Natal (RN), com a estreita faixa de areia ocupada por barracas I Foto: Mirella Lopes

Balneário Camboriú

Uma das praias no Brasil que passaram, recentemente, por um processo semelhante de engorda da faixa de areia foi Balneário Camboriú, em Santa Catarina. Em outubro do ano passado, dez meses depois de concluído o serviço, banhistas de depararam com a formação de um declive, uma espécie de degrau, na faixa de areia. Por lá, a obra custou R$ 66,8 milhões.

É preciso mais estudos para essa questão porque o dinheiro é público, é nosso. Não pode ser feito com pressa e como se fosse a solução total para os problemas da praia, que tem outros problemas que poderiam ser resolvidos sem a engorda. Por exemplo, há vários critérios apontados pelo Bandeira Azul, que é um selo para praias e tem uma Ong no Brasil que também emite esse selo, que poderiam ser levados em conta. A própria ocupação da praia de áreas comerciais, aumentar áreas livres, reprodução de dunas em cima do enrocamento, que é o que existia, implantação de vegetação de contenção, enfim, há uma série de coisas que poderiam ser feitas. Muita gente associa essa questão às mudanças climáticas, mas não é. No estudo que citei, ele demonstra que à medida que o homem urbaniza o litoral e evita a troca de sedimentos entre terra e mar, pavimenta, ocupa os terrenos, haverá menos sedimentos no mar que, em compensação, começa a tirar mais sedimentos, isso vai piorar com o processo das mudanças climáticas e derretimento de calotas polares. Vai chegar o dia em que será preciso desocupar casas na beira mar porque serão invadidas, o que já aconteceu no litoral norte, na área de Touros. A força da maré é algo que o homem não consegue controlar totalmente. Em Camboriú, pelo que vimos, parte da areia que foi colocada foi retirada do local pela força da maré”, contextualiza Francisco Iglesias.

Plano Diretor

Francisco Iglesias, ambientalista I Foto: cedida
Francisco Iglesias, ambientalista I Foto: cedida

Na avaliação do ambientalista, o movimento de extrema direita observado na política brasileira também afetou a votação do Plano Diretor de Natal, resultando na flexibilização de regras que garantiam a qualidade de vida dos moradores da cidade.

Todo esse processo de ascensão da extrema direita no Brasil contaminou o processo de votação do Plano Diretor aqui em Natal com um capitalismo burro. Se o Plano de 2007 tivesse sido respeitado, teria trazido muitos benefícios para a cidade, mas a Semurb nunca teve capacidade técnica de regulamentar tudo que precisava e ela ainda não tem para o Plano Diretor atual. Criticavam o Plano Diretor de 2007 dizendo que era grande e tinha muitas questões, mas o Plano de 2007 tinha 122 artigos, o atual tem 292 e permitiu, praticamente, tudo em função da especulação imobiliária, de aumentar a densidade e ocupação dos terrenos. Hoje, a maior especuladora é a Prefeitura de Natal para aumentar a arrecadação de IPTU. Isso, lógico, beneficia os empresários, é natural que queiram ter maior lucro, mas a cidade não demonstra que ele vai se encaixar”, denuncia Iglesias, que ainda lembra que apesar das alterações nas regras e gabaritos de construção, que estão valendo desde março do ano passado, não houve surgimento de projetos de maior monta na cidade.

O Plano está aí desde março do ano passado e não teve nenhum resultado positivo em termos de aumento da demanda. Todas as decisões do Plano atual não têm embasamento técnico, foram tomadas com base na especulação econômica para ganhos de arrecadação e, logicamente, transferência de imóveis, o que deve gerar ganhos monumentais para a Prefeitura se for implementado. O compromisso com a qualidade de vida, que hoje todas as cidades procuram, significa qualidade econômica para a cidade, porque ela vai atrair mais investimentos. Quanto mais a cidade é cuidada, principalmente quanto à mobilidade, calçadas, arborização, limpeza e tratamento do lixo, mais ela atrai novos caminhos econômicos e pessoas para morar. Natal não é bem cuidada, é uma cidade muito bonita, mas se tirar a paisagem, a cidade é feia, não tem identidade, é só prédio. É preciso trazer a natureza para a área urbana e transformar a cidade num paraíso. Ainda há esperança? Sim, mas é preciso ter a sensibilidade daqueles que administram a cidade para poder fazer isso”, pondera o ambientalista Francisco Iglesias.

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