Ana Alice e Bira
Natal, RN 26 de abr 2024

Ana Alice e Bira

1 de abril de 2023
5min
Ana Alice e Bira

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Esses dias me perguntaram (ou me sugeriram) que eu sou “doido”. Alvoroçado eu sei que sou, tento não ser - juro - mas, é maior que eu. Quase como uma tourette, em que tento me segurar, mas quando eu não me seguro mais, pareço uma carroça sem freio descendo desembestada uma ladeira de tanto alvoroço. Talvez intenso, não sei. Fato é que essa sugestão de que sou doido tem me feito me perguntar se sou.

Perguntei à Bruna e ela disse calmamente que era apenas a minha questão semanal e me devolveu a pergunta. “Você acha que é doido?”, respondi que um doido não acha que é doido, só é doido e pronto.

Quando era criança, eu escutava uma música e imaginava o clipe dela na minha cabeça, os criava dentro do meu crânio. Depois passei pelas composições nos tempos d’Acruviana, em que me soltava de verdade e, agora, “terminei” aqui nas crônicas, meu verdadeiro xodó. Queria pintar, mas não sei fazer nada além de uma casa geométrica com linhas nada retas, então tento pintar com palavras, verbalizando um pouco do meu “alvoroço”.

Toda essa verborragia sobre minha condição psicológica é pra dizer que cheguei a conclusão que continuo fazendo os clipes na minha cabeça. As crônicas são os roteiros e as canções são as frases e situações do cotidiano. Acho que é assim que eu vejo o mundo, como um disco infinito. Então, talvez doido, sigo aqui fazendo meus clipes. Obrigado. De nada. Sigamos.

Esses dias, quando vamos entrando na garagem, avisto Bira e pergunto como estão as coisas pela Vila, aqui em Ponta Negra. “Rapaz, estão tensas. Estou vindo trabalhar de bicicleta, se queimarem, ao menos o prejuízo é menor”, fala Bira com um o seu sempre sorriso largo, mas com nítido ar de preocupação. O que me resta dizer em uma cena dessas? Ensaio um apático, trivial, estúpido e consensual “Boa sorte pra você, Bira. Qualquer coisa…” , ele com a maior naturalidade da terra me diz sinceramente “Boa sorte pra nós, somos do mesmo planeta”. Sim, Bira, você tem razão, meu amigo. Nós somos do mesmo planeta.

Mesmo nós, figuras de esquerda com todo nosso potencial egóico e nossas permanentes autocríticas, nos esquecemos que também devemos nos desejar sorte, porque afinal somos do mesmo planeta, e espero que os tenhamos durante muito tempo, a sorte e o planeta.

Mas nem só de autocrítica vive este ser humano, ele também vive das pequenas emoções, como a de ver uma merendeira ser homenageada na ALRN. Neste dia, estava discretamente sentado em uma das galerias da Assembleia para ver esse momento. Uma homenagem ao “Dia da Mulher”, no início do mês. Nessa ocasião, todos os deputados presentes escolheram uma mulher para receber as consagrações.

No plenário estavam todas e todos felizes pelo dia e pela homenagem. Mas tinha algo diferente, algo novo talvez, algo que não deveria ser novo, algo que sempre esteve aqui, mas alguém que nunca esteve ali.
Na fila da frente, ao lado de uma juíza que também estava sendo homenageada, estava Ana Alice. Ana Alice de Pedro Avelino. Ana Alice jovem. Ana Alice negra. Ana Alice merendeira. Ana Alice altiva. Ana Alice lado a lado com outras autoridades, porque era exatamente ali que Ana Alice deveria estar, porque Ana Alice também é uma autoridade.

A proposição da homenagem à merendeira foi da Deputada Divaneide Basílio, não poderia ser diferente eu creio, Divaneide sabe o que é ser Ana Alice.

Eu vendo aquela cena, pensei que era minha obrigação ir atrás de saber um pouco mais de Ana Alice, terminando a cerimônia, a esperei com aquele caderninho de antropólogo que cabe em minha bolsa bornó. Ela começou a cozinhar aos 11 anos. Ana Alice disse que estava muito emocionada por estar ali e que nunca pensou que fosse tão importante. Ana Alice disse que estava nervosa, assustada, grata e, acima de tudo, orgulhosa. Ana Alice disse que os meninos e meninas da escola gostam da canja, da sopa e do cuscuz com ovos, mas que se encantam mesmo é com a panqueca de frango que ela prepara.

E eu um cozinheiro do interior, que vim fazer a vida pela capital, que me meti a besta em também escrever, daqui do meu teclado me emociono também, Ana Alice. Me emociono por você, por mim, por Divaneide. Sabe por que, Ana Alice? Porque você é muito importante sim, porque mais que isso, Ana Alice você é fundamental. E aquele lugar te pertence tanto quanto a qualquer outra pessoa, tanto quanto a juíza ou a deputada.

Daqui, do mesmo planeta de Bira, eu tento agradecer pelas crianças que você alimenta todos os dias, que um dia poderão também ser Ana Alice, Divaneide, Max, ou quem quiserem ser e serão porque você também as cuidou com tanto afeto, porque você os alimenta quando certamente em alguns casos o alimento não faz parte da certeza dos dias. Então, muito obrigado, Ana Alice!

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