José Alberto Mujica Cordano, o ex-guerrilheiro tupamaro que resistiu à tortura por longos 12 anos e chegou à presidência da Republica no Uruguai, exerce um poder fascinante sobre a juventude. Aos 88 anos de idade, nem parecia o mais velho da turma que saiu de casa segunda-feira (26) para vê-lo sonhar e celebrar a vida no auditório principal da Universidad de La Republica Uruguay, em Montevideo.
Convidado como paraninfo para ministrar a conferência Fazendo o Futuro, Pepe falou para estudantes, professores, convidados e publico em geral. A aula ocorreu na véspera da data em que os uruguaios lembram os 50 anos do golpe militar que mergulhou o pais numa ditadura, entre 1973 e 1985.
– Precisamos entender para atender. Temos que entender que somos seres humanos, com capacidade para transformar ideias em sentimento, é de onde vem a nossa força”.
A agência SAIBA MAIS acompanhou in loco a conferência de Pepe Mujica, em Montevideo.
De acordo com os dados levantados pela Comissão da Verdade uruguaia, a ditadura militar deixou um saldo de 196 desaparecidos, 123 mortos, além de 300 mil pessoas forçadas a sair do país. Organizações de Direitos Humanos, no entanto, contabilizam mais de 230 pessoas desaparecidas ainda. Nesta terça-feira (27) haverá uma programação extensa para lembrar a data.

Durante quase 2 horas, Mujica defendeu a união dos povos latino-americanos e ate a mudança de nome da América do Sul. Segundo ele, o nome que melhor espelha a diversidade e a mestiçagem dos latino-americanos é a Amazônia:
Somos América Latina e deixamos os indígenas de fora. Como pode ? Somos uma comunhão de povos distintos. Precisamos de um nome que una a todos. Porque não nos chamamos Amazônia ? A América do Sul e só um nome geográfico. Amazônia é um nome maravilhoso. E quem não está na Amazônia depende da Amazônia para viver”.
O discurso de Pepe também foi transmitido por videoconferência para 16 países, entre eles o Brasil. Pelo telão armado no auditório, foi possível ver estruturas organizadas na USP, em São Paulo, e pelo MST.
Carta de recomendações a Lula
Em recente carta enviada a Lula, por conta da reunião em Brasília (DF) entre os presidentes dos países da América do Sul, Pepe Mujica fez várias recomendações ao presidente brasileiro. Na conferência, o uruguaio leu alguns trechos do texto que repercutiu em vários países do continente. Ao final, lembrou que não se tratava de uma decisão, apenas de um documento para provocar o debate. E reforçou a importância da integração lendo outro trecho da missiva:
– Querido Lula, o conjunto de crises globais que estamos vivendo pode levar ao colapso das condições essenciais para a vida no planeta. Muitos esforços serão necessários para enfrentar as mudanças climáticas, a crise do modelo econômico hegemônico, o ordenamento internacional obsoleto e as grandes forças polarizantes. Unir forças é o mínimo que podemos fazer para não sermos vítimas passivas e para dar a nós mesmos a oportunidade de um futuro melhor”.
Elevando o tom da voz, ressaltou que a luta dos jovens é fundamental para que não se repitam os erros do passado:
– Ser irrelevante é muito pior que ser explorado porque ser irrelevante quer dizer não necessário. E nós somos mais relevantes para o mundo do que queremos”.
Em visita recente a Europa, Lula foi questionado por uma jornalista francesa sobre a insistência dele em seguir na politica mesmo aos 76 anos de idade. O brasileiro respondeu que não existe velhice para quem tem uma causa. Com Pepe Mujica parece acontecer algo semelhante. Com a mente inquieta, resiste e insiste na juventude:
– Aos meus 88 anos, a capacidade de sonhar uma América distinta dá mais sentido à vida.
Foi aplaudido de pé.