Procura por atendimento relacionado à saúde mental aumentou mais de 40% em Natal depois da pandemia
Natal, RN 10 de mai 2024

Procura por atendimento relacionado à saúde mental aumentou mais de 40% em Natal depois da pandemia

10 de julho de 2023
9min
Procura por atendimento relacionado à saúde mental aumentou mais de 40% em Natal depois da pandemia

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A demanda pelos atendimentos voltados à saúde mental aumentou mais de 40% desde a pandemia do novo coronavírus que teve início em 2020, segundo a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) da capital.

Os casos mais frequentes são de depressão grave, pacientes que pensam em tirar a própria vida (ideação suicida), tentativas de suicídio, psicose e dependência química. Problemas que afetam crianças, adolescentes, adultos e idosos.

Alguns desses casos são resultantes do luto provocado pela perda de parentes durante a pandemia da covid-19, de acordo com Luís Fernando Pires dos Santos, que faz parte da Coordenação de Saúde Mental da SMS de Natal. Ele conta que para lidar com esse tipo de demanda de maneira mais eficiente, foi montada uma estrutura específica na Unidade Básica de Saúde (UBS) de Candelária.

“Montamos um centro permanente de referência de luto na UBS de Candelária que recebe diversos casos e também demandas do pós pandemia. [Os atendimentos] são regulados pelos serviços de saúde da atenção primária e média complexidade de todos os 05 distritos sanitários da capital”, detalha.

A alta na procura, no entanto,  esbarra na falta de investimento que o setor já vinha sofrendo há alguns anos, tanto em nível municipal, quanto estadual e federal, já que a responsabilidade pela política de atenção à saúde mental é compartilhada entre Estados, prefeituras e União.

Investimento

Em 3 de julho, o presidente Lula (PT) e a ministra da Saúde, Nísia Trindade, anunciaram o investimento de R$ 414 milhões no período de um ano apenas para Rede de Atenção Psicossocial do SUS, sendo R$ 200 milhões somente em 2023.

Os estados, incluindo o Rio Grande do Norte, ainda aguardam a definição dos valores que serão partilhados entre cada um.

O repasse será direcionado para os 2.855 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) existentes no país e para os 870 Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT). No Rio Grande do Norte, as Redes de Atenção Psicossocial (RAPS) são formadas por 48 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS); 4 Serviços Residenciais Terapêutico (SRT); 3 Unidades de Acolhimento Infantojuvenil; 1 centro de convivência e leitos de saúde mental nos hospitais Tarcísio Maia (5), Mariano Coelho (5), Cleodon Carlos de Andrade (8) e Onofre Lopes (6), além de 1053 Estratégias de Saúde da Família.

Além do investimento financeiro, o Ministério da Saúde também habilitou novos serviços para expansão da rede em todo país. Desde março, foram 27 novos CAPS, 55 SRT, 4 Unidades de Acolhimento e 159 leitos em hospitais gerais, a maioria nos estados do Nordeste.

Os novos serviços foram habilitados em Alagoas, Bahia, Maranhão, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe, Acre, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul. Para o custeio desses novos serviços serão investidos R$32.389.256,00 ao ano.

As medidas fazem parte da reconstrução da política de saúde mental e da retomada do fortalecimento da rede. Apesar do aumento da demanda, nos últimos seis anos a RAPS teve um dos mais baixos crescimentos na série histórica desde 2001, com queda nos repasses para custeio e novas habilitações.

Substituição do manicômio

A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) foi criada para garantir o cuidado ao paciente com doença mental em serviços substitutivos aos hospitais psiquiátricos. O esforço é superar a lógica das internações de longa permanência que tratam o paciente isolando-o do convívio com a família e com a sociedade.

A RAPS foi criada em 2011 e é uma rede que vai desde a Unidade Básica de Saúde, passando pelos Consultórios na Rua, CAPS, UPA's (Unidades de Pronto Atendimento), centro de convivência, unidades de acolhimento até os leitos de saúde mental em hospitais gerais.

A Secretaria de Estado da Saúde Pública (Sesap) explica que é nos CAPS onde acontece o primeiro acolhimento das pessoas com transtornos mentais graves e persistentes e em sofrimento psíquico para evitar internações. Sua proposta de funcionamento é baseada na reforma psiquiátrica, no cuidado em liberdade e na promoção da autonomia dos sujeitos.

Os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) são serviços de saúde de caráter aberto e comunitário voltados aos atendimentos de pessoas com sofrimento psíquico ou transtorno mental, incluindo aquelas com necessidades decorrentes do uso de álcool, drogas e outras substâncias, que se encontram em situações de crise ou em processos de reabilitação psicossocial.

Os Centros contam com equipes multiprofissionais, que empregam diferentes intervenções e estratégias de acolhimento, como psicoterapia, seguimento clínico em psiquiatria, terapia ocupacional, reabilitação neuropsicológica, oficinas terapêuticas, medicação assistida, atendimentos familiares e domiciliares, entre outros.

O Serviço Residencial Terapêutico (SRT) são casas localizadas no espaço urbano, constituídas para responder às necessidades de moradia de pessoas portadoras de transtornos mentais graves.

E fora dos stories?

O brasileiro costuma ser lembrado pelo bom humor para lidar com os problemas, que também resultam em memes hilários na internet. Mas, tudo tem limite e não tem humor que baste para manter a saúde mental diante de crises políticas, econômicas, problemas pessoais, profissionais e uma rotina pesada, enfrentada pela maioria de nós.

“Sofrimento, todos temos. Há até piadas de como o brasileiro lida com isso. Tem aquela famosa frase ‘quem tem saúde mental hoje?’. O ideal é que o cuidado à saúde mental seja trabalhado de forma preventiva, porque hoje a procura é maior quando já existe danos mais graves à saúde. Nas policlínicas ou UPA’s, se conseguir trabalhar de forma mais preventiva, assim, haveria redução de entradas na rede de urgência e emergência. Se não cuido de algo, aquilo vai se intensificando, o agravamento vai se tornando maior. Passa de sofrimento a transtorno, não que todos passem por esse caminho, mas há esse percurso comum”, analisa Emanuelle Camelo, psicóloga da SMS.

A título de esclarecimento, ela ressalta que a prevenção é trabalhada em nível da atenção básica e que nas Policlínicas são os atendimentos especializados e nas UPA’s, são os atendimentos de urgência e emergência.

Síndrome de Burnout

O excesso de trabalho, pressão, exigência, competição, compromissos... tem levado muitos profissionais ao limite e alguns chegam a ‘colapsar’, diante do desrespeito aos limites do corpo. É o que os médicos e profissionais da psicologia chamam de síndrome de burnout.

Apesar da crise, também gerada pela entrada do trabalho remoto durante a pandemia, quando o trabalhador perdeu o limite físico e psicológico entre trabalho e vida pessoal, já havia indícios de que a sociedade estava adoecendo.

“Hoje se fala muito sobre a síndrome de burnout porque muitos foram acometidos devido a pandemia. Mas, é preciso estarmos atentos que já havia sinais que indicavam que esses profissionais iam para um caminho de adoecimento e essa não é uma responsabilidade apenas do indivíduo, existem muitos ambientes de trabalho que são espaços fomentadores do adoecimento. Quando a pessoa não consegue identificar os sinais dados pelo corpo, seja por falta de acesso ou desconhecimento, eles vão se agravar ao ponto de que quando a pessoa for buscar cuidado, já estará num nível grave de adoecimento, precisará ser afastado do ambiente de trabalho, há uma série de prejuízos na vida dela”.

Emanuelle Camelo, psicóloga da SMS 

Atenção aos sinais

Problemas, todos temos e, em alguma medida, eles resultam em algum tipo de sofrimento. Mas, quando esse sentimento se torna muito prolongado e sem causa aparente, pode ser um primeiro sinal de alerta ligado pelo corpo.

A psicóloga da SMS pede que as pessoas fiquem atentas a mudanças que elas percebam em si, não apenas físicas, mas também na forma de pensar e sentir.

“Cada transtorno ou síndrome tem seu quadro sintomatológico. Mas, no geral, quando a pessoa percebe que não está bem. Essa percepção acontece porque algo foi alterado, seja no humor, o sono, as relações, o rendimento no trabalho, como reajo a determinadas situações, a percepção sobre mim e o mundo”.

 Desmistificar

O século é o XXI, a distância física foi superada pela tecnologia, mas alguns temas ainda são tabus na sociedade. Um deles lidar com a saúde mental com a mesma naturalidade com que são tratadas as doenças físicas do corpo.

“Precisamos falar mais sobre do que se trata saúde mental, o que implica buscar um profissional ... ela é muito atrelada à loucura, vista com muitos preconceitos, como se a pessoa que procura tratamento fosse não merecedora do convívio em sociedade. Tudo que foge ao normal, a sociedade vê como algo que tem que ser colocada à margem”, critica a psicóloga Emanuelle Camelo.

Psicofobia

O termo pode parecer estranho, mas esse é o nome dado ao preconceito sofrido por pessoas que tratam alguma doença ou transtorno mental. Dentre as muitas camadas que formam essa película invisível de preconceito, está a visão do homem-máquina que veio ao mundo apenas para produzir.

“Vivemos numa sociedade onde se você não produz, você não tem valor. O quanto você é útil? Quando alguém diz ‘hoje não vou fazer nada, vou descansar’ muitas vezes há um sentimento de culpa. Até na pandemia, quando se falava sobre isolamento, havia o discurso de que mesmo nessa situação estaríamos que estar produzindo. Há pessoas que precisam do não fazer, é como recarregar a bateria. Deve-se respeitar aquelas pessoas que têm essa dinâmica. A culpa vem muito disso, porque quando adoeço, preciso me ausentar e, assim, não estou produzindo”, pondera Emanuelle Camelo.

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