Jornalista ameaçado no RN critica insegurança na profissão
Natal, RN 9 de mai 2024

Jornalista ameaçado no RN critica insegurança na profissão

17 de dezembro de 2023
10min
Jornalista ameaçado no RN critica insegurança na profissão
Foto: arquivo/Blog do Barreto

Ajude o Portal Saiba Mais a continuar produzindo jornalismo independente! Apoie com qualquer valor e faça parte dessa iniciativa.

Quero Apoiar

No cenário contemporâneo, a liberdade de imprensa assume papel central na preservação da democracia, sendo um pilar que sustenta o acesso à informação e o exercício da cidadania. Contudo, o crescente número de agressões e ameaças direcionadas a jornalistas apontam para a urgência em discutir a segurança e integridade desses profissionais. No Rio Grande do Norte, o mais recente caso envolve o jornalista Bruno Barreto, assessor de Comunicação da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN) e editor do blog do Barreto.

O jornalista virou alvo de ameaças depois de publicar um texto denunciando as agressões do ex-policial militar, Wendel Lagartixa, ao Movimento de Luta de Bairros, Vilas e Favelas (MLB) no último dia 8 de dezembro. Mais de 300 famílias faziam a ocupação do supermercado Carrefour na Zona Norte da capital potiguar como parte de uma campanha nacional por um “Natal Sem Fome” e relataram as cenas de agressão de Lagartixa nas redes sociais. Lagartixa chegou a bater e rasgar a roupa de um manifestante, e só saiu do local com a intervenção da polícia militar.

Wendel foi o candidato a deputado estadual mais votado da história do Rio Grande do Norte, com 88.265 (4,69%) votos, mas foi impedido de tomar posse por ter sido condenado por crime hediondo (porte de arma de uso restrito).

O jornalista Bruno Barreto relata que as ameaças do ex-policial militar chegaram diretamente a ele.

Acordei e como sempre faço olho o celular para saber se o mundo não se acabou enquanto eu dormia. Quando abri as conversas privadas estavam lá os insultos, depois vi que ele fez as ameaças no post do artigo em que analiso o hábito dos reacionários de condenar protestos contra a fome e ao mesmo tempo tolerar a miséria. Diferente de outros insultos e ameaças que recebi, este caso para mim ganhou outros contornos dada a ficha corrida dele. Tive que perder tempo fazendo boletim de ocorrência, coletando provas e deixando tudo registrado para caso algo aconteça comigo fique bem claro quem seria o principal suspeito”.

No universo do jornalismo, onde a liberdade de imprensa é um pilar essencial, as ameaças e agressões a profissionais tornam-se não apenas uma questão individual, mas uma preocupação que ecoa na sociedade.

A liberdade de imprensa é fundamental. O jornalismo tem que ser exercido dentro dos limites dos fatos e a opinião deve ser fundamentada. Há uma disputa desigual no noticiário em que os movimentos sociais não têm voz e são criminalizados, faço esse contraponto e pago um preço muito alto por isso”, avalia Barreto.

O jornalismo, enquanto expressão da liberdade de imprensa, desempenha o papel crucial de informar a sociedade sobre fatos relevantes. No entanto, quando jornalistas são alvo de violência, seja física, verbal, ou judicial, esse ataque não se limita ao indivíduo, mas atinge diretamente o direito da população à informação de interesse público.

Esse tipo de ameaça impacta em todos. Quando a imprensa fica a acuada o interesse público fica prejudicado, os fatos ficam distorcidos e a verdade é sonegada. A força não pode se impor sobre as ideias. Não podemos destruir a qualidade da discussão”, alerta Barreto.

O episódio traz à tona a reflexão sobre como ameaças a profissionais da comunicação reverberam na liberdade de imprensa e na democracia. Quando a imprensa se sente acuada, o interesse público é prejudicado, os fatos são distorcidos e a verdade é sonegada. Barreto ressalta a importância de não permitir que a força se sobreponha às ideias, preservando a qualidade da discussão.

Nós jornalistas não temos qualquer segurança. Estamos muito expostos, principalmente nós que trabalhamos com jornalismo opinativo e desagradamos uma parcela significativa de extremistas. Num contexto em que falta o básico na segurança pública não sei nem se dá para a gente ter condições de pedir alguma coisa salvo em casos muito especiais”.

A falta de segurança para jornalistas, especialmente os que trabalham com jornalismo opinativo, é destacada por Barreto. A exposição desses profissionais em um contexto de segurança pública precária suscita questionamentos sobre a viabilidade de pleitear mais segurança em um país onde a violência se tornou uma constante.

O jornalismo sempre foi uma profissão de risco. Hoje está ainda mais arriscada com o extremismo político que campeia em nosso país. Eu tenho evitado certos eventos e coberturas presenciais há alguns anos por temer por minha integridade física. A liberdade de expressão e o direito de informar ficam comprometidos pelo medo da violência”.

Diante das ameaças, Barreto coletou provas e repassou para um advogado, buscando se resguardar legalmente.

Eu coletei as provas e passei para um advogado que sempre me atende quando preciso. O sistema jurídico poderia ser mais ágil na defesa da liberdade de expressão. Eu não escrevi nada demais. Apenas citei o exemplo de um sujeito que foi arrumar confusão com um movimento social que protestava contra a fome e ganhei uma série de insultos e ameaças. Até agora nenhuma autoridade se pronunciou”.

O caso de Bruno Barreto destaca não apenas as ameaças individuais enfrentadas por jornalistas, mas também a necessidade premente de discutir e implementar medidas que assegurem a segurança desses profissionais.

Poderia existir mais rigor e interesse em investigar quem nos ameaça, mas percebo um certo desinteresse. Vão esperar uma tragédia acontecer pelo visto”, defende Bruno.

FENAJ

O Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Norte (Sindjorn/RN) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) se manifestaram a respeito das ameaças feitas ao editor do Blog do Barreto. Em nota, as entidades pedem que as autoridades de segurança investiguem e tomem providências contra as ameaças desferidas por Wendell Lagartixa.

As agressões aos profissionais de comunicação precisam ser compreendidas como um ataque à liberdade de imprensa e, portanto, à própria democracia. Porque na medida em que você tenta cercear o exercício do jornalismo, seja por meio da agressão física, da agressão verbal, da violência processual, da intimidação e até do assassinato, você está impedindo que a sociedade seja informada. Não é meramente uma agressão ao indivíduo em si, mas uma agressão ao direito de acesso à informação que a população tem”, avalia Samira de Castro, presidenta da Fenaj.

A FENAJ defende a implementação de um protocolo nacional de segurança para jornalistas, visando resguardar os profissionais.

A gente compreende que a crescente violência contra esses trabalhadores tem afetado em primeiro a questão da liberdade de imprensa e em segundo o direito de acesso à informação de interesse público que a sociedade brasileira tem, que uma coisa está dentro da outra, mas é preciso evidenciar que quando você ataca um jornalista, de certa forma, você diminui a qualidade, o volume e a qualidade das informações que chegam para a sociedade”.

Somente em 2022, foram identificados 376 ataques a jornalistas em todo o país.

Nós vimos, em 2022, um crescimento da violência contra jornalistas por parte de pessoas comuns. Não eram só políticos, não era só o ex-presidente da república Jair Bolsonaro, eram pessoas comuns que eram seus apoiadores que passaram a agredir jornalistas. Então esse é um debate que precisa ser muito ampliado na sociedade, a gente precisa sair de um discurso estigmatizante contra os trabalhadores da mídia, contra o próprio jornalismo, para um discurso de valorização dessa categoria profissional que materializa o acesso à informação e o acesso à comunicação”, defende Samira.

Além disso, Samira enfatiza a importância da formação e treinamento por parte das empresas empregadoras, bem como a necessidade de campanhas educativas para sensibilizar a sociedade sobre o papel essencial do jornalismo.

A gente precisa de mecanismos estatais que garantam, sim, a segurança dos profissionais do jornalismo. A gente precisa de um protocolo nacional de segurança. A gente precisa de formação e treinamento por parte das empresas empregadoras. A gente precisa de uma cláusula de consciência que possa ser acionada por jornalistas quando, em situações que colocam a sua vida em risco, a gente precisa de campanhas educativas para a sociedade sobre o valor do jornalismo, sobre a necessidade de um exercício profissional do jornalismo livre e seguro para que a sociedade tenha acesso a suas informações mais básicas, a suas informações locais, hiperlocais, regionais, nacionais, que possam possibilitar a tomada de decisão por parte dos cidadãos”.

A liberdade de expressão, que engloba tanto jornalistas quanto a população em geral, é um direito fundamental. No entanto, essa liberdade não pode ser usada como justificativa para discursos de ódio, preconceito ou violência contra grupos sociais. A presidenta da FENAJ destaca a importância de responsabilidade no exercício desse direito, evitando práticas que configuram crimes como LGBTfobia, racismo e misoginia.

O jornalismo é um garantidor de cidadania. O jornalismo precisa ser protegido porque a informação é um bem público. É um bem que pertence a toda a sociedade e não só a um indivíduo, e não só a um grupo de indivíduos. Então, é necessário pactuarmos com os empregadores, com as representações dos trabalhadores, com representantes da sociedade civil organizada e com o Estado brasileiro, normas que garantam essa atividade de uma maneira segura”.

Para Samira, a discussão passa, também, pela necessidade de melhorar a organização da profissão, aprovando a proposta que retoma a obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo (PEC 206/12), em discussão na Câmara Federal.

As pessoas têm que se apropriar da defesa do diploma do profissional jornalista, têm que se apropriar dessa garantia do trabalho desses profissionais para o acesso à informação de interesse público, mas esse é um debate que passa ao largo da sociedade”.

No cenário jurídico, jornalistas enfrentam crescentes casos de assédio judicial, caracterizado pelo uso abusivo de processos para silenciar profissionais. A jornalista Shirley Alves, recentemente condenada em um processo relacionado ao caso Mariana Ferrer, é um exemplo emblemático dos desafios enfrentados pelos jornalistas brasileiros.

Cresceu muito o número de casos de assédio judicial, que é o uso abusivo da justiça para calar os jornalistas por meio de processos, processos muitas vezes infundados, processos baseados nos chamados crimes contra a honra, que na verdade são motivados por matérias que desagradaram as pessoas implicadas. Isso tem um efeito de autocensura, tem um efeito devastador sobre a saúde psicológica, a saúde mental dos jornalistas brasileiros”.

A agência Saiba Mais já respondeu a 5 processos e dois estão atualmente em andamento.

Muitas vezes, o propósito não é obter reparação, mas sim desviar atenção, energia e abafar críticas legítimas, o que ressalta a importância de proteger a liberdade de expressão e o debate público, evitando que mecanismos jurídicos se tornem ferramentas de intimidação”, avalia o diretor executivo da Saiba Mais, Rafael Duarte.

Apoiar Saiba Mais

Pra quem deseja ajudar a fortalecer o debate público

QR Code

Ajude-nos a continuar produzindo jornalismo independente! Apoie com qualquer valor e faça parte dessa iniciativa.

Quero Apoiar

Este site utiliza cookies e solicita seus dados pessoais para melhorar sua experiência de navegação.