Escritor faz campanha pra deixar Natal após revelar luta contra álcool
Natal, RN 8 de mai 2024

Escritor faz campanha pra deixar Natal após revelar luta contra álcool

26 de fevereiro de 2024
10min
Escritor faz campanha pra deixar Natal após revelar luta contra álcool
Thiago Medeiros autografando livros durante lançamento de 'No Pescoço do Infinito' I Foto: divulgação

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Enquanto algumas pessoas procuram Natal em busca de descanso, lazer e encantamento, o poeta e escritor Thiago Medeiros decidiu deixar a cidade. Depois de lutar contra o abuso e dependência do álcool, passar por um processo de adoecimento psíquico e tornar suas questões pessoais em debate público, numa tentativa de normalizar as conversas em torno da temática, Thiago recebeu como resposta a crítica, a condenação velada e a fofoca comezinha nos ambientes que costumava frequentar.

“Encerro o ciclo com coração o coração tranquilo de que fiz o que estava ao meu alcance. Isso vem do grande preconceito de ter deixado claro meus problemas... antes não era assim. Vivemos numa região em que 54% da população sofre de alcoolismo. O fato de eu ter tornado essa uma questão pública deve ter resvalado em alguém que não gostaria de ver o tema tratado. Tive um retorno negativo. Fui internado no Hospital Severino Lopes em junho de 2023 e a primeira informação que tenho é que eu deixo de ser o bêbado do Centro para ser o doido com atestado. Faz dois anos que não bebo, que não saio de casa... perdeu a graça, a cidade perdeu a graça pra mim. Parar de beber foi uma grande conquista, antes eu não conseguia, não tinha limites... estou até ficando chato...”, conta Thiago Medeiros, bem humorado, apesar da história pesada.

Apesar dos seis livros lançados e inúmeros sarais com performances ao vivo, Thiago Medeiros não se sente respeitado, levado a sério. Sem perspectivas profissionais, este mês o poeta decidiu levantar asas e se mudar de Natal, cidade onde nasceu, se desenvolveu e descobriu a paixão pela palavra. Este mês, o escritor lançou uma vaquinha coletiva na tentativa de levantar fundos para financiar a mudança e o início da vida em um novo endereço fora da capital potiguar. Por enquanto, ele prefere não divulgar o novo destino, até que tudo tenha se estabilizado.

Maturando alguns anos na terapia, percebi que desde que expus meu problema com dependência química e adoecimento psíquico, passei a sofrer assédio moral. Há limite para as coisas que uma pessoa sozinha no mundo consegue suportar. Meus recursos humanos fracassaram em Natal, não consigo lidar com isso... além de invisibilização do meu trabalho. Todos os eventos dos quais participei fui eu que produzi, não sei se a cidade não me quer ou se meu trabalho é irrelevante para ela e fico dando murro em ponta de faca, mas deixei minha contribuição na literatura, disso ninguém vai poder falar”, desabafa.

Thiago Medeiros nasceu no Alecrim é graduando do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em Gestão Pública, Teatro e Técnico em produção de eventos. Além de escritor e poeta, ele trabalhou em alguns órgãos públicos ligados à cultura, mas foi afastado do trabalho para passar por tratamento médico.

Natal não me deu chance de recomeço, estou há três meses no vermelho sangue”, lamenta sobre suas contas.

As pessoas não acreditavam que eu pediria ajuda do Caps [Centro de Atenção Psicossocial], que me deu toda assistência clínica e medicamentosa. Deve ter sido difícil pra algumas pessoas ver que eu fiz isso e que estou bem, pra mim é muito bom, é um barato estar sóbrio... mas as fofocas chegaram a mim, é impossível falar mal em Natal sem que você fique sabendo, até porque elas fazem questão que você saiba... não tenho mais recursos humanos para mostrar que sou profissional, que tenho projetos aprovados nas três esferas [federal, estadual e municipal], sete livros publicados, o que mais preciso fazer para provar que sou profissional?”, questiona Thiago Medeiros.

Doente não fica só na cama

Apesar do isolamento e do licenciamento profissional para tratamento médico, a crítica das pessoas à sua presença em alguns eventos ou encontros ainda choca o escritor, que denuncia o desconhecimento ou má vontade das pessoas em compreender as doenças psiquiátricas.

“As pessoas não acreditam que estou doente se vou numa pizzaria ou numa apresentação... não aguento pensar que, em pleno século XXI, ainda tem quem ache que uma pessoa com depressão tem que estar em cima de uma cama. Ir a um show, à praia é produção de saúde e as pessoas não entendem e julgam. Penso que falta caráter mesmo, não é falta de informação. As pessoas com quem me relaciono têm acesso a livros, universidade... diria que, talvez, fosse falta de educação se fosse da minha família, que são pessoas mais simples, mas quem me fez sucumbir tem muita informação”, critica Thiago.

Natal precisa avançar muito, mesmo tendo Caps, onde fui completamente acolhido. Passei 10 meses em tratamento medicamentoso, com inibidor alcóolico, que hoje não tomo mais porque já passei da fase que eles chamam de perigo. Hoje tomo outras medicações. É importante trazer esse diálogo. Temos Ivete [Sangalo] fazendo propaganda de cerveja, é absurdo lutar contra isso. De 2022 pra cá a procura no Caps aumentou em 23%, principalmente, por pessoas com problemas com álcool. Esses são dados da Secretaria Municipal de Saúde que me parecem alarmantes”, acrescenta.

 Mãe

Mãe é figura constante nos escritos de Thiago Medeiros I Foto: reprodução

Em seus versos, o escritor costuma falar com frequência da mãe, que faleceu mais recentemente, em 2021. O poeta já havia perdido o pai e não tem contato com os dois irmãos que possui.

Desde o segundo livro que há a grafia da minha mãe. Falo sobre ela até no livro do ano passado [No Pescoço do Infinito]. Falo sobre mãe porque era algo que estava doendo e de alguma forma, precisava elaborar isso. Alguns críticos dizem que falo muito da minha mãe, mas, para ser crítico, é preciso entender de editoração, escolhas estéticas, como funciona o mercado editorial... não é porque alguém tem um título universitário que pode ser chamado de crítico... na verdade, faltam críticos literários, o que temos é o senso comum... um leitor comum dizendo o que não gostou... além disso, cada escritor tem suas próprias obsessões”, pondera Thiago Medeiros.

Eu escrevo porque sou atrevido, não porque tenho qualidade... sou pobre, gay afeminada e não falta quem aponte o dedo dizendo quais lugares posso ocupar. Mas, quero dizer que posso ocupar qualquer espaço e, que cada vez que o faço, não sou só eu ali, é minha família e todas as coisas que acredito”, acrescenta.

Teatro

Além de continuar escrevendo, Thiago Medeiros planeja transformar alguns de seus livros em peças, para que sejam apresentadas Brasil afora.

Enquanto Tudo Desaba será transformado em espetáculo de teatro para levar esses temas para todo lugar. É uma trilogia... em Dilúvio dos Silêncios, escrevo um pouco sobre a experiência que tive no hospital psiquiátrico, dá apenas algumas nuances sobre esse lugar, É um texto mais corrido, são crônicas, que não é o que costumo escrever, é a palavra que diz, estou apenas sendo conduzido. Também falo do lugar do dissidente, sexualmente... das mulheres trans, bichas afeminadas... É uma reflexão sobre esses lugares que nos são negados, espaços violentos, que não permitem nossa existência... isso perpassa meu sentido físico e psíquico. Sou uma adicta, tomo 11 medicações por dia, confio na ciência, que me salvou, a psicologia e a psiquiatria mediam minha existência com o mundo...”, avalia Thiago, que já foi internado algumas vezes após tentativas de suicídio.

É um adoecimento muito oscilante. Hoje me sinto mais tranquilo e firme comigo. Fiz um pacto com a vida e não vou encurtá-la. Tenho muito a celebrar, a agradecer, abraçar, encontrei muitas pessoas generosas ... por isso estou aqui, pela família escolhida, por elas consegui chegar aqui. Minha saída de Natal vai ser uma dádiva, é como se estivesse saindo de Natal pela 1ª vez, nunca entendi afeto de outra forma e talvez tenha chegado a hora. Para o bem ou mal, é a cidade que conheço, onde criei redes, nasci, cresci... mas isso é perene, os laços não vão deixar de existir porque não estou aqui, pelo menos, não é para ser assim”, brinca o poeta.

Estou muito seguro sobre essa decisão e não me vejo em outro lugar que não seja feliz.... Natal foi muito agressiva comigo, quando você tira o álcool, percebe a maldade em algumas brincadeiras, atitudes... não quero esse título [de doido com atestado, ao qual o escritor se referiu no início da matéria], não permito. Enquanto artista, vim ao mundo para falar em voz alta”, arremata Thiago Medeiros.

A revoada

Quem se interessou pela trajetória e obra de Thiago Medeiros, pode contribuir com a vaquinha coletiva criada por ele e participar do lançamento do livro, assistir ao show de Simona Talma preparado especialmente para o evento ou do sarau poético, como recompensa pela colaboração. As doações podem se feitas até 14 de abril.

A partir de R$ 10 é possível receber uma carta escrita pelo artista; quem doar R$ 30,00, ganha um exemplar assinado dos zines motriz e o Tempo em Que Dura Uma Canção de Amor (investimento disponível para 50 pessoas); no caso de doação no valor de R$ 50, o prêmio é um exemplar assinado do livro No Pescoço do Infinito (disponível para 100 investidores); para R$ 100, a recompensa é inserção do nome do doador no próximo livro de poemas de Thiago, “O dilúvio dos Silêncios”.

Um Sarau com o escritor está marcada para o dia 20 de abril, um sábado, a partir das 19h, no Mahalila Café e Livros. Durante o evento serão celebrados os 18 anos de arte do poeta, conversa com Michelle Ferret, show de Simona Talma, Thiago Andrade, além de participação de Valéria Oliveira e Daniela Fernandes. Sem data definida ainda, o plano do artista é deixar Natal ainda este ano.

Além da vaquinha coletiva, cujo site cobra uma porcentagem em cima de cada doação, também é possível fazer doação direta através do Pix do escritor:

Para participar da vaquinha coletiva, CLIQUE AQUI.

Para doação direta via PIX: 84998500524 (WhatsApp)

Para mais informações: https://linktr.ee/medeirosthiago

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