Professor que trabalhou em presídio federal avalia fuga como “loteria”
Natal, RN 9 de mai 2024

Professor que trabalhou em presídio federal avalia fuga como "loteria"

19 de fevereiro de 2024
5min
Professor que trabalhou em presídio federal avalia fuga como
Francisco Augusto trabalhou por 2 anos na Penitenciária Federal de Mossoró como professor e compartilhou relatos nas redes | Foto: reprodução

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Por dois anos, o professor e pesquisador em segurança pública, Francisco Augusto Cruz de Araújo, trabalhou na penitenciária federal de Mossoró e deu aulas para um grupo pequeno de detentos. Em suas idas e vindas, se recorda da existência de pelo menos 20 portões da rua até a sala de aula onde encontrava os alunos. A fuga de dois internos — Rogério da Silva Mendonça e Deibson Cabral Nascimento — é classificada por ele como “ganhar na loteria”.

Araújo comentou sobre sua rotina na penitenciária neste sábado (17) no X (antigo Twitter) e sua experiência viralizou. O pesquisador descreveu o protocolo rígido que incluía até a proibição de botão e zíper nas roupas, por ser de metal. Francisco Augusto é professor de ensino superior e cientista social. Trabalhando no IFRN, entre 2017 e 2018 coordenou cursos para os internos do presídio de segurança máxima de Mossoró que haviam passado no Enem e conseguiram se matricular no ensino superior pelo Sisu. Ele dava aulas de Cidadania, Ética e Meio Ambiente para nove alunos; a posição dele descrita nesta matéria é pessoal, e não da instituição. Também realizava o trabalho de acompanhamento pedagógico, com reunião com o professor, planejamento das disciplinas, adaptação do material didático, etc.

À Agência SAIBA MAIS, o docente explicou que os critérios de segurança começam muito antes de chegar à penitenciária. 

“Antes da gente ir à penitenciária, a gente já recebe algumas orientações sobre vestimenta, sobre o comportamento, eles conversam com a gente, solicitam documentação previamente para fazer uma análise”, diz. 

“E aí a gente já vai sabendo que a instituição garante a segurança. Quando a gente entra são muitos portais para detectar metais. Mesmo você já tendo passado por um, dois, três, você tem que passar a cada pavilhão, a cada corredor tem um detector. Todo o material é colocado numa esteira, não pode entrar nada metálico. Então, o rigor da segurança é altíssimo”, aponta.

Ou seja, em relação às roupas, nada de jeans para os visitantes. Só pode calça de academia, tênis apenas de pano e borracha.

Rigor interno

No X, Augusto disse que o material de estudo era todo impresso, com folhas numeradas e páginas coladas. Não podia haver nenhum material grampeado ou encadernado, por exemplo. Para escrever, os internos usavam o tubo interno de tinta da caneta para escrever. O tubo era entregue de manhã e recolhido de tarde. 

Para chegar até a “cela de aula”, ele disse na rede social que contava brincando 20 portões da rua até a sala onde encontrava os alunos”. Já os portões principais, diz seu relato, pesam toneladas, sendo à prova de explosões, resgates e tiros.

Sobre as celas em que ficam os detentos, são sempre individuais. Os apenados saem 2 horas por dia para o banho de sol no pátio e podem fazer atividades físicas no máximo em dupla, como correr, fazer flexão ou abdominal. Já os presos mais perigosos ficam em regime diferenciado e não saem para nada.

Foto: reprodução

“Quando eu recebi as mensagens dando as orientações [para entrar no presídio], não imaginava que quando chegasse lá ainda teria que me submeter a um rigor tão grande. Eu considero inimaginável a possibilidade dessa fuga com tanta facilidade, como tem demonstrado a investigação da Polícia Federal”, diz à reportagem.

O cientista social, que estuda violência e segurança pública e, além da experiência no sistema federal, também atua em presídios da rede estadual do Rio Grande do Norte, considera a fuga como “ganhar na loteria.” A hipótese divulgada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública é que um alicate de uma obra foi utilizado como ferramenta facilitadora da fuga.

“Eles usaram um alicate que certamente estava jogado no canteiro de obras, quando deveria estar trancado, como ocorre em outras reformas de presídios”, disse o ministro Ricardo Lewandowski na última quinta-feira (15).

Para Francisco Augusto, nem mesmo nas cadeias estaduais — onde o rigor é menor — se vê materiais de obras jogados e com acesso fácil.

“Então, a tese de que eles tiveram a sorte de encontrar um alicate, quebrar a grade e fugir, para mim não me convence”, diz.

Ele ainda ressalta que não é perito criminal e não trabalha mais no presídio federal. Mas, “com base no que eu conheci tanto na estrutura quanto no rigor de segurança que é necessário para que a gente possa atuar lá, é muito difícil que esse alicate não estivesse lá à disposição, que foi deixado por alguém”, afirma. 

“Então alguém tem que ser responsabilizado porque o prejuízo e desgaste para a instituição foi muito alto, uma instituição séria que tem um rigor de segurança padrão, de excelência, alguém precisa ser responsabilizado”, aponta.

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