Violência contra a mulher: agressões sobem 14% no RN; denúncias caem
Natal, RN 13 de mai 2024

Violência contra a mulher: agressões sobem 14% no RN; denúncias caem

3 de março de 2024
9min
Violência contra a mulher: agressões sobem 14% no RN; denúncias caem
Os números de 2023 foram divulgados pelo Ministério das Mulheres | foto: Divulgação/Febrasgo

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O silêncio veio após o estampido ecoar na madrugada de uma sexta-feira. Em seguida, a voz por socorro em tom baixo, vinda de um recanto escuro de uma rua do bairro Planalto, zona Oeste de Natal, intrigou os moradores. Por fim, o homem de jaleco branco revelou para a senhora e a menina à sua frente: não havia mais voz. Renata Dantas dos Santos, aos 19 anos, foi alvejada com um tiro na cabeça e morta por dois homens tenho uma moto. Mais uma vez o silêncio gerou lágrimas e vítimas no Rio Grande do Norte. No ano passado, a cada hora, uma mulher estava sendo violentada em alguma parte do estado, cerca de 24 vítimas por dia.

A morte de Renata Santos, que vai completar um ano em abril, de Maria de Fátima José (54 anos), de Marcione de Araújo Brito (34 anos), de Micheli da Silva Ferreira (33 anos), de Ruth Helena dos Santos (43 anos) e de tantas outras assassinadas no Rio Grande do Norte somente no ano passado materializa a presença na sociedade de um imaginário patriarcal arcaico, no qual se baseiam todo ódio, desprezo, discriminação ou qualquer motivo contra a condição feminina, o que tantos antropólogos e sociólogos já vêm alertando.

Renata Dantas dos Santos, vítima de violência. Foto: Arquivo pessoal

Enquanto Renata, Maria de Fátima, Marcione, Micheli e Ruth estavam sendo assassinadas, em outros cantos do Rio Grande do Norte nesse mesmo período, milhares de outras mulheres também estavam sendo maltratadas, agredidas e sofrendo toda sorte de violências psicológicas e físicas.

Na semana em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, a AGÊNCIA SAIBA MAIS analisa a evolução dos casos de violência contra as mulheres potiguares em 2023, a partir dos números da Central de Atendimento à Mulher, o Ligue 180, divulgados pelo Ministério das Mulheres e Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. A proposta é lançar informações, capazes de gerar reflexões, individuais e coletivas, sobre como se coibir esses atos e manifestações desses dois sistemas socioculturais, que se retroalimentam, e assim evitar que mais feminicídios virem uma triste realidade.

Mais de 1,6 mil denúncias em 2023

Os registros do Ligue 180 confirmam que o total de vítimas que se encorajaram a pedir ajuda oficial reduziu de um ano para o outro. Foram feitas 1.674 denúncias ao longo do ano passado, 92 a menos que em 2022, de vítimas potiguares violentadas. Uma redução de 5,2%. No entanto, o número de violações foi muito além e totalizaram 8.728 eventos de violência contra vítimas femininas no RN em 2023. Houve um crescimento de mais de 14% no comparativo com o ano anterior, quando os casos de violações somaram 7.655 episódios.

O cruzamento dessas estatísticas também aponta para uma mesma direção de interpretação. Partindo-se do pressuposto de que alguém violento dificilmente muda o comportamento inesperadamente, elas estão sendo silenciadas de alguma maneira. Se o número de protocolos de denúncias é inferior à quantidade de denúncias registradas, isso significa que houve reincidência da mesma agressão. Pior ainda é as violações ultrapassarem o volume de denúncias.

No primeiro semestre do ano passado, a Central de Atendimento à Mulher gerou 695 protocolos das chamadas recebidas de vítimas do RN. Foram 838 denúncias e 4.320 episódios. No segundo semestre, os números foram maiores. O de protocolos subiu para 726, o de denúncias para 853 e as violações chegaram a 4.408.  No acumulado de todo o ano, verifica-se uma diminuição das denúncias em 5,2% e um aumento de pouco mais de 14% no quantitativo de episódios violentos que vivenciaram as potiguares, ambos em relação ao ano anterior.

Origem do ódio

E qual seria a relação desses dados com o machismo? A resposta a essa possível interrogação vem a partir das informações acerca dos agressores. De acordo com o levantamento do ministério, quase sempre o suspeito de infligir a agressão está do lado da cama da vítima. Ou seja, são esposos, companheiros e exs. Esse é o perfil  dos suspeito que predomina nas estatísticas do Ligue 180.

É inegável que casos de feminicídios e demais agressões a mulheres têm ligações diretas com covardia e atos machistas. O predomínio desse sistema cultural torna concreta, material, a herança do patriarcado, a fonte principal das ideias abjetas de superioridade masculina, desigualdade e preconceito que o machismo carrega. São valores que ainda persistem em serem cultivados – inclusive, por algumas mulheres menos atentas - no seio de famílias e grupos sociais, de geração em geração, e que findam, não somente na eliminação, a consequência mais drástica, mas sobretudo na opressão e violência cotidianas contra o feminino.

Perfil das vítimas no estado

Avaliando os dados coletados a partir chamadas do Ligue 180 em 2023, é possível traçar um perfil de quem é essa mulher potiguar que vem sendo violentada. A raça pouco importa, já que não há uma prevalência de etnia sobre outra. As agressões são praticamente distribuídas entre pardas, brancas e pretas. Em relação ao grau de instrução, a maior parte das vítimas tem ensino médio e ganha até um salário mínimo.

A faixa etária mais comum entre as vítimas de agressão no Rio Grande do Norte em 2023, nos primeiros e segundos semestres, é de 30 a 39 anos. Pelos dados da Central de Atendimento à Mulher, é possível observar que a maior quantidade de vítimas está nessa faixa etária, com 179 casos registrados.

Patriarcado x machismo, compreenda!

‘Menino não chora’. ‘Isso é coisa de menina’. Fale grosso’. ‘Eu sou sujeito homem’. ‘Mulher minha não fica andando por aí de roupa curta’. ‘Sou eu que tenho que botar comida dentro de casa para minha mulher cuidar dos nossos filhos’. ‘Quem manda aqui sou eu’. Essas são algumas de uma infinidade de falas machistas, proferidas e eficazmente transmitidas, que, direta ou indiretamente, acabam fomentando essa cultura de opressão e violência à mulher.

O machismo é um conjunto de crenças, preconceitos cognitivos e atitudes que predispõem as pessoas a agir como se as mulheres tivessem menos valor que os homens. Também um sistema sociocultural o patriarcado é um sistema social e cultural em que o poder e a autoridade estão concentrados nas mãos dos homens.

Ambos, alimentam-se de aversão e ódio e estão intrinsecamente relacionados, mas têm origens distintas. O patriarcado se desenvolveu historicamente e está enraizado em estruturas sociais, políticas e econômicas. É um sistema social e cultural em que o poder e a autoridade estão concentrados nas mãos dos homens, perpetua a ideia de superioridade masculina e desvaloriza o papel das mulheres na sociedade, influenciando normas, leis, instituições e relações familiares. Com isso, fomenta a desigualdade de gênero.

Já o machismo é uma expressão visível do patriarcado, que se manifesta em comportamentos discriminatórios, violência de gênero e restrições às oportunidades das mulheres a partir d bases de normas para favorecer o masculino em detrimento ao feminino. Estabelecidas. Ambos se retroalimentam: o machismo reforça o patriarcado, e o patriarcado sustenta o machismo. Em síntese, tomam forma a partir de construções históricas e culturais, e seus reflexos na sociedade afetam profundamente a vida das mulheres

Fim da violência contra a mulher

Para reverter esse quadro vergonhoso de agressão e morte de mulheres, é preciso lutar contra o machismo com ações individuais e coletivas, educação, desconstrução de ideias e apoio às vítimas. Para combater o machismo e evitar que crie novas vítimas, é fundamental que a sociedade discuta e aja em diversos aspectos.

Educação e Conscientização - Educar desde cedo sobre igualdade de gênero, respeito e consentimento e promover campanhas de conscientização nas escolas, universidades e mídia.

Desconstrução do Machismo- Questionar estereótipos de gênero e comportamentos machistas e refletir sobre atitudes e palavras que perpetuam o machismo.

Representatividade Feminina - Inclusão das mulheres em todas as áreas: política, ciência, esportes e valorizar e ampliar a visibilidade das conquistas femininas.

Combate à Violência de Gênero – Denunciar e punir casos de violência contra mulheres, assim como, apoiar e fortalecer redes de apoio às vítimas.

Responsabilidade Individual - Homens devem refletir sobre seus comportamentos e atitudes. Já as mulheres também podem desafiar padrões machistas.

Políticas Públicas - Leis que punam o machismo e a violência de gênero. Incentivo a projetos e organizações que trabalham pela igualdade.

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