Nísia Floresta: livros da potiguar serão obrigatórios para entrar na USP
Natal, RN 4 de mai 2024

Nísia Floresta: livros da potiguar serão obrigatórios para entrar na USP

31 de março de 2024
1min
Nísia Floresta: livros da potiguar serão obrigatórios para entrar na USP

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Em 1853, o Brasil tinha aproximadamente 9 milhões de habitantes. Nessa época, apenas 55,5 mil pessoas estavam matriculadas em escolas primárias e secundárias. E desse total de matriculados, 8.443 eram mulheres. Foi sobre esse Brasil que a potiguar Nísia Floresta Brasileira Augusta escreveu o livro "Opúsculo Humanitário", reivindicando o direito que a maioria das mulheres ainda não tinha: direito a estudar. "Enquanto pelo velho e novo mundo vai ressoando o brado – emancipação da mulher – nossa débil voz se levanta, na capital do império de Santa Cruz, clamando – educai as mulheres!", escreveu Nísia no primeiro dos 62 capítulos da obra.

O livro "Opúsculo Humanitário" está na nova lista de leituras obrigatórias para quem quiser entrar na Universidade de São Paulo (USP). Entre 2026 e 2028, todos os livros de leitura obrigatória para o vestibular da Fuvest - que seleciona os aprovados para USP - serão de escritoras mulheres de língua portuguesa.

Além da escritora e educadora potiguar, fazem parte da histórica lista de mulheres escritoras as brasileiras e estrangeiras Clarice Lispector, Conceição Evaristo, Djaimilia Pereira de Almeida, Julia Lopes de Almeida, Lygia Fagundes Telles, Narcisa Amália, Paulina Chiziane, Rachel de Queiroz e Sophia de Mello Breyner Andresen.

O livro de Nísia será obrigatório no vestibular da Fuvest em 2026 e 2027. Em 2028 e 2029, um segundo livro da escritora potiguar aparece na lista: "Conselhos à minha Filha", de 1842.

Nísia é uma das cinco escritoras mulheres que estão presentes nas listas dos três anos exclusivos de obras de mulheres e que continuam entre os autores em 2029 - quando escritores homens voltam a compor o grupo.

Decisão por livros só de mulheres foi "corajosa e necessária"

A decisão da USP foi anunciada no final de 2023 e, em comunicado da época, a universidade explicou que o objetivo era valorizar o papel das mulheres na literatura, não apenas como personagens, mas como autoras. “Muitas delas foram alvo de décadas de invisibilidade pelo fato de serem mulheres”, declarou a presidente do Conselho Curador da Fuvest e vice-reitora da USP, Maria Arminda do Nascimento Arruda. No mesmo comunicado, Aluísio Cotrim Segurado, Pró-Reitor de Graduação da USP, ressaltou que a lista só de mulheres escritoras era uma mudança "corajosa" e "necessária".

Para o vestibular de 2025, a lista da USP continua com nove livros e predominância de autores homens - uma característica histórica. Dos nove livros, apenas dois são de escritoras mulheres: Água Funda (Ruth Guimarães) e Romanceiro da Inconfidência (Cecília Meireles). As demais obras são: Marília de Dirceu (Tomás Antônio Gonzaga); Quincas Borba (Machado de Assis); Os Ratos (Dyonélio Machado); Alguma Poesia (Carlos Drummond de Andrade); A Ilustre Casa de Ramires (Eça de Queirós); Nós Matamos o Cão Tinhoso! (Luís Bernardo Honwana); e Dois Irmãos (Milton Hatoum). Em 2029, os escritores voltam, mas em minoria: serão seis livros de mulheres e três de homens.

Livros de Nísia podem ser lidos na internet

1 | Opúsculo Humanitário é o segundo livro de Nísia Floresta. O texto é uma coletânea de 62 crônicas publicadas em jornais da época e fazem um histórico da condição feminina da Antiguidade Clássica até aquele momento, contextualizando sobre a importância da educação das mulheres para o desenvolvimento intelectual e material dos países. O livro é uma síntese do pensamento de Nísia Floresta sobre a educação feminina.

Na obra, Nísia aponta que o desenvolvimento material e intelectual de um país, está relacionado ao lugar ocupado pelas mulheres na sociedade.

A professora Constância Lima Duarte, da UFMG, em entrevista em Podcast da Folha de São Paulo em 2020 disse que o fato de Nísia Floresta defender a educação das mulheres para que a sociedade as considerem seres inteligentes, capazes de raciocinar, serem donas do seu pensamento, serem capazes de formular ideias era "absolutamente revolucionário” para o Brasil da época.

O livro também toca no posicionamento antiescravismo e no movimento de incentivo ao aleitamento materno. Nos artigos finais do livro, Nísia critica as escolas e o ensino no Brasil, evidenciando com dados a falta de direcionamento educacional, especialmente na educação de meninas.

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2 - O Conselhos à minha filha, de 1842, foi escrito como presente de aniversário de 12 anos de Lívia (primeira filha de Nísia). Este foi o texto de Nísia Floresta mais reeditado - no Brasil em 1845, na Itália em 1858 e na França em 1859.

O texto traz recomendações de Nísia para a filha - que representaria as jovens e mulheres da época. O objetivo é estimular o desenvolvimento de "virtudes" para que as jovens não se desviassem dos "bons costumes da sociedade". O livro é apontado por alguns estudiosos como o de maior exemplo de limitação da autora por sua formação religiosa ditada pelo conservadorismo do catolicismo. Ao contrário de outros textos históricos da autora, o livro não tenta ampliar a participação das mulheres na sociedade. Para alguns historiadores, até contribui para criar uma nova delimitação do papel da mulher na sociedade.

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Nísia era uma "ave de arribação, cujas asas não cabiam nos limites do ninho”

Nísia Floresta nasceu Dionísia Gonçalves Pinto, em 1810. Logo que começou a escrever, passou a usar um pseudônimo literário: Nísia Floresta Brasileira Augusta. Nísia em referência ao primeiro nome; Floresta em homenagem ao sítio onde nasceu; Brasileira para referenciar a nacionalidade (especialmente depois de ter viajado ao exterior) e a palavra Augusta está ligada à lembrança de seu marido, Manoel Augusto de Faria Rocha, pai de seus filhos.

Era filha de Dionísio Gonçalves Pinto Lisboa, um advogado português que se fixou no Rio Grande do Norte, e de uma brasileira, Antonia Clara Freire. Do RN, Nísia foi para Pernambuco, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. A mudança do RN se deu logo após pedir anulação do primeiro casamento - que ocorreu quando ela tinha apenas 13 anos. Há relatos que o marido - inconformado com a separação - chegou a perseguir a família de Nísia.

Aos 17 anos, Nísia perdeu o pai - brutalmente assassinado em Pernambuco. Nesta época, conhece o estudante de Direito Manuel Augusto de Faria Rocha, tido como grande amor da vida da escritora. Em 1832 - então com 22 anos - escreve o primeiro livro "Direito das mulheres e injustiça dos homens", que entrou para a história como o primeiro texto brasileiro sobre direitos das mulheres. Já em Porto Alegre, tem o segundo filho e perde o marido, que faleceu repentinamente, aos 25 anos de idade.

Em 1837 vai viver com os filhos no Rio de Janeiro. Um ano depois, fundou o Colégio Augusto, voltado para a educação feminina. A escola para meninas ensinava a ler, escrever e costurar, como era comum na época, mas também ciência, história, geografia e línguas. O colégio funcionou por 18 anos.

Em 1849 embarca para Paris com os dois filhos. Fica na Europa até 1852. De volta ao Brasil, no Rio de Janeiro, publica em 1853 "Opúsculo Humanitário".

Depois de quatro anos vivendo no Rio de Janeiro, em abril de 1856, embarcou novamente para a França, acompanhada apenas da filha, desta vez para permanecer por mais tempo. Neste período, viajou para países como Alemanha, Itália, Grécia, Inglaterra e Portugal.

Em 1872, quando, depois de 16 anos de ausência, voltou para o seu país de origem. Em 1875 regressou em definitivo para a Europa. Depois de passar novamente pela Inglaterra e por Portugal, retornou à França. Em 1878 estabeleceu-se em Rouen, onde viveu até os seus últimos dias. Em 1885, morreu, de pneumonia, como uma personagem desconhecida.

Em uma pesquisa de Constância Lima Duarte - professora da Universidade Federal de Minas Gerais que se dedicou a pesquisar a vida e a obra de Nísia Floresta - há uma frase publicada no jornal "A República", em 1940, do folclorista Câmara Cascudo. Ele se refere a Nísia Floresta como uma “grande ave de arribação, cujas asas não cabiam nos limites do ninho”.

Obras de leitura obrigatória da USP

2025 - Maioria de escritores homens

  • Marília de Dirceu | Tomás Antônio Gonzaga
  • Quincas Borba | Machado de Assis
  • Os Ratos | Dyonélio Machado
  • Alguma Poesia | Carlos Drummond de Andrade
  • A Ilustre Casa de Ramires | Eça de Queirós
  • Nós Matamos o Cão Tinhoso! | Luís Bernardo Honwana
  • Água Funda | Ruth Guimarães
  • Romanceiro da Inconfidência | Cecília Meireles
  • Dois Irmãos | Milton Hatoum

2026-2028 - Só escritoras mulheres

2026

  • Opúsculo Humanitário (1853) | Nísia Floresta
  • Nebulosas (1872) | Narcisa Amália
  • Memórias de Martha (1899) | Julia Lopes de Almeida
  • Caminho de pedras (1937) | Rachel de Queiroz
  • O Cristo Cigano (1961) | Sophia de Mello Breyner Andresen
  • As meninas (1973) | Lygia Fagundes Telles
  • Balada de amor ao vento (1990) | Paulina Chiziane
  • Canção para ninar menino grande (2018) | Conceição Evaristo
  • A visão das plantas (2019) | Djaimilia Pereira de Almeida

2027

  • Opúsculo Humanitário (1853) | Nísia Floresta
  • Nebulosas (1872) | Narcisa Amália
  • Memórias de Martha (1899) | Julia Lopes de Almeida
  • Caminho de pedras (1937) | Rachel de Queiroz
  • A paixão segundo G. H. (1964) | Clarice Lispector
  • Geografia (1967) | Sophia de Mello Breyner Andresen
  • Balada de amor ao vento (1990) | Paulina Chiziane
  • Canção para ninar menino grande (2018) | Conceição Evaristo
  • A visão das plantas (2019) | Djaimilia Pereira de Almeida

2028

  • Conselhos à minha filha (1842) | Nísia Floresta
  • Nebulosas (1872) | Narcisa Amália
  • Memórias de Martha (1899) | Julia Lopes de Almeida
  • João Miguel (1932) | Rachel de Queiroz
  • A paixão segundo G. H. (1964) | Clarice Lispector
  • Geografia (1967) | Sophia de Mello Breyner Andresen
  • Balada de amor ao vento (1990) | Paulina Chiziane
  • Canção para ninar menino grande (2018) | Conceição Evaristo
  • A visão das plantas (2019) | Djaimilia Pereira de Almeida

2029 - Maioria de escritoras mulheres

  • Conselhos à minha filha (1842) | Nísia Floresta
  • Nebulosas (1872) | Narcisa Amália
  • D. Casmurro (1899) | Machado de Assis
  • João Miguel (1932) | Rachel de Queiroz
  • Nós matamos o cão tinhoso! (1964) | Luís Bernardo Honwana
  • Geografia (1967) | Sophia de Mello Breyner Andresen
  • Incidente em Antares (1970) | Erico Verissimo
  • Canção para ninar menino grande (2018) | Conceição Evaristo
  • A visão das plantas (2019) | Djaimilia Pereira de Almeida

Saiba mais sobre as autoras escolhidas

Nísia Floresta (1810-1885) | Considerada a primeira educadora e jornalista feminista do Brasil. Nascida no Rio Grande do Norte, essa escritora em prosa e verso denunciou também as injustiças cometidas contra os negros escravizados e os indígenas brasileiros.

Narcisa Amália (1852-1924) | Foi uma educadora, poetisa e jornalista brasileira – primeira mulher a trabalhar profissionalmente como jornalista no Brasil. Dona de uma das poucas vozes femininas de sua época a trabalhar a ideia de identidade nacional, foi também antiescravista e republicana. Sua obra mereceu comentários elogiosos de Machado de Assis e de Pedro II.

Julia Lopes de Almeida (1862-1934) | Escritora, cronista e teatróloga, foi uma das idealizadoras da Academia Brasileira de Letras, de cuja lista de fundadores foi posteriormente excluída para manter a Academia exclusivamente masculina. Em seu lugar, foi incluído o nome do poeta português Filinto de Almeida, seu marido, popularmente conhecido como o “acadêmico consorte”. Também foi uma das precursoras da literatura infantil no Brasil.

Rachel de Queiroz (1910-2003) | Primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras e a receber o Prêmio Camões, é uma autora de destaque da literatura social nordestina. Extremamente hábil na análise psicológica de seus personagens, a autora estreou na literatura aos 19 anos.

Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004) | Poetisa, contista e escritora de literatura infantil, foi proveniente de uma família de origem aristocrática portuguesa. Acreditava que a poesia representava um valor transformador fundamental e que era algo que lhe acontecia, como afirmara antes dela Fernando Pessoa. Foi agraciada com o Prêmio Camões, tendo sido a segunda mulher a recebê-lo.

Clarice Lispector (1920-1977) | De origem ucraniana, Chaya Pinkhasivna Lispector emigrou para o Brasil em 1922 com seus familiares em razão da perseguição sofrida pelos judeus ucranianos em sua terra natal. A romancista e contista apresenta, em sua obra, traços bastante específicos como a ruptura com a narrativa factual, o uso intenso de um fluxo de consciência na escrita e o de metáforas insólitas, como sublinhou Alfredo Bosi.

Lygia Fagundes Telles (1918-2022) | destacou-se como contista, embora tenha sido, também, uma importante romancista. Membro da Academia Brasileira de Letras, foi a segunda brasileira laureada com o Prêmio Camões e foi reconhecida, ainda em vida, como uma escritora primorosa por seus pares nacionais e internacionais, que a alcunharam “a grande dama da literatura brasileira”.

Conceição Evaristo (1946- ) | Poeta, contista e romancista brasileira, aborda em suas obras temas de grande relevo social, como a discriminação racial, de gênero e social, sendo considerada uma importante representante do movimento Pós-Modernista no Brasil. Professora universitária, Conceição Evaristo tomou posse, em 2022, como responsável pela Cátedra Olavo Setúbal de Arte, Cultura e Ciência do Instituto de Estudos Avançados da USP. Cunhou a expressão escrevivência para descrever o processo criativo de sua obra.

Paulina Chiziane (1955- ) | Moçambicana, nascida no subúrbio de Maputo, iniciou, mas não concluiu, o curso universitário de Letras (linguística). Com uma atuação política destacada em seu país durante o período da independência, a autora se afastou da política e passou a se dedicar à literatura, passando a viver na província de Zambézia, para onde se retirou ao se afastar da política. Primeira mulher a publicar um romance em Moçambique, foi também a primeira mulher africana agraciada com o Prêmio Camões.

Djaimilia Pereira de Almeida (1982- ) | É a pessoa mais jovem a figurar na lista de leitura obrigatória da Fuvest. Nascida em Angola, a autora passou boa parte de sua vida em Portugal, onde se licenciou em Estudos Portugueses e obteve o título de Doutora em Teoria da Literatura. Atualmente, é Professora da New York University. Foi vencedora do Prêmio Oceanos.

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